Pedido de extinção da medida de segurança em face do condenado ser portador de HIV.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO ...., por meio de se procurador infra assinado, vem mui
respeitosamente interpor
PEDIDO DE EXTINÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA
em favor de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., internado no hospital ....., pelos
motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Trata-se de agente submetido a medida de segurança, sob tratamento ambulatorial,
que, a teor do laudo de fls. 85/89, "necessita de internação psiquiátrica, para
que se submeta a tratamento adequado, e posterior retorno ao ambulatório com
acompanhamento de assistente social".
O pedido encontra amparo no art. 97, § 4º, do Código Penal, que estabelece a
possibilidade de internamento por ordem judicial, em qualquer fase do tratamento
ambulatorial, se essa providência for necessária para fins curativos.
Se admitida a necessidade de internação, cumpre examinar, preliminarmente,
quanto ao local da internação que não vem indicado nos autos.
É que, normalmente, à ausência de estabelecimento adequado no Distrito Federal,
as internações vêm sendo feitas na ATP - Ala de Tratamento Psiquiátrico do CIR.
Em face de relatório do Conselho Penitenciário, dando conta de irregularidades
observadas na ATP em ............, o signatário e o Promotor de Justiça
................. visitamos o local, em ..........., e constatamos que 39
(trinta e nove) internos acham-se ali recolhidos em completa desobediência à
Constituição Federal e aos comandos do Código Penal e Lei de Execuções Penais,
no que se refere a cumprimento de medida de segurança detentiva.
Diante do apurado, os Promotores de Justiça em exercício na Promotoria de
Justiça de Execução Penal apresentaram, em ............, petição a Vossa
Excelência de que aguardam decisão (v. anexo), requerendo:
"a) a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias à administração penitenciária do
Distrito Federal para que regularize a situação, de acordo com a lei, instalando
no próprio CIR, ou de preferência, em local distinto, unidade própria para
tratamento dos internos ou, ainda, que os distribua em unidades de saúde, que
possuam condições de custódia;
b) que se determine, com o objetivo de que seja decretada a interdição das
atuais instalações, a imediata realização de perícia pelo Instituto de
Criminalística, com intuito de examinar o local (CIR) em confronto com as
exigências legais pertinentes, devendo o respectivo laudo ser apresentado em 30
(trinta) dias;
c) que se determine ao Instituto Médico Legal, com o objetivo de análise das
situações individuais, a imediata realização de exames de todos os internos,
visando à desinternação ou liberação condicional (Código Penal, art. 97, § 3º),
devendo os laudos respectivos serem apresentados no prazo máximo de 60 (sessenta
dias), exceto nos casos em que tais exames tenham sido concluídos nos últimos 90
(noventa) dias.".
Pelo que se vê, após adotado esse posicionamento, não pode mais o Ministério
Público examinar qualquer pedido de medida de segurança detentiva, sob o
pressuposto de que eventual internação se dará na ATP, que não oferece as
mínimas condições para o tratamento de doentes mentais.
Antes de qualquer definição a respeito, cumpre, doravante, indagar, dentre
outros questionamentos pertinentes: a) em face dos atuais conhecimentos da
psiquiatria, se há elementos seguros para prognosticar a periculosidade do
agente para fins de internação penal, segundo as exigências legais; b) havendo
definição segura de que o sentenciado deve ser mantido em medida de segurança
detentiva, onde será internado e se esse local oferece condições adequadas de
tratamento, na forma do disposto no art. 99 do Código Penal, aferidas mediante
certificado médico especializado; c) se não é possível atender o agente na rede
hospitalar pública, segundo padrões modernos de saúde mental, sem internação e,
portanto, sem custódia, com assistência social; d) se houver internação
necessária, qual o tempo e o tipo de tratamento que devem ser impostos ao
paciente.
Afora isso, Excelência, ao que tudo indica, os doentes mentais não vêm recebendo
de nós, Ministério Público, Judiciário e autoridades da administração
penitenciária, a atenção e o respeito que merecem, quando submetidos a medida de
segurança, seja na condição genérica de cidadãos, seja, especialmente, por sua
hipossuficiência ou mesmo total deficiência de vontade, condição que os fazem
merecedores de tratamento mais particularizado ainda.
Sob essa ótica, examinei o Processo nº ........ Tratava-se de ..............,
condenado a dois anos de reclusão, a serem cumpridos em regime integralmente
fechado, ficando a critério desse juízo da execução o exame da substituição da
reprimenda por medida de segurança.
Aludido sentenciado cumpriu pena em regime fechado de ............ até
.........., ocasião em que foi encaminhado ao CIR sob medida de segurança
detentiva, onde se encontrava até agosto deste ano.
Ocorre que a decisão de conversão só foi tomada em ............., quando, na
realidade, já se encontrava extinta a execução da pena, pois seu cumprimento
expirou-se a .........
