Habeas corpus contra condenação a cumprimento de pena em regime fechado.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
.........., Defensora Pública, inscrita na OAB/..... sob o nº ..........,
acreditada junto ao Núcleo das Casas Prisionais da Defensoria Pública do Estado
do ..............l, vem, perante Vossa Excelência, com fulcro no art. 5º, inciso
LXVIII e 105, I, C, da Carta Magna e artigos 647 e seguintes, no que forem
aplicáveis, do Código de Processo Penal, impetrar ordem de
HABEAS CORPUS
em favor de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., atualmente recolhido no Presídio
................., cumprindo pena de doze anos de reclusão em regime fechado,
eis que condenado na sanção prevista no art. 121,§ 2º, IV, do Estatuto
Repressivo Pátrio, contra ato programado da Egrégia Primeira Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Estado do ........., pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
DOS FATOS
O paciente fora agraciado com progressão de regime carcerário semi-aberto, vez
que o juízo de execução entendeu presentes os requisitos necessários ao usufruto
da benesse por atendida as condições prescritas no art. 112 da LEP. Consoante
instou o decisum que concedeu regime prisional mais brando ao paciente, trata-se
de recluso que implementou mais 1/6 de cumprimento de pena, bem como revela
comportamento disciplinar satisfatório e parecer favorável da Comissão Técnica
de Classificação, pelo que perfectibilizados os requisitos objetivos e
subjetivos.
Salientou, ademais, ilustre magistrado monocrático que, malgrado esteja a
conduta delituosa do reeducando inserta dentre as arroladas como hediondas,
conforme a dicção do § 1º, do art. 2º, da Lei 8.072/90, a qual dispõe acerca do
cumprimento de pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado, o
referido dispositivo representa inteligível afronta à garantia constitucional da
individualização da pena, insculpida no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal,
por desconsiderar a progressividade conatural ao regime de cumprimento de pena,
impedindo, ipso fato , a individualização da execução penal. De modo análogo, o
referido decisum contemplou a posição segundo a qual os dispositivos oriundos da
legislação especial superveniente, como o do art. 10 da Lei 9.034/95 (Lei do
Crime Organizado), bem assim do § 7º, do art. 1º, da Lei 9.455/97 (Lei da
Tortura, revogaram o § 1º, do art. 2º, da Lei 8.072/90, autorizando, por
conseguinte, a progressividade com fundamento no princípio isonômico.
Inconformado com a decisão deferitória da progressão de regime, o órgão
ministerial interpôs recurso de agravo em execução, almejando sua reforma.
Processado e julgado o recurso citado, a Colenda Câmara Criminal retrocitada
acolheu as razões constantes do recurso ministerial, determinado, portanto, o
cumprimento da pena cominada ao paciente em regime integralmente fechado,
calcando-se, para tanto, tão-somente em entendimento jurisprudencial a respeito.
Não houve interposição de recurso a este grau de jurisdição, conforme demonstra
certidão de trânsito em julgado que está coligada no presente writ.
Nesse diapasão, faz-se mister ressaltar que obstar o usufruto de regime mais
brando pelo paciente, infligindo-lhe único e inflexível regime carcerário,
envolve anular qualquer pretensão ressocializadora, a qual, como é sabido,
constitui o fim primacial orientador da execução penal.
Por essa razão, irresignado com o acórdão e com a impossibilidade de desfrutar
de regime mais ameno, o paciente postula, por lançar mão do remédio
constitucional, a cassação do venerando aresto, no tocante à vedação da
progressão de regime.
DO DIREITO
A decisão enfrentada obstou ao paciente o usufruto de regime mais brando, com
fulcro no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, determinando o cumprimento de pena em
regime integralmente fechado. Com efeito, Excelências, a exegese referida não
representa o melhor entendimento necessário ao deslinde da questão em comento,
senão vejamos.
