FURTO - ALIMENTOS - Ausência de DANO MATERIAL para a VÍTIMA - PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA - PRIMARIEDADE - ABSOLVIÇÃO - ART 386 CPP V
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ..................... VARA
CRIMINAL DA COMARCA DE ..............
Proc. N. .........
Assist. Judiciária
....................... e outros, qualificados nos autos da Ação Penal que
lhes move a Justiça Pública, por intermédio de seu advogado, vem respeitosamente
à presença de Vossa Excelência apresentar ALEGAÇÕES FINAIS expondo e ao final
requerendo o que segue:
Os acusados estão sendo processados como incursos nas penas do art. 155,
parágrafo 4º, IV, do Código Penal, sob a alegação de que no dia .... de
......... de ..........., por volta das .... horas, no ......................,
de propriedade do Sr. ..................., teriam subtraído ...................
e ......................
Preliminarmente, a denúncia é inepta tendo em vista a divergência da data
narrada na peça acusatória e a dos fatos, a ponto de ensejar o embaraço aos
acusados do exercício constitucional do jus defensionis. Senão vejamos:
A vítima ..........................., declarou no inquérito policial (fls.
... e verso), que no dia .... de ............ de ........, decidiu registrar
ocorrência, sendo que logrou êxito na identificação de quatro rapazes apenas no
dia seguinte, ou seja, em .... de ....... de .......
Desse modo, a denúncia, ao narrar como data dos fatos o dia ... do mês de
............. de ......... e considerando-se inexistirem provas de que este
tenha ocorrido nessa data, a decretação da inépcia da peça acusatória e a
extinção do processo é medida de Justiça que se espera.
No mérito cabe analisar o caráter subsidiário do direito penal, mormente com
a criação dos Juizados Especial Criminais, verificando-se, que a tutela jurídica
visada por essa seara do direito, voltou-se principalmente à proteção dos bens
cujos valores são socialmente relevantes.
Com efeito, o direito penal moderno não deve mais servir como instrumento de
reprimendas a ações menores, de nenhuma importância social, de pequena ou
inexistente lesividade patrimonial, apenas porque a conduta, a priori, configura
fato típico e antijuridico.
Nesse contexto, verifica-se que a conduta dos acusados é absolutamente
atípica Apresenta-se apenas e tão somente como ilícito civil, merecedor único da
proteção jurisdicional reparadora e não repressiva como pretende a acusação.
Pacifico na doutrina e na jurisprudência, que o furto de pequeno valor
(impropriamente classificado como "crime de bagatela", pois, na rea1idade,
sequer apresentam-se como ilícito penal) não autoriza a incriminação e muito
menos qualquer reprimenda Nesse sentido:
"Principio da insignificância - Furto - Pequeno Valor da coisa furtada -
Atipicidade do fato ante a ausência da lesividade ou danosidade social - 'A lei
penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa
gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar
situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do
tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da
regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que
revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal' (TA CRIM-SP - AC
- Rel. Márcio Bártoli - RT 733/579)"
De minimus non curat praetor. Saliente-se que a ação penal em casos análogos
aos dos autos constitui-se despicienda de justa causa, e a aplicação da pena
representará, certamente, uma desproporcionalidade em relação à repercussão
social e à levisidade, máxime se for levado em conta o patrimônio da vítima.
Posto isso, diante da absolutamente atipicidade da conduta dos acusados, a
absolvição é medida que se impõe, nos termos do art. 386. III, do Código de
Processo Penal.
Não obstante, em face do princípio constitucional da ampla defesa, a conduta
dos agentes merece ser analisada sob o prisma da extrema necessidade aliada as
condições sociais e econômicas, consignando-se nesta oportunidade, a
juridicidade do fato.
Com efeito, a insuficiência de recurso dos acusados e a necessidade de
sustento restou provada pelas testemunhas ouvidas as fls. ..., incontestes no
que se refere ao fato de todos os agentes estarem desempregados, bem como pelo
estudo social de fls. ..........., no qual é acentuada exclusão social.
