HABEAS CORPUS - PRISÃO cautelar decretada - POLICIAL militar - INFRAÇÃO -
FURTO QUALIFICADO - ATO ILÍCITO - CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA - CÓDIGO
MILITAR
EXMO. SR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO ....
.... (qualificação), advogado inscrito na OAB/.... sob o nº ...., ....
(qualificação), advogado inscrito na OAB/.... sob o nº ...., ambos com
Escritório na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do .... e ....
(qualificação), advogada inscrita na OAB/.... sob o nº ...., com endereço
profissional na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do ...., vêm,
respeitosamente, impetrar
HABEAS CORPUS (COM PEDIDO DE LIMINAR)
em favor de .... (qualificação), portador da CI/RG nº ...., residente na Rua
.... nº ...., na Comarca de ...., Estado do ....; .... (qualificação), portador
da CI/RG nº ...., residente na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do
....; .... (qualificação), portador da CI/RG nº ...., residente na Rua .... nº
...., na Comarca de ...., Estado do ....; .... (qualificação), portador da CI/RG
nº ...., residente na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do ....; ....
(qualificação), portador da CI/RG nº ...., residente na Rua .... nº ...., na
Comarca de ...., Estado do ....; .... (qualificação), portador da CI/RG nº ....,
residente na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do ....; ....
(qualificação), portador da CI/RG nº ...., residente na Rua .... nº ...., na
Comarca de ...., Estado do ....; .... (qualificação), portador da CI/RG nº ....,
residente na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do ....; ....
(qualificação), portador da CI/RG nº ...., residente na Rua .... nº ...., na
Comarca de ...., Estado do ....; .... (qualificação), portador da CI/RG nº ....,
residente na Rua .... nº ...., na Comarca de ...., Estado do ...., eis que os
mesmos sofrem constrangimento ilegal em suas liberdades de locomoção por ato do
Colendo Conselho Permanente da Justiça Militar da Comarca de ....
A impetração se funda nos arts. 5º, LIV e LXVIII, 93, IX, da Constituição
Federal; e 466 e 467, "b", "c", "d" e "e", do Código de Processo Penal Militar.
I - NATUREZA DA CAUSA
1, Trata-se de habeas corpus impetrado contra ato ilegal e abusivo do
Conselho Permanente da Justiça Militar da Comarca de ...., que decretou em ....
de .... de .... a prisão preventiva de todos os pacientes.
A necessidade do provimento do writ reside, principalmente, no fato da medida
cautelar em questão não encontrar qualquer fundamentação apta a autorizar a
aludida custódia.
2. A prisão preventiva foi decretada nos autos da ação penal nº ..../...., em
trâmite perante a Vara da Auditoria Militar da Comarca de .... Nesse processo,
os pacientes estão sendo acusados, indistintamente, de terem supostamente
praticado, em data de .... de .... de ...., o crime de furto qualificado,
tipificando o Ministério Público a conduta nos arts. 240, §§ 4º e 6º, incs. I,
II e IV, c/c o art. 70, inc. II, alínea "g", "l" e "m", todos do Código Penal
Militar.
A inicial acusatória, em sua parte fática, está assim redigida:
"Na madrugada de .... de .... de ...., entre .... hrs. e .... hrs., na Rua
.... nº ...., na Comarca de ..../...., no estabelecimento comercial denominado
'....', os ora denunciados (...), todos, Policiais Militares em serviço,
conjugando esforços, um aderindo à vontade do outro, todos cientes da ilicitude
e reprovabilidade de suas condutas e, ainda, agindo no exercício de suas
funções, com violação de dever inerente ao cargo, após entrarem em conluio com
os civis .... e o adolescente conhecido como '....' para que estes arrombassem a
porta de aço da referida loja, ao ser acionado o alarme da loja, e solicitando o
apoio das autoridades policiais, os citados denunciados se dirigiram à '....',
ocasião em que subtraíram para si os seguintes objetos: (...), avaliados
indiretamente no valor de R$: ....