Em verdade, verifica-se que o paciente fora condenado à pena de 12 anos,
relativamente à prática delituosa prescrita no art. 121, § 2º, IV, do Código
Penal. Contudo, consoante inteligivelmente atesta a sentença condenatória, bem
assim o venerando acórdão, que instruem o presente recurso, pode-se constatar
que foi estabelecido ao paciente tão-somente o regime fechado para cumprimento
da pena referida, o qual do confirmado mesmo após o julgamento do recurso de
apelação.
Sendo assim, evidente que, como é sabido e consabido, tendo transitado em
julgado a sentença condenatória, como, de fato, ocorreu in casu, a mesma dá azo
à produção de coisa julgada material e formal, inviabilizando, por conseguinte,
sua reforma, modificação. Nesse sentido, produzindo a decisão coisa julgada, por
certo que a mesma torna-se inalterável, constante do competindo à lei anular tal
garantia constitucional indisponível, constante do art. 5º, XXXVI, da
Constituição Federal. Ao assegurar a coisa julgada, o ordenamento jurídico visa
a proteger o valor jurídico da segurança, o qual requer, com relação ao imputado
ou condenado, " que não se possa sujeitá-lo novamente a outro processo penal
pelo mesmo fato e que não seja ele condenado em decorrência da mesma ocorrência
pela qual foi absolvido.1 " Por essa razão, a sentença que enseja coisa julgada
deve ser concebida como depositária da verdade em consonância com o brocardo
latino, o qual assevera que res judicata pro veritate habetur.
No que se refere à decisão que condenou o ora paciente, a mesma determinou o
cumprimento de pena em regime fechado, não fazendo sequer alusão ao dispositivo
constante da Lei dos Crimes Hediondos, o qual apregoa o cumprimento de pena em
regime integralmente fechado. Por esse motivo, urge proceder, in casu, exegese
mais favorável ao recluso, assegurando-lhe a progressividade. Com efeito,
verificada a omissão na sentença condenatória, devidamente corroborada em grau
de recurso, relativamente à determinação de regime integralmente fechado, bem
como constatada de referência quanto à regra insculpida na Lei de Crimes
Hediondos, em seu art. 2º,§ 1º, por óbvio que não se pode lançar mão de
interpretação mais gravosa ao recorrente e em contradição com o direito
fundamental cerceado.
Nesse diapasão, faz-se mister, impreterivelmente, conceder-se ao reeducando em
tela a possibilidade de postular progressão a regime carcerário mais brando,
contemplando-se, portanto, a interpretação supra-referida, a qual, com efeito,
encontra pleno assento jurisprudencial, consoante arestos infra, in verbis;
EMENTA: "PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO. CRIME HEDIONDO.
REGIME PRISIONAL. ALTERAÇÃO NA FASE DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Possibilitada
a progressão de regime prisional pela sentença condenatória transitada em
julgado, inviável faz-se a sua modificação na fase da execução, a fim de agravar
a situação do condenado sob pena de ofensa à coisa julgada. Precendentes. Ordem
de "Habeas Corpus" concedida, para assegurar a progressão de regime ao paciente.
(HC 132.567/SC, STJ, 5º Turma, Rel. Min. Édson Vidigal, j. 13.9.00)
EMENTA: "Inconformidade ministerial quanto ao decidir concessivo de progressão
de regime ao agravado. Sentença condenatória pela prática de crime hediondo
(estupro) a fixar ao recorrente o regime fechado para cumprimento de pena, na
forma do art. 33, parágrafo segundo, alínea "a", do Código Penal, silenciando
quanto ao art. 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/90. Omissão que deve ser
interpretada em favor do acusado. Ausência de recurso ministerial. Decisão que
faz coisa julgada material e formal. Assegurada ao preso, portanto, a
possibilidade de progressão de regime. Condenado que satisfaz os requisitos
legais para beneficiar-se da progressão de regime (cumprimento de 1/6 de pena e
parecer favorável da Comissão Técnica da Classificação). Negaram provimento.
