Contestação de ação proposta para anulação de doação.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de anulação de doação proposta por ......, pelos motivos de fato e de
direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. INÉPCIA DA INICIAL : AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR
Pretendendo, desde logo, garantir a intangibilidade de sua quota legitimária de
herdeiro necessário, sob alegação de que, ao longo dos últimos 43 anos, seu pai
.............. teria dilapidado o acervo hereditário que será partilhado quando
de sua morte, formula o autor pedido de declaração de nulidade de todos os atos
jurídicos (praticados pelo pai, pelos demais co-réus e pelas diversas empresas
do "Grupo ....") que supostamente poderiam caracterizar doação, cessão ou
transferência de bens.
Ora, é cediço que o autor deve descrever com precisão os fatos relevantes que
constituem a relação jurídica a respeito da qual pretende seja concedida a
tutela jurisdicional. Cuidando-se de pretensão de natureza declaratória (de
conteúdo desconstitutivo: destinada a proclamar a nulidade de atos jurídicos
formalmente perfeitos), para que se possa inferir o interesse processual do
autor, além da alegação do fato constitutivo do direito, é também necessária a
narração do fato violador desse direito, e, em especial, a descrição precisa dos
fatos que teriam viciado os atos atacados,
Na hipótese dos autos, contudo, a inicial não indica os elementos fáticos em que
se funda a pretensão deduzida em juízo. Ao contrário, confessa o autor que
"desconhece os outros bens adquiridos por seu pai" durante sua vida e (pasme o
eminente julgador) pede a realização de perícia para "avaliar o montante exato
das transferências excedentes", desta forma demonstrando ignorar a composição do
acervo hereditário que afirma estar sendo dilapidado (e que somente será
submetido à partilha quando for aberta a sucessão de ................
Em verdade, a exordial sequer especifica os atos jurídicos que se pretende
anular; não indica quais teriam sido as doações acoimadas de inoficiosas; não
precisa o momento em que teriam ocorrido as dádivas; não individualiza os bens
supostamente doados, nem os respectivos donatários; não elenca os bens e valores
que integravam o patrimônio do pai na data em que teriam ocorrido cada uma das
doações impugnadas. Também não informa a inicial em que consistiria a porção
legítima reservada aos herdeiros necessários, nem qual seria a parte disponível
do patrimônio (na data em que teriam ocorrido as supostas liberalidades), nem
tampouco faz referência alguma às eventuais dívidas contraídas pelo pai (dado
essencial para o cálculo da porção disponível, nos termos do art. 1.847 do novo
Código Civil). Por fim, simplesmente omite todos bens e numerário que recebeu de
seu pai desde ..........
Deixando de indicar com segurança os fatos e fundamentos jurídicos do pedido
(que constituem a causa de pedir), o autor dificulta sobremaneira a elaboração
da defesa de mérito e assim impede o seu exame pelo julgador. Embora despiciendo,
convém ressaltar ser inaplicável à hipótese dos autos o aforismo jura novit
curia, porquanto se o juiz sabe o direito, a alegação do fato é atribuição
intransferível do litigante! É certo que a lei outorga ao juiz liberdade na
aplicação do direito ao caso concreto, sob o enquadramento jurídico que reputar
adequado, mas sempre dentro dos limites fáticos constantes do processo e de
acordo com o material probatório produzido pelas partes (cf. arts. 128 e 460 do
CPC). "Iudice secundum allegata et probata partium iudicare debet", diz o antigo
brocardo jurídico, donde se conclui que o limite objetivo da liberdade do
julgador encontra-se naqueles fatos que individualizam a pretensão e que
constituem a causa petendi.
2. INÉPCIA DA INICIAL : PEDIDO GENÉRICO
No caso dos autos, convém acrescentar, além da patente ausência de causa de
pedir, o pedido formulado na inicial é indubitavelmente genérico (anulação de
todas as "doações, cessões e transferências" de bens ocorridas na segunda metade
do século XX), razão pela qual fica o juiz impedido de enfrentar o mérito, nos
termos do art. 286 do Código de Processo Civil. Quer a lei, como se nota, evitar
o exercício inútil da atividade jurisdicional, sendo assim inadmissível que a
parte formule pedido genérico, difuso, sem fundamento fático, sem precisar a
violação do direito, esperando que o julgador depure a postulação e descubra sua
verdadeira pretensão (cf. RTFR 164/119).