Ocasião em que, os denunciados utilizando-se de viaturas da PM...., retiraram
'res furtiva' do local. Em seguida, os denunciados, de forma fraudulenta, agiram
como se estivessem a atender o caso de arrombamento e furto ao mencionado
estabelecimento comercial, noticiando, via rádio, que este teria sido praticado
por .... motoristas de táxi não identificados."
(Fls. ..../.... do doc. ....).
II - DA COAÇÃO
3. A coação imposta aos pacientes resulta em deliberação do Conselho
Permanente da Justiça Militar, que por unanimidade decretou a prisão preventiva
dos mesmos.
A medida excepcional merece cuidadosa leitura. In verbis:
"O pedido foi colocado em apreciação ao Conselho Permanente da Justiça
Militar, quando, de forma unânime, o Conselho propugnou pela procedência do
pedido da Dra. Promotora, com a decretação da custódia preventiva de dez réus a
exceção de um, o réu ...., o único que não foi excluído por não ter participado
de forma direta do crime noticiado.
(...)
Já o artigo 255 do mesmo Diploma, dá os casos de decretação, ou seja: a)
garantia da ordem pública; b) conveniência da instrução criminal; c) ...; d)
segurança da aplicação da lei penal militar;
Na denúncia da Dra. Promotora de Justiça, restou evidenciado, (sic) que os
réus, todos policiais militares, em .... de .... de ...., entre .... e ....
horas, juntamente com dois civis, utilizando-se de .... viaturas da corporação,
subtrairam (sic) para sí (sic), todos os eletro-domésticos (sic) relacionados no
caderno e na denúncia. (...)
Os indícios contra os réus, no caderno, são veementes.
A prova material é pequena, mas envolve diretamente os réus, mesmo porque, a
prova testemunhal deixa à evidência que foram os réus, os autores do furto.
Após os fatos, todos os réus, com exceção de ...., foram excluídos da
corporação militar e encontram-se desempregados na Cidade de ....
A repercussão do presente crime foi muito grande dentro da polícia, tanto é
que houve imediato movimento para a exclusão de todos da corporação.
A ordem pública está ameaçada com a liberdade dos réus.
(...)
Os réus irão procurar de todas as formas inibir as testemunhas de
comparecerem em juízo para prestação de depoimentos e isto prejudicará
enormemente a instrução processual, por isso, entendeu o Conselho Permanente,
que a custódia é necessária.
A primariedade e a falta de antecedentes criminais não são óbices para a
decretação de prisão preventiva, sendo ela necessária.
Portanto, pelo exposto e pelo que mais do caderno consta, decide o Conselho
Permanente de Justiça Militar, à unanimidade, em decretar a custódia preventiva
dos réus ...., ...., ...., ...., ...., ...., ...., ...., .... e ....,
qualificados nos autos, com base nos artigos mencionados, para a garantia da
ordem pública, bem como para aplicação da lei penal militar, além da preservação
da instrução processual.
(...)
Deixa o Conselho Permanente de decretar a custódia do réu ...., ante a
evidência de que não participou diretamente do furto denunciado, mas no caso de
nova prova, a medida será tomada.
(Fls. ..../.... do doc. ....)
4. Verifica-se pela leitura que a decretação da prisão preventiva se
fundamenta, a princípio, nos seguintes pontos:
a) garantia da ordem pública;
b) preservação da instrução criminal;
c) segurança da aplicação da lei penal militar;
d) estarem os pacientes desempregados.
III - ILEGALIDADE DA COAÇÃO
5. O decreto de prisão cautelar contra os pacientes é, data venia,
absolutamente intolerável. A decisão do Colendo Conselho Permanente da Justiça
Militar fere frontalmente o princípio da motivação das decisões judiciais,
elevado como preceito constitucional através do art. 93, inc. IX, da Carta
Magna, o qual estabelece:
"Art. 93. (...)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, ..."
Com efeito, a medida excepcional, nos termos em que sustentada pela
autoridade coatora, nega aplicação ao aludido dispositivo. Para a verificação
dessa circunstância, cabe a análise de cada um dos "fundamentos" utilizados na
decisão de fls. ..../.... (doc. ....).
A) GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA
6. A "base" utilizada para a invocação da garantia da ordem pública, a fim de
justificar a prisão dos pacientes, é extraída da seguinte passagem do decreto:
"A repercussão do presente crime foi muito grande dentro da polícia, tanto é
que houve imediato movimento para a exclusão de todos da corporação.
A ordem pública está ameaçada com a liberdade dos réus."
Esse argumento, data vênia absurdo, jamais ensejaria a adoção da medida
excepcional adotada para o caso. A simples repercussão do crime, invocada pela
autoridade coatora, não é elemento suficiente para a prisão preventiva. É
necessário mais, inclusive que se verifique em relação à pessoa acusada a
existência de personalidade voltada para o crime, sugerindo que aquela, se
livre, voltará a cometer delitos. Nesse aspecto importantes as lições de Julio
Fabbrini Mirabete:
"A simples repercussão do fato, porém, sem outras conseqüências, não se
constitui em motivo suficiente para a decretação da custódia, mas está ela
justificada se o acusado é dotado de periculosidade, na perseverança da prática
delituosa, ou quando denuncia na prática do crime perversão, malvadez, cupidez e
insensibilidade moral."
(Código de Processo Penal, Ed. Atlas, São Paulo, 1994, p. 377).
7. Por outro lado cumpre atentar para o fato de que, conforme admite a
própria autoridade coatora, a alegada repercussão teria se limitado apenas à
corporação militar. A comoção social não pode estar vinculada tão só a um grupo
de pessoas ou classe funcional. É necessário que aquela se verifique na
sociedade em geral, o que não é verificado na espécie.
8. A última observação que resta ser feita concerne à extemporaneidade da
prisão. Com efeito, denota-se que o fato pelo qual os pacientes estão sendo
processados ocorreu há mais de .... ano. Assim, a alegação de se preservar a
ordem pública somente se justificaria, ad argumentandum tantum, logo após a
ocorrência do delito; passados mais de .... meses desde então, a medida
combatida revela-se, além de incabível, absolutamente intempestiva. Importante
julgado analisando esse aspecto foi proferido pela 6ª Turma do Egrégio Superior
Tribunal de Justiça, o qual merece leitura:
"PROCESSO PENAL. POLICIAL EM MISSÃO. ACUSADO DE HOMICÍDIO. HABEAS-CORPUS.
ORDEM PÚBLICA. CLAMOR PÚBLICO. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA DOIS MESES DEPOIS DO
FATO E SEM FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. INOPORTUNIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
I - O Paciente, em legítima defesa, acabou por assassinar um parente do
homicida que perseguia, em cumprimento à missão policial. O Ministério Público
pediu sua prisão cautelar por conveniência da ordem pública e da instrução
criminal. O juiz só dois meses depois do fato e algum tempo após o
interrogatório é que decretou a prisão: clamor público e restauração da
confiança da comunidade na Justiça. Ora, não faz sentido, tempos depois do fato,
decretar a prisão de alguém em holocausto ao clamor público e à restauração do
prestígio da Justiça. O decreto prisional se mostra concretamente
desfundamentado e inoportuno.
II - Ordem concedida."
(STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU 31.10.94, p. 29.521. Precedente
citado por Alfredo de O. Garcindo Filho. Jurisprudência criminal do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, 2ª ed. rev. ampl., Ed. do
Autor, Curitiba, p. 226).
B) PRESERVAÇÃO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL
9. O decreto de prisão preventiva contra os pacientes invoca a letra "b" do
art. 255 do Código de Processo Penal Militar, que dispõe sobre o cabimento da
prisão cautelar face a "conveniência da instrução criminal".
O trecho lançado na decisão do Conselho Permanente da Justiça Militar que
"justifica" esse fundamento está consubstanciado em apenas um único parágrafo, a
saber:
"Os réus irão procurar de todas as formas inibir as testemunhas de
comparecerem em juízo para prestação de depoimentos e isto prejudicará
enormemente a instrução processual, por isso, entendeu o Conselho Permanente,
que a custódia é necessária."