Unânime". (Rag nº 698022548, TJRS, 1ª Câmara Criminal, Rel. Luiz Armando
Bertanha de Souza Leal)
Positivamente, a pretensão do ora paciente reveste de sustentáculo, porquanto o
mesmo implementou mais de ¼ de cumprimento de pena. Ademais, sobreleva gizar que
a postulação do recluso encontra amparo nos objetivos que devem orientar a
execução penal, visto que a progressão de regime carcerário constitui medida
destinada à humanização da pena, conforme se depreende claramente o ponto 45 da
Exposição de Motivos do Código Penal, o qual reza; "(...) A fim de humanizar a
pena privativa de liberdade adota o projeto o sistema progressivo de cumprimento
de pena de nova índole, mediante o qual poderá dar-se a substituição do regime a
que estiver sujeito o condenado, segundo seu próprio mérito. A partir do regime
fechado, fase mais severa do cumprimento de pena, possibilita o Projeto a
outorga progressiva de parcelas da liberdade suprimida." (grifei).
Por conseguinte, urge essa cassada o decisum combatido, tendo em vista que o
mesmo, afora representar exegese mais gravosa ao paciente, consoante
delinearmos, implica, igualmente, clarividente afronta à garantia constitucional
da coisa julgada.
DAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DO § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90
Merece reforma o decisum ora combatido, que vedou a progressividade ao paciente,
com fulcro no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, desconsiderando, por conseguinte,
a garantia constitucional constante no art. 5º, XLVI da Magna Carta, atinente à
individualização da pena.
Para atingir as finalidades da pena privativa de liberdade, a Constituição
inclui dentre os direitos fundamentais, o relativo a que a pena deve ser
individualizada, o que envolve afastar qualquer tentativa de tarifar a pena e
seu regime de cumprimento. De fato, a individualização adquire concreção
evidente, no momento da aplicação da pena abstrata ao caso in concreto, exigindo
do Juiz que sopese as circunstâncias judiciais, com o fim de aplicar a sanção
adequada, em qualidade e quantidade, à reprovação e prevenção do delito.
Contudo, o processo de individualização da pena não cessa com a cominação de uma
pena, em abstrato, ao condenado, consoante suas condições pessoais, mas
estende-se à execução, no momento de sua maior concreção. De fato, é na execução
penal que o condenado poderá, mediante a aferição de seu mérito, progredir a
etapa mais branda, cuja constatação está sujeita ao crivo judicial. Pedindo
vênia, a Defesa Pública transcreve excerto do voto do Min. Marco Aurélio, o qual
sintetiza o exposto acima: "Assentar-se, a esta altura, que a definição do
regime e modificações posteriores não estão compreendidas na individualização da
pena, é passo demasiadamente largo, implicando restringir garantia
constitucional em detrimento de todo um sistema e, o que é por, a transgressão a
princípios tão caros em um Estado democrático como são o da igualdade de todos
perante a lei, o da dignidade da pessoa humana e o da atuação do Estado sempre
voltada ao bem comum." (HC 73.193-7-GO, 2ª Turma, STF, Rel. Min. Marco Aurélio)
Portanto, ao legislador infraconstitucional foi conferida a faculdade de regular
a individualização da pena, e não a de extingui-la por completo, vinculando o
magistrado à aplicação do regime integralmente fechado, com base tão-somente na
gravidade do delito, ao invés de ponderar a culpabilidade como fundamento de
determinação da pena e de seu regime 2 . Por isso, pena individualizada é fixada
pelo Poder Judiciário com determinação da forma inicial de satisfação e
acompanhamento do processo, para saindo do regime original, aproximar o
reeducando da liberdade, gradativamente.
In casu, constata-se que foi determinado ao paciente tão-somente regime fechado
para cumprimento da pena privativa de liberdade. Contudo, mesmo lançado mão de
interpretação mais gravosa, entende-se, assim, que o cumprimento da pena
cominada ao paciente deva ser procedido em regime integralmente fechado, a
correta interpretação concernente a quem caiba o controle de constitucionalidade
da norma insculpida no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 completa, de forma
análoga, a progressividade. Com efeito, o dispositivo citado refere-se
essencialmente execução da pena; faz-se mister, pois, que o interpretemos em
cotejo com o ordenamento em que o mesmo está inserto, posto que, segundo a lição
acurada de NORBERTO BOBBIO, "não existem ordenamentos jurídicos porque há normas
jurídicas, mas existem normas jurídicas porque há ordenamentos distintos dos
ordenamentos não jurídicos." (Teoria do Ordenamento Jurídico. 7º ed. Brasília:
Unb. 1.982. p. 30). Dessa forma, almeja-se, no caso em tela, apontar qual a
norma de estrutura ou competência para a aplicação da regra constante do art.