Diante da ausência de "causa petendi" e da formulação de pedido patentemente
genérico, impõe-se a extinção do processo sem análise de fundo, nos termos do
art. 267, inc. I, art. 286 e art. 295, inc. I (e inc. I do § único do art. 295)
do Código de Processo Civil.
3. CARÊNCIA DA AÇÃO (art. 267, inc. VI, do CPC)
O Dr. R. F. (que fez 80 anos de idade no dia 16 de agosto) nasceu em Mococa, em
agosto de 1917. Em 1955 faleceu sua primeira esposa (A. E. F.), com quem teve
cinco filhos, dentre os quais LUIZ A.F., autor desta ação, nascido em 17.6.45.
Além do autor e seus 4 irmãos, o "Doutor R." (como é conhecido por ter se
formado em Direito em 1975), teve mais seis filhos da co-ré M. E. M. F., com
quem se casou em julho de 1958, pelo regime da comunhão universal de bens. De
comerciante que era, tornou-se conhecido e respeitado empresário do setor de
....., onde passou a atuar a partir de 1956.
Sucede que o autor, hoje com 52 anos, desprezando (e omitindo) o fato de, ele
sim, já ter recebido de R. F. bens e numerário em valor equivalente ou superior
à legítima a que terá direito com a abertura da sucessão "mortis causa" (ganhou
suas primeiras quotas de sociedade comercial quando era um garoto de 12 anos de
idade), não agüentou esperar a morte do pai e, inconformado com a vida ou com a
própria sorte, ou talvez movido pela inveja, ganância ou pelo egoísmo, promoveu
a presente ação talvez na vã esperança de chantagear os réus e obter alguma
vantagem antes mesmo do falecimento do Dr. R. (que se espera sobreviva a todos
os filhos, notadamente o autor).
Nenhuma importância teve para o filho ingrato o fato de estar o pai ainda vivo,
sendo a sucessão mera expectativa (ou esperança sua). Também desprezou o autor o
fato de desconhecer a evolução do patrimônio de seu pai, ou o fato de R. F.
estar casado, há quase 40 anos, sob o regime da comunhão universal de bens, com
a ré M. E. M. F. (a quem não poderia, como é óbvio, transferir bens que a ela já
pertenciam). Não importa ao autor, ainda, o fato de não ser sócio de nenhum dos
réus, não possuindo uma quota sequer das sociedades das quais participa seu pai.
Não importa que os réus, como qualquer pessoa, tenham direito à manutenção de
sua integridade psíquica (que compreende a privacidade, o sigilo e a liberdade),
não sendo obrigados a prestar contas ao autor.
Pouco importa, também, tenha o pai o direito de, enquanto vivo, gerir seu
patrimônio como lhe aprouver, inclusive dele dispondo para depois de sua morte,
nomeando legatários ou herdeiros, dispensando uns de colação ou privando da
legítima os que derem causa à deserdação. Não. O autor submete à apreciação de
V. Exa. lide temerária, talvez, quem sabe, porque o respeito e temor filiais
tenham menos importância hoje do que a avidez, a ambição desmedida, a cizânia, a
mágoa injustificável...
Todavia, mais do que magoar e ferir o coração de um pai, a atitude do autor
ofende a Moral e o Direito, que não toleram a idéia de herdeiros reivindicando,
discutindo, disputando, litigando sobre a expectativa da partilha dos bens de
pessoa viva.
Para "fundamentar" sua lide temerária, invoca a exordial a lição doutrinária de
CARVALHO SANTOS; mas se aquele autor (assim como Agostinho Alvim) leciona que
pode o herdeiro necessário promover ação para igualar quinhões desiguais,
todavia, adverte :
"a reducção só poderá ser pleiteada após a abertura da successão, em virtude da
qual terá o legitimario direito á legitima: em primeiro logar, porque, não
havendo herança de pessoa viva, não poderia haver legitima, nem tampouco acção
de redução, visando integral-a; em segundo logar, porque em vida daquelle de
quem pretendem herdar, não podem os presumidos legitimarios impedir qualquer
accto que elle queira praticar, allegando que possa implicar, ou que implica
realmente, em lesão irreparável ao seu direito á legitima; nem intervir em
outros actos para reconhecer si são sinceros ou simulados, e, si, por isso podem
ou não expor a perigos e prejuizos os seus possíveis direitos; nem, enfim,
praticar actos conservatorios..." (cf. J. M. DE CARVALHO SANTOS, "Código Civil
Brasileiro Interpretado", ed. Freitas Bastos, 2ª ed., 1938, vol. XXIV, pág.