É evidente a carência de fundamentação. A autoridade coatora, partindo de uma
englobalização quanto aos pacientes, invoca a letra fria do citado dispositivo
legal e, em manifesto poder de adivinhação, lança desprovida previsão de que:
"Os réus irão procurar de todas as formas inibir as testemunhas de
comparecerem em juízo para prestação de depoimentos."
10. A medida extrema necessita por parte do Magistrado a indicação dos fatos
concretos que a justifiquem, não valendo a mera invocação do texto legal. Nossos
Tribunais têm sido incisivos quanto a essa necessidade. Com razão, temos os
seguintes precedentes oriundos do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça:
"Prisão preventiva. Fundamentação deficiente. Nulidade. Nulo é o decreto de
prisão preventiva em que o juiz indica abstratamente as causas legais da medida
constritiva, sem o registro das situações concretas que motivem suficientemente
a sua adoção. Recurso de habeas corpus a que se dá provimento."
(STF, 1ª T., RHC nº 63.339-1 (PR), Rel. Min. Rafael Mayer, em RT 603/441).
"RHC - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PROCESSUAL - FUNDAMENTAÇÃO - A prisão
processual deve ser fundamentada. Significa indicar o fato. Insuficiente apenas
a indicação da norma, de que é exemplo, da decisão restringir-se a mencionar que
o acusado não preenche os requisitos do art. 408, § 2º, Código de Processo
Penal. O combate à violência encontra adesão da sociedade. Urge, entretanto,
acatar o sistema jurídico democrático e as penosas e lentas conquistas dos
Direitos Humanos."
(STJ, 6ª T., Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 04.04.94, p. 6.695.
Precedente citado por Alfredo de O. Garcindo Filho, Jurisprudência criminal do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, 2ª ed. rev. ampl.,
Ed. do Autor, Curitiba, p. 224).
"RECURSO DE HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - INEXISTÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO
- REVOGAÇÃO.
O decreto de prisão preventiva há que ser devidamente fundamentado, não sendo
suficiente a simples referência genérica aos pressupostos determinados no
dispositivo procedimental, bem como a circunstância do magistrado se limitar a
encampar manifestação da autoridade Requerente, que expresse mero pedido sem
demonstrar cabalmente a necessidade da medida.
Se omisso quanto às razões de ordem fática, pelas quais se pode inferir da
necessidade da medida externa, impõem-se a sua revogação."
(STJ, 5ª T., RHC nº 835 (PE), Rel. Min. Flaquer Scartezzini, RSTJ 27/78).
11. A autoridade coatora, conforme observado, não demonstrou, com base em
qualquer elemento fático, o fundamento para sua suposição de que todos os
pacientes iriam tentar inibir as testemunhas de comparecerem em Juízo.
Embora não tenha havido a necessária motivação pelo Conselho Permanente da
Polícia Militar, é preciso se fazer uma rápida análise da representação pela
prisão preventiva elaborada pelo Ministério Público às fls. ..../.... do doc.
.... Dessa manifestação, extrai-se às fls. .... que algumas testemunhas (fls.
.... e .... do inquérito - doc. ....) teriam sofrido pressões por parte de
alguns dos denunciados. A leitura das declarações dessas testemunhas é mais do
que suficiente para a comprovação da ilegalidade do ato combatido. Senão
vejamos:
a) fls. .... (fls. .... do inquérito): A testemunha ...., Soldado da PM,
disse que "apesar de não materializada, sente um clima de ameaça para com sua
pessoa. (!!!)".
b) fls. .... (fls. .... do inquérito): A testemunha ...., 3º Sargento da PM,
disse que, em .... do ano de ...., em comício na Cidade de ...., foi encarado
pelo paciente ...., o qual passou de carro posteriormente na frente de sua casa.
Em razão da sensibilidade de uma testemunha, e do fato de outra ter sido
encarada por um dos pacientes após um ano de suas declarações no inquérito, foi
decretada a prisão de todos os pacientes!