Diante disso, deixei de manifestar-me sobre pedido de continuidade do
internamento, por falta de objeto, e requeri, em .........., a decretação da
extinção da execução da pena a que foi condenado ............, estabelecendo-se
meios para que se submeta a tratamento, na condição de egresso (LEP, arts. 10,
parágrafo único, 14, 25, 26 e 27), o que foi deferido por esse juízo em
..............
Não parece escapar a destino semelhante o presente caso.
..............., nascido em ........., trabalhando como porteiro à época do fato
que gerou a presente medida de segurança, no dia ............, por volta de 19
horas, "subtraiu para si um ônibus .........., de propriedade da empresa
......... que se encontrava estacionado em um box da Estação Rodoviária desta
.........".
Em função disso foi preso em flagrante, quando dirigia o ônibus em via pública,
e denunciado por furto simples (art. 155, caput, do Código Penal).
Antes do julgamento foi submetido, em ........, a exame psiquiátrico (fls.
19/23), que concluiu ser o agente inimputável, à vista de ser portador de doença
mental, diagnosticada como esquizofrenia paranóide. Já vinha fazendo tratamento
ambulatorial, regular, no Hospital Regional de ..........., sendo que, "no
momento do exame encontrava-se em fase de intercrise, isto é não estava em surto
psicótico agudo. Porém, não podemos esquecer, que um psicótico, mesmo estando em
fase de remissão, não deixa de ser um psicótico e já apresenta os defeitos
próprios de sua patologia".
Ao julgá-lo em .......... (fls. 46/48), o juiz sentenciante observou que o
agente recebia cuidados dos pais, presentes ao julgamento, e não tratava "de um
louco enfurecido e sim, ao que parece, um maníaco para dirigir um ônibus, desejo
este frustrado quando tinha suas condições normais, pois somente chegou a ser
cobrador". E rematou: "se houvesse uma melhor fiscalização dos ônibus,
certamente, o acusado não teria o apanhado na rodoviária".
Acrescentou que "para a hipótese dos autos, se pena fosse aplicada, poder-se-ia
até beneficiar o réu com sanção de somenos multa, sanção esta de menor graduação
do que a própria detenção".
Em razão disso, entendeu que "a internação em manicômio não lhe é aconselhável"
e determinou que Divino fosse submetido a medida de segurança, na modalidade de
tratamento ambulatorial" pelo período mínimo de dois anos.
Em ........, foi oficialmente iniciado o cumprimento da medida de segurança por
intermédio desse juízo (fl. 18).
DO DIREITO
Na realidade, o condenado já vinha se submetendo a tratamento ambulatorial, em
razão de doença mental desde a época do fato, ........, aliás, desde .........,
conforme se constatou posteriormente (fl. 42).
Assim, fazia jús à detração, na forma do art. 42 do Código Penal, e deveria ter
sido submetido a exame psiquiátrico em ............ de ........, ao final do
período mínimo de dois anos (art. 93, § 2º, do Código Penal), o que não ocorreu.
Apenas consta informe, datado de ............ de ........., do Serviço
Psicossocial, de que Divino vinha se apresentando normalmente à VEC, com
significativas melhoras (fl. 26).
Como o agente, no decurso de um ano subsequente, não praticou qualquer fato
indicativo de persistência de periculosidade, deveria, a teor do disposto no
art. 97, § 3º do Código Penal, ter sido decretada a extinção da medida de
segurança em .......
Tal igualmente não aconteceu, apesar de que, em ............., o mesmo serviço
Psicossocial tenha deixado claro que Divino vinha recebendo tratamento
ambulatorial, estava bem e vinha procurando "estar com o seu tempo ocupado,
exercendo uma atividade remunerada", o que "demonstra que Divino mantém a
responsabilidade sobre as finanças do lar, conseguindo estabelecer satisfatórias
relações sócio-familiares" (fls. 30/31).
Só nessa época, foram solicitadas informações ao Hospital Regional de Planaltina
- HRP sobre o tratamento ambulatorial e determinada a realização de exame
psiquiátrico no sentenciado (fl. 31-v).
O Diretor do HRP informou, em .........., que Divino estava sob tratamento desde
......... e tomava regularmente a medicamentação prescrita. Aduziu que o
tratamento em curso era o mais indicado e que na opinião médica não mais se
fazia necessária a vinculação de D. à Justiça do Distrito Federal.
Só no dia .......... o sentenciado foi submetido a exame psiquiátrico e os
peritos atestaram (fls. 35/36), que o periciando estava "lúcido, coerente, bem
orientado, humor preservado e discurso espontâneo, com conteúdo de pensamento
normal. Juízo e nível de crítica preservado no momento do exame".