129).
Também a jurisprudência não admite que se queira "igualar legítimas" antes da
morte da pessoa, tanto que a única ementa referida na inicial (RT 732/234) cuida
de hipótese em que o autor da herança já havia falecido (ap. 254.359-1/0, da 5ª
Câm., rel. em. des. Luiz Carlos de Barros, julgado em 09.05.96).
Não obstante, sempre haverá casos de herdeiros afoitos que, após esbanjar ou
dissipar, por sua própria inabilidade ou prodigalidade, os bens que receberam em
vida do pai, contra ele litigarão motivados pelo "gosto pelo ocio ou pelos
regalos da vida facil, conseqüência da expectativa de gorda herança, como
sustenta LACERDA DE ALMEIDA" (in CARVALHO SANTOS, ob. cit., vol. XXII, págs.
35/36).
Outrossim, embora possa causar espécie ao autor, é certo que o Conspícuo SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, resolvendo caso de doação inoficiosa, in RE 53.483, do qual
foi relator o eminente Min. HAHNEMMAN GUIMARÃES, de há muito já assentou e
proclamou que : "PERTENCENDO AOS HERDEIROS NECESSÁRIOS A AÇÃO PARA ANULAR A
DOAÇÃO INOFICIOSA, SÓ É ADMISSÍVEL DEPOIS DA MORTE DO DOADOR"; "É que não pode,
em vida, um filho pretender anular doação feita pelo pai a um de seus irmãos.
Tal fato é tão comezinho, pois não poderia o filho disputar uma herança que
ainda não existia." (cf. Jurisprudência Brasileira, vol. 53, págs. 227 a 228)
Assim, se antes da morte do doador é impossível aferir-se a legítima, por não
existir monte partível e por ser vedado disputar a herança de pessoa viva,
forçoso é concluir que, ao contrário da "tese" sustentada pelo autor, a ação dos
herdeiros necessários para anular doação inoficiosa "somente pode ser admitida
após o óbito do doador" (cf. ARNALDO MARMITT, "Doação", Aide Editora, 1994, pág.
217; no mesmo sentido, acórdão relatado pelo em. des. J.M. Gonzaga, invocando
lição de JOÃO LUIZ ALVES, in RT 146/168).
Vê-se, portanto, que, durante a vida do doador não será possível pretender a
redução de quinhões hereditários, por não se saber qual será o patrimônio do
doador na data em que vier a morrer (quando integrarão o monte partível os bens
que o "de cujus" não distribuiu em vida, quer os reservados por ele para si
mesmo, quer os adquiridos mais tarde em virtude de herança, doação, compra e
venda, etc.).
Bem por isso, a correta exegese da Lei Civil leva à conclusão de que a apuração
da porção disponível e a computação dos valores das legítimas somente é possível
no momento da abertura da sucessão; sendo, contudo, nula a doação na parte que
exceder a de que o doador poderia dispor em testamento "no momento da
liberalidade" (art. 549 do novo Código Civil), para que se proceda à exata
verificação de eventual excesso da dádiva e conseqüente correção dos quinhões
deve-se retroagir até a data da liberalidade.
É a seguinte, portanto, a ordem lógica e cronológica fixada pela lei: abre-se a
sucessão; avalia-se o patrimônio que possuía o "de cujus" ao tempo de sua morte,
deduzindo-se do total o valor das dívidas e das despesas de funeral; excluída a
meação da viúva, avalia-se, então, o patrimônio que possuía o falecido ao tempo
de cada doação ("no momento da liberalidade"); verificado eventual excesso,
faz-se a redução da porção excedente, imputando-se a liberalidade na metade
disponível ou na legítima, conforme se trate de doação feita com ou sem dispensa
de colação (já que, se não houver dispensa expressa, a doação do pai ao filho
assume o caráter de adiantamento de legítima, nos termos do art. 544 do novo
Código Civil).
