Memoriais apresentados pelo Ministério Público, nos quais pugna-se pela pronúncia do réu.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO, representado por seu promotor de justiça, vam mui
respeitosamente ante Vossa Excelência, nos autos em que denunciou .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º
....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., pelo crime de homicídio,
apresentar
MEMORIAIS
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
O réu ............ foi denunciado como incurso na sanção do art. 121, § 2 º, IV
, combinado com o artigo 14, II, ambos do Código Penal, diante do cometimento do
seguinte fato, transcrito da denúncia:
"No dia ...... de ....... de ......, por volta das ........ horas, na ......, na
cidade de ...., comarca de ...., o denunciado ..., aproveitando-se do momento em
que a vítima, ........, dirigiu-se ao banheiro desacompanhada e agindo de
inopino, isto é, de surpresa, desferiu contra a mesma, com o revólver calibre 38
que portava, descrito no auto de exibição e de apreensão de fls. 09, um disparo
de arma de fogo. O denunciado somente não veio a causar a morte da vítima por
circunstâncias alheias a sua vontade, ou seja, porque o projétil de arma de fogo
não veio a atingir o seu órgão vital, mas sim a sua região toráxica, conforme
laudo a ser juntado aos autos posteriormente, e a vítima foi socorrida de
imediato e de maneira eficaz."
Ao ser interrogado perante a Autoridade Policial (fls. 07) o réu diz que durante
uma brincadeira, acabou acidentalmente atirando na vítima, que não pretendia
feri-la, pois a vítima é amiga sua, que após o disparo o réu assustado apontou a
arma para o segurança da lanchonete e para as demais pessoas ali presentes pois
temia a sua integridade. Ao sair jogou a arma num latão de lixo.
Às fls. 63/69 foram juntados o Prontuários Médicos que atestam o atendimento da
vítima, fornecidos pelo ...........
Regularmente citado o réu foi interrogado às fls. 37/38, apresentado defesa
prévia às fls. 41/42.
Às 57/58, 77/78,. 92, 99 e 110 ouviram-se testemunhas arroladas na denúncia. A
defesa arrolou testemunhas, ouvida às fls. 101, 132, 144 e 150.
Relatei.
DO DIREITO
Tendo-se em conta que as alegações estampadas no art. 406, "caput", CPP,
destinam-se unicamente a evidenciar os requisitos previstos no art. 408, "caput"
do mesmo diploma, capazes de formar o convencimento do Juízo no tocante à
materialidade do delito e indícios da autoria, com o fito de admitir o "jus
accusationis", o trabalho ministerial, nesta fase, não é análogo às alegações
finais atinentes ao rito ordinário, de forma que a concisão e a objetividade
devem imperar. Afinal, pelo rito soleníssimo, relativo ao Júri, as alegações
finais têm lugar em Plenário. Neste diapasão, deduzimos as referências
seguintes.
Acusa-se o réu ......... por homicídio tentado qualificado pela traição,
figurando ....... como vítima.
a - Materialidade
A MATERIALIDADE do delito resta comprovada diante os exames e laudos médicos
oriundos do Hospital ........, juntados em folhas 63 a 72, bem como do Laudo de
Lesões Corporais em folhas 115/116, em que as médicas legistas apontam os
ferimentos produzidos na vítima em razão da agressão sofrida.
"De acordo com o prontuário hospitalar do Hospital ....... de nº .........,
datado de ..... de ..... de ........, firmado pelo Dr. ........, tem o seguinte
diagnóstico: ferimento arma de fogo tóraco-abdominal esquerdo, esplenectomia,
frenorrafia."
Ainda em folhas 58/61 o Laudo de Exame de Arma de Fogo e de Munição comprova o
tipo e características da arma utilizada na prática delituosa, bem como sua
eficácia:
Revólver Marca "Taurus, fabricação brasileira, Número de Série Desbastado
(identificado posteriormente como .......), calibre nominal 38, cinco tiros.
"b) ... Submetida esta arma de fogo à prova de disparo foi observado o
funcionamento normal dos seus mecanismos..."