2º, § 1º, da Lei 8.072/90.
Deveras, não resta dúvida de que, sendo jurisdicional a atividade do juiz de
execução, e não meramente administrativa, a ele incumbe proceder ao controle de
constitucionalidade ou de legalidade da lei na medida em que a lei
infraconstitucional lhe conferir tal competência. O art. 87, do CPP, o art. 33,
§ 3º, do CP e art. 59, II, do CP cometem ao juízo de conhecimento apenas a
fixação do regime inicial do cumprimento de pena. No tocante à execução, a regra
do art. 66, III, da LEP admoesta que ao "juízo de execução compete decidir
acerca da progressão ou regressão de regime". Como mais uma vez nos ensina
BOBBIO, "nem todas as normas produzidas pelas fontes autorizadas seriam normas
válidas, mas somente aquelas compatíveis com as outras... O direito não tolera
antinomias."
Por essa razão, não há harmonia entre as leis antes referidas que se destinam ao
juízo de conhecimento e com a regra mencionada permissiva da progressividade,
vez que a competência do juízo de conhecimento se exaure com a prolação da
sentença condenatória e com a determinação do regime inicial de cumprimento de
pena, dando ensejo a que o juízo de execução decida, na fase da individualização
executiva da pena, com respeito à aplicação ou não de qualquer lei ou incidente
dirigido a execução criminal, inclusive no que se refere à concessão de
progressão de regime. Essa posição tem sido corroborada em julgados, a exemplo
do aresto abaixo:
EMENTA: Agravo. Regime Fechado. Narcotráfico. Violação do dispositivo do art.
5º, inc. XLVI, da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1.988.
Negativa de concessão de progressão de regime carcerário, com base no art. 2º,
par. 1º da Lei nº 8.072/90, infringe dispositivo constitucional (art. 5º, inc.
XLVI, CF/88). Competência sobre decidir sobre progressão e regressão de regime.
Cabe ao Juiz da Execução, na forma do art. 66, inc. III, letra B, da Lei nº
7.210/84 - Lei de Execução Penal, a modificação de regime carcerário
estabelecido na sentença ou no acórdão, sem que, com isso, se esteja violando a
coisa julgada. Agravo Provido. (RAG nº 697171155, 2ª Câmara Criminal, TJRS, Rel.
Des. Delmar Hochheim)
De outra banda, não bastasse a flagrante inconstitucionalidade do § 1º do art.
2º da Lei 8.072/90, a Defesa Pública ressalta que o entendimento doutrinário e
jurisprudencial mais apurado tem constatado, ao enfrentar a matéria em pauta,
que o referido dispositivo encontra-se derrogado pelo art. 7º do Pacto
Internacional de Direitos civis e políticos, de que o nosso país é signatário e,
em especial, pelo § 7º do art. 1º da Lei 9.455/97 que trata acerca do crime de
tortura, conferindo, no entanto, ao incurso nessa figura típica, não obstante
tratar-se de crime equiparado aos hediondos, a possibilidade de progressão de
regime, o que, indubitavelmente, representa tratamento mais benigno à matéria em
exame. Por força do imperativo constitucional da retroatividade da lei mais
benigna e dada a disciplina jurídica unitária que a Constituição Federal e a Lei
8.072/90 dedicam aos delitos hediondos, bem como tendo em vista que não se pode
considerar o crime de tortura espécie menos gravosa que as demais figuras
insertas no art. 1º da referida Lei, vê-se que, com o fim de atender o princípio
da isonomia, estendido em sua latitude maior, o dispositivo da Lei da Tortura,
concernente à progressão, a todos os crimes hediondos é incondicional, já que
visa harmonizar o sistema de execução da pena às prerrogativas constitucionais
indisponíveis, propugnadas pelo Código Penal e pela LEP.