A lição doutrinária é no sentido de se aguardar a morte do doador para a
correção de desigualdade decorrente de doações que excederam a parte disponível,
pois que poderia o pai rico doar a um dos filhos, até o limite disponível, e,
mais tarde, falecer pobre, sem deixar bem algum para ser partilhado; ao
contrário, poderia a doação ter avançado o limite disponível e, tempos depois,
ter o pai enriquecido o suficiente para cobrir com folga o excesso de
liberalidade.
Todavia, para se encontrar um exemplo pertinente, paradigmático até, basta
compulsar os autos : quando LUIZ A. recebeu do pai, em 26.11.57, a primeira
doação (quotas de sociedade), Dr. R. era viúvo, o autor tinha apenas 12 anos e,
além dele, havia mais quatro herdeiros legitimários (J. L., J. R., F. A. E A.
R.). Nessa época, como é obvio, a legítima do autor equivaleria à décima parte
do patrimônio (10%).
Por outro lado, em agosto de 1961, quando LUIZ A. era um rapaz de 16 anos,
recebeu do pai substancial doação, que aumentou sua participação na empresa para
10,2% do capital social. Nessa época, a porção legítima do autor seria bem
menor, porquanto seu pai já havia se casado novamente (com comunhão de bens), e
já tinham nascido mais dois herdeiros reservatórios (J.F. E K. F.).
Já em 1997, para se calcular a legítima, seria necessário excluir a meação de M.
E. M. F.; subtrair a parte que R. F. poderia dispor no testamento; abater do
total o valor das dívidas e, finalmente, dividir o restante em 11 partes, eis
que onze são os herdeiros necessários (o autor, seus quatro irmãos e os réus
....). Nesta data, portanto, a legítima do autor equivaleria a menos de 3% do
patrimônio (ou 1/11 de 25%).
Se antes da delação da herança não há partilha, nem monte partível, nem "de
cujus", nem exigibilidade de legítima, filho algum do Dr. R. poderia reivindicar
coisa alguma relativa à herança, pois não há herança, mas patrimônio ! Enquanto
nossa Carta Política garantir o direito de propriedade em sua plenitude (art.
5º, inc. XXII, da CF) e enquanto o "Dr. R." não for o "de cujus", será ele
titular de seus bens e gestor de seu patrimônio, deles dispondo livremente até o
momento de sua morte (inclusive ajudando ou premiando quem lhe aprouver), sem
ter que prestar contas de seus atos a filhos ressentidos, revelando-lhes e
tornando públicos seus negócios, riscos, fracassos ou sucessos.
Em uma palavra, se não existe acervo partilhável, não há o que inventariar, nem
há legítima a ser igualada, nem tampouco ensejo para colação, conferência de
bens ou qualquer outra forma de equiparar quinhões para corrigir alegada
injustiça praticada em vida pelo doador. Qualquer discussão sobre a necessidade
de correção ou reposição decorrente da diversidade de valores dos bens
distribuídos em vida aos herdeiros será cabível apenas no momento oportuno, que
"somente ocorrerá com a abertura da sucessão" (RT 465/94), na qual poder-se-á
fazer o "cálculo do que fica como liberalidade (disponível) e do que vai para o
acervo partilhável (para os herdeiros necessários)" (cf. STJ, REsp. 5.325/SP,
rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 10/12/90).
Se na hipótese dos autos somente haverá lugar para exigir-se correções,
colações, reposições, conferências ou reduções de quinhões, quando R. F. morrer,
sendo vedado disputar a herança de pessoa viva, impõe-se a extinção do processo
sem enfrentamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. Acresce que
o exercício do direito de ação só decorrerá de interesse legítimo quando houver
uma vontade atual do direito, pois "o interesse processual há sempre que ser
concreto e atual"; "os interesses futuros e eventuais, no sentido de mera
esperança, não gozam de proteção processual" (ARRUDA ALVIM, "Tratado de Direito
Processual Civil", RT, 2ª ed., vol. I, pág. 328; também no sentido de que o
interesse processual somente se configura quando presente o requisito da
atualidade, confira-se : CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, "Execução Civil", vol. 1º,
RT, 1987, n. 361, pág. 232; CELSO AGRÍCOLA BARBI, "Comentários ao Código de
Processo Civil", Forense, 1983, vol. I, n. 274, pág. 63)
Evidenciado, à saciedade, que o fim visado pelo filho autor só poderá ser obtido
na ocasião própria, e que ainda não tem o querelante qualquer direito a exigir
dos réus (cumprindo-lhe aguardar pacientemente o falecimento de seu pai para
poder discutir a herança), impõe-se o decreto de extinção do processo sem
enfrentamento do mérito, devendo ser os autores julgados carecedores da ação
proposta, nos termos do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Alegando que os bens adquiridos por seu pai (o co-réu .............) ao longo
das últimas 4 décadas, "vêm sendo sucessiva e aleatoriamente doados à sua atual
esposa e aos filhos do segundo casamento", "em detrimento da legítima do autor e
de seus irmãos", ........................ pleiteia a declaração de "nulidade das
doações, cessões e transferências inoficiosas havidas" desde
........................ (data em que faleceu sua mãe, ...................), "a
fim de igualar as legítimas" (cf. fls. 5).