12. Esclarece-se, desde já, que a circunstância do paciente .... ter passado
na frente da casa da testemunha ...., deve-se a um fato muito simples. O
referido paciente, no dia do comício, prestava segurança ao candidato ....,
sendo que o evento realizou-se bem próximo à residência da citada testemunha.
Terminando o comício, o paciente retirou-se do local, passando, infelizmente,
por frente da casa de .... E nada mais!
Data vênia, a fragilidade desses fatos jamais poderia ter conduzido a ilustre
Promotora de Justiça a representar pela prisão preventiva de ...., muito menos
dos demais pacientes.
C) SEGURANÇA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL
13. Na parte final do decreto de prisão, extrai-se a seguinte passagem:
"..., decide o Conselho Permanente de Justiça Militar, à unanimidade, em
decretar a custódia preventiva dos réus (...), qualificados nos autos, com base
nos artigos mencionados, para a garantia da ordem pública, bem como da aplicação
da lei penal militar, além da preservação da instrução processual."
Embora seja invocada a letra "d" do art. 255 do Código de Processo Penal
Militar (prisão preventiva fundada na segurança da aplicação da lei penal
militar), nenhuma linha sequer consta do corpo da decisão quanto à esse aspecto.
Com efeito, lendo-se integralmente a decisão que culminou com o decreto de
prisão dos pacientes, não há nada que conduza à conclusão da necessidade da
medida extrema visando a garantia da aplicação da lei penal militar. A motivação
do ato combatido é dever da autoridade judiciária, sob pena de nulidade do
mesmo, como é o caso dos autos.
14. Em brilhante contribuição apresentada à VII Conferência Nacional da Ordem
dos Advogados do Brasil (Curitiba, 1978), .... suscitou a necessidade da
motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito.
Após as indicações históricas sobre o tema, a análise do problema da
justificação do dever de motivar e outras abordagens, o prestigiado jurista
trata do assunto à luz do sistema brasileiro para concluir que inexistia (na
época do trabalho) um texto constitucional expresso. E propõe as seguintes
conclusões, que merecem transcrição:
"1. A motivação das decisões judiciais, como expressão da 'justificação
formal' dos atos emanados do Poder a que compete, por excelência, a tutela da
ordem jurídica e dos direitos subjetivos, constitui garantia inerente ao Estado
de Direito;
2. O princípio de que as decisões judiciais devem ser motivadas aplica-se aos
pronunciamentos de natureza decisória emitidos por qualquer órgão do Poder
Judiciário, seja qual for o grau de jurisdição, sem exclusão dos que possuam
índole discricionária ou se fundem em juízos de valor livremente formulados;
3. É conveniente a inclusão, na Constituição da República, de dispositivo que
consagre em termos expressos o princípio da obrigatoriedade da motivação."
(A motivação das decisões judiciais como garantia inerente do Estado de
Direito, tese nº 25, aprovada por unanimidade de votos e publicada em Anais,
Curitiba, 1978, p. 569/583).
15. Em precedente que guarda identidade com a espécie, restou decidido que
não se pode fazer conjunturas de que o réu irá frustrar a aplicação de eventual
lei penal, devendo-se para tanto motivar substancialmente tal alegação. O
julgado em questão merece transcrição:
"A prisão preventiva deve ser convincentemente motivada. Não bastam, para
isso, meras conjunturas de que o acusado poderá evadir-se ou embaraçar a ação da
Justiça. Isso se impõe, sobretudo, quando o acusado se apresentou
espontaneamente às autoridades. A fundamentação deve ser substancial, com base
em fatos concretos, e não mero ato formal."
(STF, Pleno, RHC nº 53.133 (RN), Rel. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ 73/411).
Os pacientes em nenhum momento recusaram-se contribuir para o andamento do
inquérito policial militar. Foram devidamente inquiridos naquele processo,
jamais deixando de comparecer perante a autoridade quando intimados para tanto.
A invocação da prisão preventiva também nesse aspecto revela-se
despropositada e absolutamente desfundamentada.