Foram identificados quatro cartuchos intactos e um deflagrado, de munição
própria para a arma descrita.
b - Autoria
A autoria do fato típico é clara, tendo-se em vista que o acusado, embora negue
o animus necandi, em seu interrogatório de folhas 37, afirma que o disparo saiu
de sua arma.
"que é segurança da lanchonete ........ e nos dias dos fatos estava na
lanchonete ....... com a vítima e resolveu fazer com ele uma brincadeira, quando
o revolver disparou acidentalmente..."
Não bastasse a confissão, temos várias testemunhas dos fatos narrados:
O Policial Militar Cenilton Ferreira de Paula em folhas 52 afirma:
" ...que ouviu o disparo e dirigiu-se ao local juntamente com seu colega e viram
quando o acusado saía de costas do estabelecimento empunhando uma arma; ... que
o acusado, a princípio, negou a autoria dos fatos, vindo a admitir
posteriormente quando viu o número de testemunhas presentes; ... que no momento
da prisão o acusado não trazia a arma consigo embora tivesse um coldre em sua
cinta; que a arma foi localizada num latão de lixo no lava-car próximo da prisão
do acusado; ..."
Desta forma, tem-se por comprovada a AUTORIA e a MATERIALIDADE do homicídio
tentado.
Neste sentido, quanto à suficiência para a pronúncia, posicionam-se nossos
Tribunais:
"Para o decreto de pronúncia basta a prova material do fato e indícios
suficientes de autoria, pois que a esta fase não se ajusta o princípio da
valoração absoluta da prova. A impronúncia só é possível se o juiz se convencer
da inexistência do delito ou de indícios de autoria. Ainda que haja dupla versão
acerca dos fatos, tal questionamento é remetido ao Tribunal do Júri, pois que
nesta fase prevalece o princípio do in dubio pro societate. Recurso conhecido e
improvido. (TJ/SC - Rec. Criminal n. 9.525 - Comarca de Joaçaba - Ac. unân. -
1a. Câm. Crim. - Rel: Des. Cláudio Marques - Fonte: DJSC, 22.03.94, pág. 11)
Bonijuris 19071-Verbete PRONÚNCIA - Manutenção - Prova material do fato -
Indício de AUTORIA - HOMICÍDIO tentado - Configuração - Princípio do in dubio
pro societate - Remessa do processo ao TRIBUNAL DO JÚRI. Relator Cláudio Marques
- Tribunal TJ/SC;
"Demonstrada a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios
suficientes quanto à autoria, tanto basta para confirmar-se a sentença de
pronúncia, despicienda a caracterização de prova plena, eis que não se cuida de
decisão definitiva. Recurso a que se nega provimento. (TJ/PR - Rec. em Sentido
Estrito n. 0022431-9 - Comarca de Terra Roxa - Ac. 5441 - unân. - 1a. Câm. Crim.
- Rel: Des. Freitas Oliveira - j. em 08.10.92 - Fonte: DJPR, 24.11.92, pág. 26).
No tocante à presença da CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA da traição, esta deve ser
levada à apreciação do Conselho de Sentença no Egrégio Tribunal do Júri desta
Comarca, porque não foi afastada extreme de dúvidas. Muito pelo contrário, a
forma em que os fatos aconteceram demonstram que a vítima não aguardava a
agressão que sofreu por parte do acusado.
........., que trabalhava na lanchonete no momento do ocorrido relatou em folhas
53:
"que não ouviu discussão entre o acusado e a vítima antes do tiro; ...que o
acusado e a vítima antes do fato estavam bebendo juntos e pareciam ser amigos;
..."
