Pedido de reconhecimento de nulidade de doação, ante à falta de reserva de bens para o sustento do doador.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
NULIDADE DE DOAÇÃO
em face de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de
fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Em .... de .... de ...., a Requerente, ...., efetuou, mediante escritura pública
(conforme certidão do Cartório Distrital da .... em anexo), a doação, com
reserva de usufruto vitalício para ela, outorgante-doadora, de seu único bem
imóvel em favor de .... (qualificação), nascida a .../.../..., neste ato
representada por seus pais, ...., Cédula de Identidade/RG nº .... e ...., Cédula
de Identidade/RG nº ...., ECF/MF em conjunto nº ...., residentes na Rua .... nº
...., nesta Capital.
A Requerente, outorgante doadora, pessoa humilde, simples, de pouca instrução e
idade avançada - atualmente com .... anos de idade - doou seu único bem imóvel
na expectativa e certeza de que os pais e responsáveis da outorgada donatária
assistissem-na em suas necessidades. O "animus donandi" da Requerente residiu,
única e exclusivamente, na boa-fé e na confiança que depositou nos Requeridos,
esperando destes, em contrapartida, a plena, total e contínua assistência às
necessidades mais elementares e, a mais premente de todas, a saúde.
O desejo de amparo, proteção, atenção e segurança - sentimento tão inquietante
na vida das pessoas e, especialmente, dos idosos -, explicam a excessiva
generosidade e liberalidade da Requerente no seu gesto de doação.
Na época em que procedeu à doação, a Requerente já se encontrava, à longa data -
período entre o mês de .... de .... a .... de .... - no asilo da Associação ....
e, atualmente, havido .... anos após a doação, encontra-se aos cuidados de outra
entidade filantrópica de assistência a idosos, a Associação ...., com endereço
na Rua .... nº ...., nesta Capital (conforme declarações em anexo).
Evidentemente, como se pode observar, a Requerente fez dos asilos sua
residência, não por mera liberalidade, mas por necessidade e uma das poucas
alternativas, senão única, de moradia, de um lar ou amparo.
O usufruto vitalício reservado à Requerente - que se reduz a uma pequena renda
mensal de R$ .... (....), valor do último depósito efetuado na data de
.../.../... (conforme extrato bancário em anexo), proveniente de aluguel do
imóvel doado - não tem sido suficiente para sua subsistência e, principalmente,
às despesas com saúde que, ultimamente, tem se agravado, obrigando a irmã da
Requerente, Sra. ...., viúva, a pagar pelos tratamentos geriátricos,
medicamentos, diária hospitalar, contribuições de hospedagem, como fazem prova
os recibos em anexo.
A partir do mês de .... de ...., isto é, nos últimos .... meses, quando a
Requerente solicitou por diversas vezes auxílio financeiro aos Requeridos para
tratamento médico e medicamentos, teve como resposta a indiferença, negligência
e a insolência.
É importante e oportuno observar, "data venia", a diferença existente entre a
condição econômica, social e cultural da Requerente e Requeridos. Estes são
possuidores de elevado padrão de vida, pois, o Sr. .... (qualificação) e sua
mulher Sra. .... é (qualificação), enquanto que a Requerente, conforme já
mencionado anteriormente, é pessoa idosa, pobre, de pouca instrução e amparada
por uma entidade de assistência a idosos.
Diante desse fato, não há a menor dúvida quanto a ingratidão dos Requeridos.
Detentores de uma privilegiada situação econômica não ministraram as
necessidades essenciais da Requerente, forçando-a a recorrer ao auxílio da irmã.
DO DIREITO
Excelentíssimo, há uma série de julgados e manifestações de doutrina sobre a
nulidade de doação universal dos bens "omnium bonorum". Não há, a esse respeito,
discrepância ou incoerência na doutrina e na jurisprudência. É nula, portanto, a
doação feita com infração ao art. 548 do Código Civil.
Em conforto a tal fato, o entendimento pretoriano já pacificou a nulidade de
doação sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador,
como no seguinte aresto:
"DOAÇÃO - DOAÇÃO DE TODOS OS BENS - AUSÊNCIA DE RESERVA DE RENDA - SUBSISTÊNCIA
DO DOADOR - NULIDADE DA DOAÇÃO - LEGITIMIDADE ATIVA - CÓDIGO CIVIL DE 1916. A
ação de nulidade de doação fundamentada no art. 1.175 do Código Civil pode ser
intentada em vida do doador, por seu descendente." (Sessão das Câmaras Civis
Reunidas do Tribunal de Justiça de São Paulo - Recurso de Revista nº 209.956 -,
in Jurisprudência Brasileira, vol. 53, pág. 269)
"A ação de nulidade de doação fundamentada no art. 548 do CC pode ser intentada
em vida do doador, por seu descendente.
Referido dispositivo determina ser nula a doação de todos os bens, sem reserva
de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador." (in obra citada,
pág. 270)
Sílvio Rodrigues, discorrendo sobre o objetivo da norma escreve:
"Tal regra tem o propósito de proteger o doador, não permitindo que, por sua
leviandade ou imprevidência, caia em penúria. Mas tem, por igual, o escopo
indireto de proteger a sociedade, evitando que o Estado se veja compelido a
prestar assistência a mais um desgraçado. A proibição da doação de todos os
bens, de resto tradicional em nosso direito, pode ser ilidida quando o doador se
reserva o usufruto dos mesmos ou parte deles, de modo que podendo sobreviver com
seus próprios rendimentos, não venha a se tornar um encargo para seus parentes
ou para o Estado." (in obra citada, pág. 271).
O preceito do art. 548 do CC visa a resguardar das conseqüências de generosidade
excessiva, que podem argüir fraqueza de ânimo. Por isso se estatui que a doação
sem reserva de usufruto ou renda suficiente para subsistência é nula.
Quanto aos interesses na propositura da ação de nulidade de doação feita com
violação do art. 548 do CC, o respeitável julgado acima alinha uma série de
julgados e manifestações de doutrina, onde diz:
"Cuida-se de nulidade de pleno direito e pode ser alegada por qualquer
interessado, inclusive pelo representante do Ministério Público". (RT 436/59)
(in obra citada, pág. 270)
Há ainda o entendimento de Agostinho Alvim, sobre os interessados na propositura
da ação de nulidade de doação para quem:
"O primeiro deles é o próprio doador, cujo interesse é presumido. Também haverá
legítimo interesse com relação àqueles que o teriam, mesmo no caso em que a
doação não fosse universal: herdeiros, credores, quando lesados. Tais pessoas,
se o caso for de doação universal, não pleitearão somente a redução, mas a
anulação total." (in obra citada, pág. 271)
DOS PEDIDOS
Em face do exposto, segundo o rito dos arts. 282 e seguintes do Código de
Processo Civil e com fundamento nos arts. 145, nº V, 146 "caput", 177 e 548 do
Código Civil, requer a V. Exa. se digne:
a) designar data para audiência de instrução e julgamento, na forma do art. 277
do Código de Processo Civil;
b) determinar a citação da outorgada donatária, na pessoa de seu representante
legal, seus pais, Sr. .... e Sra. ..., nos termos do art. 8º do CPC, no endereço
na Rua .... nº ...., nesta Capital;
c) julgar procedente a ação de nulidade de doação.
Protesta-se por todo gênero de provas em direito admitidos, depoimento pessoal,
sob pena de confesso, por provas testemunhais, pericial e documental.
Dá-se à causa o valor de R$ ......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]