Os réus ........... e .............., dando-se por citados, ratificam, neste
ato, o inteiro teor da contestação apresentada por ................ e outros,
pedindo "máxima vênia" para acrescentar, ponderar e requerer o quanto segue.
Ao formular sua pretensão, no item 18 da peça vestibular, .... pede apoio
judicial para realizar verdadeira devassa na vida dos onze réus e de diversas
empresas que sequer figuram no polo passivo da demanda. Assim, quer quebrar o
sigilo fiscal de onze contribuintes, para analisar as "declarações anuais de
imposto de renda dos requeridos, a partir de 1975"; pede ainda a juntada de
todos os documentos relativos às transferências, cessões ou doações de imóveis
que pertencem ou pertenceram à seu pai "ou a qualquer das empresas mencionadas";
por fim, ousa pedir o beneplácito de Vossa Excelência para que "sejam os
requeridos compelidos a juntarem aos autos todos os documentos relativos às
sociedades nas quais o requerido R. F. possuía ou possui participação
acionária".
Ora, como foi dito na contestação dos demais réus, se o autor não é sócio nem
acionista das empresas referidas no item 11 da inicial, obviamente não tem
legitimidade para impor fiscalização coercitiva no âmbito daquelas pessoas,
razão suficiente, por si só, para que sejam liminarmente rechaçados os pleitos
do item 11 da inicial.
Com efeito, é cediço que a atividade empresarial normal (cisão, fusão, aumento
de capital, conferência de bens, compra e venda, etc.) não pode ser controlada
por quem não participe da sociedade, faltando àquele que não é sócio
legitimidade para exigir a exibição de livros, registros ou documentos, cujo
teor é resguardado pelo sigilo comercial.
Embora despiciendo, convém ressaltar que todo homem é titular de um espaço
interdito à ação e curiosidade alheias, um centro de intimidade destinado a
preservar a liberdade individual. Bem por isso é que a Lei protege o cidadão
contra a indiscrição alheia, outorgando-lhe o direito essencial de exigir uma
distancia profilática, uma não-intromissão de quem quer que seja no seu centro
de privacidade.
DO DIREITO
A proteção jurídica da intimidade, consagrada no inc. X do art. 5º da
Constituição Federal, constitui direito inato, vitalício, imprescritível e
absoluto (oponível erga omnes), impondo conduta de abstenção e limitando a
possibilidade jurídica de se comunicar os dados pessoais e patrimoniais que
integram a vida privada do indivíduo.
Esclarece CELSO BASTOS que o Direito à reserva de intimidade "consiste na
faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão na vida privada e
familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade
de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área de
manifestação existencial do ser humano" ("Comentários à Constituição do Brasil",
Saraiva, vol.2º, pág. 63).
Ora, o pedido de devassa nas declarações de renda (apresentadas nos últimos 12
anos pelos 11 réus), além de violento e imoral, é absurdo, abstruso e totalmente
infundado, violando mortalmente o inviolável direito público subjetivo à
intimidade da pessoa humana.
