INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
EXMOS. SRS. DRS. DES. DA ____________ CÂMARA CÍVEL.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ____________.
AC nº
Rel. Des.
____________ LTDA., qualificada nos autos da APELAÇÃO CÍVEL nº ____________,
originada dos autos dos processos nº ____________, ____________, ____________ e
____________, em que contende com ____________ E ____________, vem
respeitosamente a presença de V. Exª. suscitar incidente de UNIFORMIZAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA, com base no parágrafo único do art. 476 do CPC, de acordo com os
fundamentos adiante dispostos:
1. A Suscitante é cooperativa de crédito, constituída e regida de acordo com
a Lei nº 5.764 de 16/12/1971.
2. Posto seja considerada como instituição financeira, e esteja subordinada
ao controle e fiscalização do Conselho Monetário Nacional, sua natureza jurídica
é sui generis e difere, em muito, da natureza jurídica das demais instituições
financeiras.
3. Nos memoriais apresentados perante o juízo de origem, a cooperativa
descreveu de forma minuciosa a sua natureza jurídica, a que, para evitar a
repetição desnecessária, remete-se V. Exª.
4. E, considerando tal natureza, verifica-se que não podem tais sociedades
serem consideradas como fornecedoras, tendo em vista o conceito do art. 3º do
Código de Defesa do Consumidor.
5. As cooperativas não visam lucros, não atuam no mercado.
6. Somente têm autorização, conforme o Regulamento Anexo a Resolução nº 2.771
do Banco Central para emprestarem recursos a seus associados.
7. Os associados das cooperativas são seus "donos". Têm a faculdade de
interferirem diretamente nas decisões da empresa, votando nas assembléias gerais
e participando dos órgãos estatutários.
8. As operações entre associado e cooperativa são chamadas "atos
cooperativos".
9. No conceito da Lei nº 5.764/71, art. 79, "denominam-se atos cooperativos
os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e
pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos
sociais".
10. A cooperativa de crédito capta recursos de alguns associados,
remunerando-lhes em conformidade com as taxas praticadas no mercado.
11. Empresta esses recursos a outros associados, a taxas favorecidas,
compensando-se, somente, do custo de captação, dos custos administrativos e de
uma pequena margem que garanta sua liquidez e solvabilidade, a qual será
devolvida se efetivamente não for necessária.
12. Por não visarem lucro, por não serem sociedades de capital e sim de
pessoas, as cooperativas de crédito conseguem emprestar a taxas módicas, muito
inferiores àquelas praticadas no mercado financeiro.
13. Além disso, em existindo sobras, ou seja, a diferença havida entre o
custo projetado e custo realizado no ano, os associados recebem de volta, na
proporção das operações realizadas, o valor que lhes compete.
14. Nesse sentido tem entendido a doutrina, a respeito da aplicação do CDC às
associações sem fins lucrativos:
José Geraldo Brito Filomeno (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 5ª ed., ed. Forense Universitária, 1997,
p. 37/38), esclarece:
"Finalmente, um outro aspecto que deve ser levado em consideração diz
respeito a certa universalidades de direito ou mesmo de fato, como, por exemplo,
associações desportivas ou condomínios. Ou seja, indaga-se se elas poderiam ou
não ser consideradas como fornecedores de serviços, como os relativos aos
associados ou então aos condôminos (...).
Resta evidente que aqueles entes, despersonalizados ou não, não podem ser
considerados como fornecedores.
E isto porque, quer no que diz respeito às entidades associativas, quer no
que concerne aos condomínios em edificações, seu fim ou objetivo social é
deliberado pelos próprios interessados, em última análise, sejam representados
ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou então mediante participação
direta em assembléias gerais que, como se sabe, são os órgãos deliberativos
soberanos nas chamadas 'sociedades contingentes'.
Decorre daí, por conseguinte, que quem delibera sobre seus destinos são os
próprios interessados, não se podendo dizer que eventuais serviços prestados
pelos seus empregados, funcionários ou diretores, síndico e demais dirigentes
comunitários, sejam enquadráveis no rótulo 'fornecedores', conforme a
nomenclatura do Código de Defesa do Consumidor."
J. Franklin Alves Felipe, em sua obra Contratos Bancários em Juízo (ed.
Forense, 1999, p. 122 e 123), em capítulo específico a respeito das cooperativas
de crédito, também conclui pela inaplicabilidade do CDC:
"Dentre os tipos de cooperativas existem as de crédito que visam a facilitar
a prestação de serviços financeiros, especialmente empréstimos, a seus
associados. Podem utilizar-se das faculdades conferidas aos Bancos pela
legislação do sistema financeiro, desde que regularmente constituídas, inclusive
não se submetendo aos limites da Lei de Usura na cobrança de juros.
Seu funcionamento é simples. Os associados formam um capital e o
integralizam. Esse capital, posteriormente, é emprestado a outros associados,
que estejam necessitando de crédito. O numerário emprestado é pago à
Cooperativa, com taxa cobrada para cobrir as despesas de administração e
preservação do poder de compra da moeda.
O art. 192, inciso VIII, da Constituição Federal, faz referência ao
funcionamento das Cooperativas de Crédito e os requisitos para que possam ter
condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições
financeiras.
A Resolução nº 1.914, de 11.03.1992, divulga Regulamento que disciplina a
constituição e funcionamento das cooperativas de crédito.