Em seu depoimento de folhas 77 a vítima informa:
"... o acusado estava junto com o primo da vítima, ofereceu-lhe um copo de
cerveja; ... que após isto a vítima dirigiu-se ao banheiro nos fundos do
estabelecimento e quando estava saindo o acusado que fora atrás dele, apontou a
arma na lateral de seu tórax e efetuou um disparo; que o informante não é amigo
do réu e este é apenas seu conhecido; que acusado e vítima não tiveram nenhuma
desavença anterior nem houve discussão antes do fato; QUE O ACUSADO SIMPLESMENTE
DISPAROU CONTRA A VÍTIMA... que pela atitude do réu não era possível presumir
que se tratasse de uma brincadeira e o informante nem tinha visto que o acusado
portava uma arma..."
Diante os fatos expostos, percebe-se claramente que o delito de homicídio em sua
forma tentada ocorreu à traição, visto que ambos, vítima e algoz, estavam
bebendo juntos, normalmente, sem que tenha havido razão que levasse a vítima a
crer numa eventual agressão.
Ainda o informante Laércio Biscaia de Andrade, em folhas 92, assevera:
"... que todos os presentes inclusive acusado e vítima eram amigos. ...Que a
testemunha o acusado e a vítima estavam de pé junto ao balcão; que no local
haviam mais de oitenta pessoas... "
Trazemos o escólio de Julio Fabrini Mirabete sobre a inclusão de qualificadoras
na pronúncia:
"As qualificadoras, porém, só podem ser excluídas quando manifestamente
improcedentes, sem qualquer apoio nos autos, vigorando também quanto a elas o
princípio 'in dubio pro societate'."
Não é outra a posição de nossa Jurisprudência:
"Na dúvida da configuração da qualificadora, incluída na denúncia, deve ela ser
mantida em decisão de pronúncia" (grifamos). No mesmo sentido, TJSP: RT 424/357,
647/271, 724/637; TJSC: RT 644/312.
"As qualificadoras mencionadas na denúncia só devem ser excluídas da pronúncia
quando manifestamente improcedentes e de todo descabias. Ao Júri, em sua
soberania, é que compete apreciá-las, com melhores dados, em face da amplitude
da acusação e da defesa" (grifamos). No mesmo sentido, TJSP: RT 572/318,
577/348, 724/645, 733/560.
Quanto à alegação do acusado, de que teria sido uma "brincadeira", e de que o
tiro teria sido "acidental", tal assertiva é no mínimo ingênua, vez que o
próprio réu, em seu interrogatório afirma:
(respondeu que) "é segurança da .......... que portava a arma porque é segurança
e tem receio de andar desarmado;..." (fls. 37)
Portanto, diante da primeira sentença proferida pelo réu em juízo notamos que a
alegação de que tudo não passou de "brincadeira" cai por terra. Ora, é
inconcebível que um cidadão, que trabalha como segurança, e que tem como
ferramenta de trabalho um revólver, não saiba os risco implicados no porte e na
utilização desta arma, de modo a praticar a "brincadeira" consistente em apontar
uma arma carregada contra um conhecido numa lanchonete com vários clientes. E
pior, acionar o gatilho, disparando o projétil, para depois, escusar-se
infantilmente: "foi um acidente".
Tal afirmação é uma ofensa à inteligência de qualquer cidadão médio, é evidente
a intenção delituosa do agente e a presença do animus necandi.
Assim, pelo todo exposto anteriormente, não há como subtrair do Conselho de
Sentença do Egrégio Tribunal do Júri desta comarca a apreciação do FATO e de sua
CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA.
Assim, presentes todas as elementares e circunstâncias elencadas na denúncia,
consoante pede o "caput" do art. 408, CPP, havendo materialidade provada e
indícios suficientes de autoria recaindo sobre o réu.
Não há evidência de erro de tipo ou de proibição. Igualmente inexistem
excludentes de antijuridicidade ou de culpabilidade evidentes. Tais aspectos
impedem, portanto, eventual absolvição sumária.
DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto, pugna-se pela PRONÚNCIA do réu ......... como incurso
nas sanções do art. 121, § 2º, inciso IV combinado com art. 14, inciso II, ambos
do Código Penal, para que seja submetido a julgamento pelo E. Tribunal do Júri
desta Comarca, e ao final condenado nas penas cominadas neste artigo.
É a promoção.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]