Seria risível, não fosse trágico: após ter recebido inúmeras doações de seu pai
e ter sido amparado pelo "velho" nos momentos de dificuldade financeira (que
causaram ao Dr. R., amiúde, vergonha e indignação); depois de todo o apoio que
recebeu, Luiz A., revelando inexplicável ressentimento, retribuiu tão só com
ingratidão : preocupado com a expectativa de possível desigualdade numa
"partilha virtual", "inventa" um processo, e tem o atrevimento de pedir que o
Estado-juiz autorize a invasão do centro de privacidade de onze indivíduos,
tornando públicas informações entregues ao fisco, por exigência legal, sob a
garantia da guarda de "rigoroso sigilo" sobre a situação dos contribuintes (cf.
art. 38, caput, da Lei 4.595/64 e art. 198 do Codex Tributário Nacional).
Releva notar que até mesmo um mafioso ou um traficante do COMANDO VERMELHO têm
garantida sua privacidade, somente se podendo quebrar-lhes o sigilo fiscal
diante de justificável interesse da justiça e, mesmo assim, devendo a diligência
ser realizada na presença do juiz, impondo-se o mais "rigoroso segredo de
justiça" (cf. art. 3º da Lei 9.034, de 03 de maio de 1995).
Ademais, já disseram os outros réus, "não é função do Poder judiciário
investigar quais os fatos que se ajustam à fundamentação da pretensão do autor",
nem tampouco suprir a omissão da parte na produção de prova de cujo ônus não se
desembaraçou. Isso porque, como é sabido, o ônus da prova significa "dever de
provar, no sentido de necessidade de provar" (FREDERICO MARQUES, "Comentários ao
CPC", vol. IV, pág. 29). É um imperativo do interesse da própria parte, pois
"quem tem sobre si o ônus está implicitamente forçado a efetuar o ato de que se
trata : é o seu próprio interesse que o compele" (EDUARDO J. COUTURE,
"Fundamentos do Direito Processual Civil", Saraiva, 1946, tradução de Rubens
Gomes de Souza, pág.).
Bem por isso, estabelece a lei um sistema de divisão do ônus probatório (art.
333), em virtude do qual é dever legal de cada litigante provar os fatos que
sustentam sua pretensão ("ei incumbit probatio qui dicit").
Por se cuidar, na hipótese dos autos, de fato constitutivo do seu alegado
direito, incumbia ao autor o ônus de provar cabalmente a inoficiosidade das
doações (cf. RT 82/528 e 146/693), não podendo, agora, pretender que o juiz o
substitua na produção da prova, transferindo ao magistrado o encargo de instruir
a inicial com documentos capazes de demonstrar a veracidade de suas alegações.
Admitir-se, como quer ........., que o Juízo substitua a iniciativa da parte na
produção da prova certamente violaria os princípios da simetria e da igualdade
processual, maculando um dos mais caros pressupostos do exercício da atividade
jurisdicional e do Estado de Direito Democrático: a garantia de imparcialidade
ou neutralidade do julgador.
Em conseqüência, se insuficientes ou inexistentes as provas das alegações da
parte, deve o resultado do provimento jurisdicional ser desfavorável a quem
cabia o "onus probandi". No caso concreto, deixando o autor de provar "que a
doação, no momento da liberalidade, excedia à parte disponível, em testamento,
pelo doador, há que prevalecer o seu ato" (JM 108/75), julgando-se a ação
totalmente improcedente.
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, e mais pelo que Vossa Excelência há de acrescentar, aguardam
os réus ............... e sua mulher ................... o acolhimento das
preliminares argüidas, julgando-se antecipadamente a lide (art. 330, I do CPC),
e extinguindo-se de plano o processo.
Caso, por absurdo, sejam superadas as preliminares suscitadas, pedem vênia para
remeter Vossa Excelência às judiciosas e proficientes razões de mérito expostas
na defesa apresentada por.................... e outros, as quais (razões)
demonstram à saciedade a absoluta improcedência da ação.
Outrossim, tendo agido com evidente dolo processual, alterando a verdade dos
fatos, deduzindo pretensão contra a letra da lei, formulando pedidos
teratológicos e promovendo lide temerária, devem os autores ser reputados
litigantes de má-fé, sujeitando-se à composição de perdas e danos, tal como
dispõem os arts. 17 e 18 do CPC (aplicáveis mesmo de ofício, nos termos da
redação introduzida pela Lei 8.952, de 13.12.94).
Protestam por todos os meios de prova em Direito admitidos; invocam, data vênia,
a aplicação do art. 330 do CPC; informam que seus procuradores receberão
intimações no endereço ......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]