Em conformidade com o arg6uido acima, orientam-se os julgadores infratranscritos:
EMENTA: "É dogma fundamental em Direito Penal a incidência retroativa da lex
mitior, encontrando-se hoje entronizado em nossa Carta Magna, ao dispor que "a
lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (art. 5º, XL). Se a Lei
9.455/97 admitiu a progressão de regime prisional para crimes de tortura,
conferindo tratamento mais benigno à matéria regulada pela Lei 8.072/90, é de
vigor a sua incidência no processo de individualização da pena dos demais
delitos mencionados no art. 5º, XLIII, da Constituição, em face do tratamento
unitário que lhe conferiu o constituinte de 1988." (HC 8.266-MS, 6ª Turma, STJ,
Rel. Min. Vicente Leal, j. 02.03.99)
EMENTA: "Os crimes hediondos, por força de imperativo constitucional receberam
disciplina unitária, assim, a Lei 9.455/97, ao conceder restritivamente a
possibilidade da progressão de regime prisional ao crime de tortura, por ser
mais a favorável do que a norma prevista no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, deve
repercutir no todo, aplicando-se, inclusive, ao crime de tráfico entorpecente."
(AP. 97.03.035249-9-SP, 5ª Turma, 3º TRF, Rela. Desa. Ramza Tartuce).
EMENTA: "Execução. Regime Integralmente Fechado. Possibilidade de progressão.
Mudança face à Lei mais favorável. A Constituição que é posterior ao Código
penal, estabeleceu o princípio incondicional da retroatividade in mellius, ou
seja, a lei pena retroage, a despeito da coisa julgada, nas hipóteses de
abolitio criminis, da pena mais branda ou quando, por qualquer outro modo,
favorecer o acusado. No caso, a nova forma de cumprimento de pena, prevista para
os crimes de tortura, por ser mais benéfica, alterou semelhante dispositivo da
Lei dos Crimes Hediondos através da isonomia. Pois é consabido que o ordenamento
jurídico constitui um sistema racional de normas e não suporta contradições
internas. Deste modo, não existe razão lógica a justificar a aplicação do regime
progressivo aos condenados por tortura e negar, ao mesmo tempo, igual sistema
prisional aos condenados por crimes hediondos ou de tráfico ilícito de
entorpecentes. Nem do ponto de vista da lesividade, nem sob o ângulo
político-criminal, há possibilidade de considerar-se a tortura um fato criminoso
menos grave em confronto com os crimes já referidos. (Agv. 699148797, 6ª Câmara
criminal, TJRS, Rel. Sylvio Baptista Neto, j. 06.05.99).
Por fim, a Defesa Pública ressalta a necessidade de conferir à análise em tela
um juízo de razoabilidade, segundo o princípio constitucional da
proporcionalidade devidamente acolhido pelo nosso ordenamento jurídico. De fato,
a característica mais marcante desse princípio volta-se para a fixação de
parâmetros para a atividade legislativa em matéria penal, de modo a sujeitá-la
de forma inarredável ao rol de garantias individuais mundialmente aceitas,
conforme a verificação da adequabilidade ou não de dispositivo específico aos
postulados do estado de Direito. De fato, aos Tribunais, de acordo com a
proporcionalidade, cabe adequar a manifestação legislativa aos limites
depositados nas Constituições dos Estados de Direito.
Por essa razão, urge conceder a progressão de regime prisional ao paciente, não
apenas porque o mesmo implementa a condição objetiva, mas, sobretudo, em virtude
de que, consoante o princípio da proporcionalidade, "os juízes, atentos à
realidade social, preocupados com o cumprimento de normas constitucionais e
comprometidos com as liberdades públicas, não devem concorrer para a consumação
de casos de teratologia legal decorrentes da aplicação da Lei dos Crimes
hediondos" 3 que tornam o referido diploma de nenhuma viabilidade concreta e de
absoluta inaplicabilidade, sob o cômodo pretexto de que, como neutros executores
do conjunto de leis vigentes, só lhes compete aplicá-la, pois a sua revogação ou
substituição são tarefas afetas ao legislador.