16. Outro expressivo julgado que encontra enorme ressonância com o caso
destes autos, foi proferido por este Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, em
que foi Relator o eminente e culto Desembargador Clotário Portugal Neto. In
verbis:
"HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - DESPACHO DESMOTIVADO E SEM A NECESSÁRIA
FUNDAMENTAÇÃO - AUSÊNCIA DE RAZÕES SÉRIAS E OBJETIVAS A DEMONSTRAR A NECESSIDADE
OU CONVENIÊNCIA DA PRISÃO IMPOSTA - TRATA-SE O PACIENTE DE RÉU PRIMÁRIO, SEM
ANTECEDENTES CRIMINAIS, COM PROFISSÃO DEFINIDA E RESIDÊNCIA FIXA - ORDEM
CONCEDIDA."
(1ª C.Crim., HC nº 37.526-6, de Cascavel, acórdão nº 7.346, j. 22.12.94).
17. E para colocar uma "pá-de-cal" sobre a questão, é importante o conceito
de "assegurar a aplicação da lei penal". Discorrendo sobre o tema, Romeu Pires
de Campos Barros escreve:
"Assim, o perigo de fuga do indiciado ou acusado justifica a imposição da
cautela, evitando que se torne ilusória a condenação proferida no processo
principal. O perigo de fuga revela-se, quando o indiciado prepara-se para deixar
o seu domicílio, desfazendo-se dos bens imóveis, demonstrando o desejo de
empreender viagem ou revela a outrem esse seu propósito."
(Processo Penal Cautelar, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1982, p. 199).
Não há nos autos qualquer registro de que os pacientes estivessem se
preparando para fugir, ou se ausentarem furtivamente da Comarca de .... Possuem
os mesmos, conforme se verá logo adiante, residência fixa, família e trabalho
lícito. Não são andantes, nômades, muito menos marginais.
18. É exuberante a prova de que o decreto de prisão preventiva carece de
qualquer fundamentação. Analisando a questão sobre o prisma da cautela que se
deve ter ao decretar a medida extrema, Eduardo Espínola Filho ensina:
"Em relação à prisão preventiva, decretada numa ou noutra das três hipóteses
figuras no art. 313, maior é a responsabilidade do juiz no fundamentar a medida
que, já então, não é obrigatoriamente imposta pela lei, de forma compulsória;
sim deixada a critério do magistrado, com o dever de acautelar a segurança da
aplicação da lei penal, de atender a conveniência do normal desenvolvimento da
instrução criminal ou de prevenir as exigências da garantia da ordem pública.
Imperdoável ser-lhe-á o abuso e a arbitrariedade de submeter o réu ao vexame de
uma prisão preventiva, cuja legitimidade não seja demonstrada na decisão bem
fundamentada."
(Código de Processo Penal Brasileiro, V. I, p. 415, Citado na RT 696/392).
D) DOS PACIENTES
19. A decisão combatida elenca, por fim, um último argumento para justificar
o ato ilegal da prisão preventiva. Com efeito, o decreto da medida cautelar
extrema afirma que:
"Após os fatos, todos os réus, com exceção de ...., foram excluídos da
corporação militar e encontram-se desempregados nesta Cidade."
Data vênia, mesmo que tal hipótese fosse verdadeira, é de extremo rigor tal
fundamento.
20. Os pacientes, em razão de princípio constitucional (art. 5º, LVII), são
primários. Não possuem condenação transitada em julgado, muito menos sentença
nesse sentido. Aliás, o processo pelo qual deriva a prisão preventiva, está
apenas no seu início, não tendo inclusive havido interrogatório dos réus.
21. Conforme comprovam os documentos em anexo, todos os pacientes possuem
residência definida, são primários, alguns são casados e possuem filhos para
sustentar, e, ao contrário do que afirma o decreto de prisão, revelam estarem
empregados.
22. Nada, absolutamente nada justifica a manutenção da prisão preventiva
contra os pacientes. São eles pessoas de bem e merecem aguardar livres o
desenrolar do processo.