Concluíram os médicos legistas:
"Trata-se de um periciando jovem que apresentou, num determinado momento de sua
vida, distúrbios do comportamento, ficando agitado, com discurso delirante
místico e de grandeza. Nível de crítica alterado e com distúrbios da
senso-percepção. Devido sua psicopatologia o periciando começou a apresentar
atitudes bizarras e sem sentido, história de internação em hospitais
particulares, com uso de medicações psicotrópicas, continuando o tratamento em
regime ambulatorial. Trata-se portanto de um indivíduo portador de Psicose
Esquizofrênica Paranóide. No momento encontra-se em período intercrítico ou com
um quadro de Esquizofrenia Residual, onde seus sintomas estão atenuados, podendo
o mesmo realizar suas atividades profissionais habituais e ser novamente
inserido em seu meio social. Permanece, no entanto, com núcleo patológico em sua
personalidade que poderá futuramente dar margem para novas crises onde terá
abolidas sua capacidade de entendimento e autodeterminação. CID 295.6"
(grifamos).
O fato é que, em ........., por todos os indicativos pertinentes, o sentenciado
já se achava em condições de ser definitivamente liberado da medida de
segurança, por cessação de periculosidade. E essa conclusão acabou sendo
confirmada, apesar de tardiamente, pelo retromencionado laudo.
Em razão dos vários percalços processuais, Divino que deveria ter saído do
controle da justiça penal em ........, permaneceu merecendo seus cuidados como
se criminalmente perigoso fosse.
Chegou a ser preso em .........., na ausência dos autos em cartório -
encontravam-se no IML para exame psiquiátrico - e internado no Hospital
..........., sob o argumento de "crise" sem que conste exame de comprovação do
surto ou de qualquer distúrbio dele conseqüente (fl. 45).
Em .............., o Centro de Assistência Judiciária requereu a desinternação
de Divino, em face do laudo psiquiátrico de ......... (fls. 48/49), pedido
deferido, em ............. (fl. 52-v), após manifestação favorável do Ministério
Público, em ......... (fls. 51/52).
Em .........., o interno retornou ao Núcleo de Custódia, procedente do Hospital
São ............. (fl. 54).
Em ............., foi decretada a desinternação condicional, pelo prazo de um
ano e novamente submetido a tratamento ambulatorial (fls. 58 a 62).
Mantido em regular tratamento ambulatorial, constatou-se em atestado médico de
fls. 79 e 80, datados de ............., que Divino é soropositivo p/ HIV DESDE
set/96 (SIDA grupo II) e suspeita de hepatite.
Em ............., por determinação desse juízo, os autos foram encaminhados ao
IML para a realização de exame psiquiátrico para determinar sobre a eventual
"cessação de periculosidade" (fls. 82/83).
Em ............., acompanhado por familiares, foi examinado, apresentando o
laudo de fls. 86/89 impressões tais como: "consciência psíquica lúcida", "bem
orientado com relação a si e ao espaço, e desorientado com relação ao tempo",
"juízo crítico e ético comprometidos" e "apragmático com relação ao futuro, não
tem planos de vida, a curto ou longo prazo". Diagnóstico: psicose crônica
associada ao uso de drogas. Conclusão:
"Trata-se de indivíduo portador de doença mental crônica, sem controle dos
sintomas no momento, embora encontre-se em acompanhamento ambulatorial.
Necessita de internação psiquiátrica, para que se submeta a tratamento adequado,
e posterior retorno ao ambulatório com acompanhamento da assistente social.
Somos de parecer de que não seja cessada sua periculosidade".
Percebe-se que, a partir de ..........., todos os cuidados relacionados com
Divino eram de fato e de direito inteiramente dispensáveis do ponto de vista
penal.
Só tardiamente é que se pugna por sua periculosidade. Que Divino necessita de
tratamento não há qualquer dúvida, mas daí a afirmar que aludido tratamento deva
se dar, em caráter de eternidade, pela via penal, é um despropósito que atenta
contra os mais comezinhos princípios do direito criminal.
Por outro lado, o sistema penal já tutelou Divino durante mais de seis anos e
não conseguiu nem conseguirá curá-lo. Que mais se pretende com ele, senão tornar
sua desgraçada vida, e as de seus familiares, ainda mais tormentosas?
Há o Judiciário de reagir contra a mesmice, pois, "dada a profunda distância
entre o normativo e a realidade fática, no tocante à execução da pena, em cuja
extensão, colocam-se também as medidas de segurança, o juiz precisa auscultar a
teleologia da norma, a fim de alcançar o melhor resultado. Individual e
socialmente considerado. Em verdade, os hospitais de custódia e tratamento
psiquiátrico, quando muito, forma uma ala no estabelecimento prisional de
segurança máxima." (RE nº 111.167 - DF, STJ, Sexta Turma, Relator o Ministro
Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ, seção, pág. 39414, de 25.08.97).
DOS PEDIDOS
Diante disso, entendendo este órgão que não mais subsiste razão para o exame do
pedido de internamento, por perda de objeto, requer a decretação da extinção da
medida de segurança imposta, determinando-se ao poder público a prestação de
assistência à saúde do liberado, não apenas em razão do problema mental mas
também por ser soropositivo p/HIV, na condição de egresso (LEP, arts. 10,
parágrafo único, 14, 25, 26 e 27).
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]