Ao se ponderar quanto à definição do regime e de sua forma de cumprimento,
deve-se ter em conta que a possibilidade de progredir a regime mais brando
integra a identidade moral do recluso, repercutindo, similarmente, para a
manutenção de boa disciplina carcerária, já que o mesmo pode, com tal objetivo,
vislumbrar a oportunidade de usufruir de maior liberdade. De fato, a posição de
Alberto Silva Franco e outros transparece o afirmado acima:
"Um sistema não progressivo, mas uniforme de cumprimento de pena, significa
subordinar o condenado a uma pena desumana, cruel, porque inviabiliza um
atendimento prisional racional: deixa o recluso sem esperanças de obter a
liberdade antes do termo final do tempo de condenação, não exerce sobre ele
nenhuma influência positiva no sentido de sua reinserção social e desampara a
própria sociedade na medida em que devolve o preso à vida societária, após um
processo de reinserção às avessas, ou seja, a uma dessocialização." (Código
Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, v. 1, 6 ed. P. 504)
Dessa forma, faz-se necessário preparar o preso par a vida em liberdade,
fazendo-o através de sua gradual integração social, por possibilitar-lhe a
conquista de maior liberdade, quando fornecer sinais indeléveis de modificação
em seu comportamento, não lhe devolvendo, abruptamente, à sociedade sem
quaisquer amenizações. In casu, constata-se que o paciente demonstra estar
plenamente apto a se reinserir na sociedade, porquanto demonstra sincero
interesse em preparar-se profissionalmente par ao futuro, bem como em obter
atividade laboral, ao passo evidencia atitude de colaboração e prestatividade
com relação a outros reclusos e àqueles que detêm sua custódia. Sendo assim,
observa-se plenamente que a concessão de regime mais ameno ao paciente não
constitui medida desarrazoada, vez que o mesmo, afora os argumentos esgrimidos
acima, transparece suporte familiar, assim como comportamento disciplinar
compatível e adequado à liberdade a que aspira.
Nesse sentido, é válido lembrar que inexiste reeducação sem a esperança de
recompensa pelo esforço pessoal em prol da ressocialização. De fato, o Direito
comparado evidencia que o Direito penal moderno deve conciliar a noção de
garantismo à de Direito Penal mínimo, segundo a qual o direito do indivíduo,
inclusive os de delinqüente, devem ser garantidos e harmonizados com a tarefa
antagônica de promover os interesses sociais. Com efeito, "a sociedade tem de
proteger seus interesses mais importantes, recorrendo à pena, se necessária: o
preso, no entanto, tem o direito a ser tratado como pessoa e a não permanecer
definitivamente apartado da sociedade, sem esperança de reintegrar-se à mesma."
(JEREZ, Derecho penal y control social, 1985, p. 124).
Diante dos argumentos supra-esposados, exsurge a necessidade de reformar a
decisão combatida, por permitir ao paciente o usufruto de progressão de regime,
atendidos os requisitos objetivos e subjetivos, vez que essa constitui medida
essencial em prol de sua reinserção social, sendo imperativa, pelos motivos
delineados, mesmo em se tratando de crime hediondo.
DOS PEDIDOS
Pelo exposto, estando o paciente a sofrer flagrante constrangimento de direitos
assegurados na Carta Magna, requer a impetrante a concessão liminar de ordem de
habeas corpus, com o fito de ser cassado o venerando decisum do tribunal a quo,
no que se refere ao cumprimento da pena, por lhe proporcionar o usufruto de
regime prisional mais brando, como ato reparatório do constrangimento já
causado, bem como por constituir tal decisão a que mais se coaduna com os fins e
princípios colimados pela execução penal.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]