IV - PROVIDÊNCIA LIMINAR
23. Entre os mais destacados registros da história brasileira do Habeas
Corpus a concessão liminar, em novembro de 1964, em favor do ex-Governador de
Goiás, Mauro Borges, ameaçado de ser ilegalmente preso por ordem do governo
militar. O Ministro Gonçalves de Oliveira, concluindo que a liberdade do
paciente estava sob o risco de iminente perda não teve dúvida em determinar,
liminarmente, a suspensão das operações militares que estavam sitiando o
Governador do Estado (HC nº 41.296).
A prática forense dos últimos anos tem revelado que as medidas cautelares se
converteram em notável expressão de acesso ao Poder Judiciário e realização
pronta da Justiça material para situações que exigem, desde logo, um provimento
jurisdicional. Assim tem ocorrido também com o instituto do Habeas Corpus e com
maior razão do que sucede o Mandado de Segurança em face da hierarquia dos bens
protegidos por aquele remédio constitucional.
24. Em magnífica passagem, Alberto Silva Franco salienta que:
"Apesar da omissão do legislador, a doutrina processual penal, na linha das
manifestações pretorianas, tem dado acolhida à liminar no 'habeas corpus',
emprestando-lhe o caráter de providência cautelar."
(Medida liminar em Habeas Corpus, publicado em Revista Brasileira de Ciências
Criminais, Ed. RT, SP, 1992, número especial de lançamento, p. 72).
O referido texto menciona as opiniões, entre outros autores, de Ada
Pellegrini Grinover, acentuando que:
"De natureza cautelar é a concessão liminar do 'Habeas Corpus', que embora
não autorizada pela lei, se esboça em doutrina na esteira da concessão 'in
limine' do Mandado de Segurança."
(Alberto Silva Franco, op. cit., p. 73 e Ada Pellegrini Grinover, O processo
em sua unidade, ed. Forense, RJ, 1984, II/72).
No mesmo sentido, Tourinho Filho, destacando que:
"Uma das mais belas criações de nossa jurisprudência foi a da liminar em
pedido de 'Habeas Corpus', assegurando de maneira mais eficaz o direito de
liberdade."
(Processo Penal, Ed. Saraiva, SP, 1983, IV/451 - grifos do original).
25. A natureza jurídica do Habeas Corpus - como remédio constitucional da
liberdade - em comparação com o instituto afim, caracterizado pelo Mandado de
Segurança, permite a aplicação analógica do inciso II do art. 7º, previsto na
Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951, segundo admite o art. 3º, letra "e", do
Código de Processo Penal Militar. Com efeito, se para a preservação do
patrimônio e outros bens materiais o sistema positivo prove o Poder Judiciário
de um meio expedito de afirmação do Direito, como poderia o juiz ou o Tribunal
se omitir quando a ameaça ou o dano se dirigissem contra a liberdade que, depois
da vida, é o supremo bem do Homem?
26. Também acordando na admissibilidade da liminar em Habeas Corpus é a regra
inserida no § 2º do art. 654 do Código de Processo Penal, deferindo competência
aos juízes e tribunais para expedirem, de ofício, o writ quando no curso do
processo (abrangendo também + inquérito preliminar), verificarem que alguém
sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
27. Na espécie estão caracterizados, data vênia, os pressupostos essenciais
para o provimento jurisdicional imediato, nos termos da letra "b" no item
posterior.
28. Dessa forma, requer-se a concessão de medida liminar, face a existência
do periculum in mora e do fumus boni iuris, a fim de que os pacientes possam
aguardar em liberdade o julgamento do writ.
V - PEDIDO
29. Em face de todo o exposto, respeitosamente requer-se:
a) seja o habeas corpus distribuído a um dos eminentes Desembargadores deste
Tribunal;
b) seja concedida a liminar conforme os termos dispostos nos itens 23 a 29;
c) sejam solicitadas as informações de estilo;
d) seja colhido o parecer do Ministério Público;
e) seja dado provimento ao presente habeas corpus, para que os pacientes
aguardem em liberdade a instrução e julgamento do processo em trâmite contra si
perante a Vara da Auditoria Militar de .... (ação penal nº ..../....).
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
................
Advogado