Oportuno salientar, que o estudo social merece ser analisado de conformidade
com as demais provas dos autos, observando-se que pela baixa instrução dos
acusados, escassez de recursos, exclusão social, a eles é perfeitamente cabível
a crença no "desejo de gravidez", sobretudo a .................., esposo de
............. e futuro pai.
Diante de tal situação, os acusados nao agiram com a intenção de
enriquecimento, senão por extrema necessidade, pois furtaram ............... e
................., que foram objeto de consumo por parte da testemunha
...................., grávida e desejosa de tais alimentos, comovendo-os diante
da situação fatídica e escassez de recursos financeiros para tal aquisição.
Para configurar-se o furto, de1ito patrimonial, mister se faz o desfalque
patrimonial da vítima com o acréscimo do agente, que in casu não ocorre, em
razão da natureza da res.
"Ninguém subtrai um quilo de carne para acrescentá-lo em seu patrimônio;
fá-lo, tão-só, para mitigar a fome, pois que apenas a isso se presta mercadoria
de tal natureza"
(TA CRIM - SP - AC - Rel. Canguçu de A1meida JUTACRIM 86/425).
"O conceito de famelicidade, nos dias de hoje, não pode ser apreciado com
muito rigor" (TACRBri - SP - AC - Rel. Adauto Suannes - JUTACRIM 78/416).
É o caso dos autos. Note-se, contudo, que o rigorismo de tratamento
dispensado pelo DD. Membro do Ministério Público aos acusados não tem razão de
ser. O fato deve ser analisado isoladamente, pois a função punitiva somente pode
ser aplicada àqueles que realmente cometem o ilícito.
Ademais, se do ilícito surge o poder estatal de repressão penal, não pode ser
olvidado, que aos acusados é assegurado o direito de não ser punido fora do
campo de sua atuação e além dos limites legais. Em suma, quod non est in actis
non est in mundo.
Posto isso, requerem a absolvição nos termos do art. 386, V do Código de
Processo Penal.
Por derradeiro, na remota hipótese de Vossa Excelência não acolher a figura
do furto famélico, o que se admite apenas para argumentar, a conduta dos
acusados merece ser analisada de acordo com o art. l55, parágrafo 2º c.c.
parágrafo 4º, IV, do Código Penal.
Os acusados são primários e de bons antecedentes. A res foi avaliados pelos
peritos em R$ ................., fls. .............. Verifica-se, assim a
presença das condições necessárias à figura privilegiada.
Presentes esses requisitos, a concessão do privilegium é direito subjetivo
dos acusados, consoante a garantia constitucional consagrada no art. 5º, XL, da
constituição Federal, que prescreve: "a lei não excluíra da apreciação do Poder
Judiciária lesão ou ameaça a direito". Nesse sentido:
"Furto - Concurso entre a forma qualificada e o privilégio do pequeno valor -
Prevalência da causa de diminuição de pena - Pela colocação do 'privilegium',
logo abaixo do furto simples e do furto noturno, seria lógico restringir sua
aplicação a ambas as modalidades. Entretanto, como a
presente faculdade legal é mais um instrumental de que dispõe o magistrado
para melhor individualizar a pena, tem-se decidido pela sua aplicação mesmo em
caso de furto qualificado, o que é justificável. Por outro lado, não seria
demasiado sustentar que, satisfeitos os requisitos da primariedade e do pequeno
valor, o benefício da especial mitigação da pena é automático. (STJ - 6a T.;
Rec. Esp. N.º 77.143-SP. Rel. Min. Adhemar Maciel; j. 23.04.1996; v.u.; ementa)"
(in Bol. AASP n.º 1995 - Ementário, pág. 24-e, 19 a 25. 03. 97).
Note-se, que a colocação da figura privilegiado após a forma simples, não
pode servir de óbice à concessão daque1a, sob pena de ser considerado o
posicionamento relacional mais importante do que a finalidade da norma.
Destarte, existem delitos na forma simples com maior gravidade que qualificados.
Em face do exposto, na remota hipótese de Vossa Excelência entender ser o
caso de condenação, a medida que se impõe é a concessão do furto qualificado
privilegiado.
N. Termos,
P. Deferimento.
..........., ...... de ...... de ........
.................
Advogado