Na Cooperativa de crédito, o usuário não é propriamente um consumidor, mas um
associado, donde, em linha de princípio, não haveria espaço para invocação das
normas do Código de Defesa do Consumidor."
15. Verifica-se, contudo, que a jurisprudência do E. TJRS ainda vacila com
relação à aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor aos atos praticados
entre cooperado e cooperativa.
16. Existe dúvida entre a aplicação do art. 79 e demais disposições da Lei nº
5.764/71 ou do Código de Defesa do Consumidor.
17. Vejam-se as ementas abaixo transcritas, cujas certidões encontram-se em
anexo:
COOPERATIVA. LEI Nº 5.764. MÚTUO COM O COOPERATIVADO. ACEITAÇÃO DAS REGRAS
INTERNAS DE SOBREVIVÊNCIA DA ENTIDADE, PELO COOPERATIVADO. NOVAÇÃO E
CONSOLIDAÇÃO DE DÍVIDAS. INEXISTÊNCIA DE PREENCHIMENTO ABUSIVO DO TÍTULO.
COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS. LEI Nº 8.906/94.
A Cooperativa é a representação societária de uma atividade econômica "sui
generis", de proveito comum e exclusivo de seus associados. As relações entre a
Cooperativa e cooperativado são ditadas pelo próprio cooperativado, que,
enquanto cooperativado, esta aderente as decisões de sua Cooperativa, dentro do
princípio que rege tal tipo de associação (inteligência do art. 38, "caput", da
Lei nº 5.764/71). O mútuo firmado entre a Cooperativa e o cooperativado, através
de nota promissória executada, é a expressão da novação constituída e que levou
para o seu bojo o que é comumente chamado de consolidação da dívida, ou seja, a
reunião em um só instrumento daquilo que representa o somatório dos valores dos
débitos do devedor para com o credor. Tal ato jurídico configura a "mens" do
art. 999, I, do CCB.
O fato de o índice referente aos juros moratórios ter sido preenchido por
máquina de escrever diferente da restante do preenchimento do título não muda
nada, porque o devedor não fez prova de abuso no pretenso preenchimento pelo
credor. Mas, se o emitente deixou em branco parte do título de crédito,
significa que autorizou que o mesmo fosse preenchido pelo portador do título,
obedecido o contratado e a norma legal vigente. Após o advento da Lei nº
8.906/94 (Estatuto da Advocacia), deixou de haver a compensação de honorários
por imposição judicial.
Recursos parcialmente providos.
(Apelação Cível nº 196125975, 7ª Câmara Cível do TARS, Ibirubá, Rel. Roberto
Expedito da Cunha Madrid. j. 04.12.1996).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ECONÔMICO. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA. LIMITAÇÃO DOS
JUROS PELO CMN. COMUTATIVIDADE. CAPITALIZAÇÃO. CLÁUSULA PENAL. COOPERATIVA DE
CRÉDITO. INAPLICABILIDADE DO CDC. A PRÁTICA DE JUROS ACIMA DA TAXA LEGAL ESTA
SUJEITA AOS LIMITES ESTIPULADOS PELO CMN, DEVENDO A ENTIDADE FINANCEIRA
COMPROVAR A RESPECTIVA AUTORIZAÇÃO. NAS RELAÇÕES ENTRE ASSOCIADO E COOPERATIVA
NÃO INCIDE O CDC, QUER PELAS DISPOSIÇÕES DO PRÓPRIO CÓDIGO, COMO PELA LEI N.
5764/71. ASSIM, A CLÁUSULA PENAL PACTUADA, EMBORA FIXADA EM 10% DO VALOR DO
DÉBITO, DEVE SER MANTIDA, SEM QUE SE POSSA REDUZI-LA CONFORME A DISPOSIÇÃO DO
ART. 52, PAR - 1, DO CDC. CAPITALIZAÇÃO ACORDADA E ATRAVÉS DE TÍTULO QUE A
AUTORIZA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA E RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. (9 FLS)
(Apelação Cível nº 599403789, 11ª Câmara Cível do TJRS, Santiago, Rel. Roque
Miguel Fank. j. 17.11.1999).
Referência Legislativa:
LF-8078 DE 1990 ART. 52 PAR - 1. LFF-5764 DE 1971.
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO FIXO. RENEGOCIAÇÃO. AÇÃO DE REVISÃO. CDC.
SENDO A RELAÇÃO DE CONSUMO TÍPICA, EM QUE A COOPERATIVA ATUOU COMO FORNECEDORA E
O MUTUÁRIO COMO CONSUMIDOR FINAL, INCIDE A LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. EXTENSÃO DA
REVISÃO. LIMITADA AO ÚLTIMO CONTRATO DE RENEGOCIAÇÃO, QUE OPEROU NOVAÇÃO EM
RELAÇÃO AO AJUSTADO ANTERIORMENTE. JUROS REMUNERATÓRIOS. PREVALÊNCIA DA TAXA
PACTUADA. DEPENDENDO O PAR - 3 DO ART. 192 DA CF DE REGULAMENTAÇÃO, CONFORME
DECIDIU O STF, E LEGAL A PACTUAÇÃO DA TAXA DE JUROS ACIMA DE 12% AO ANO. AS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO SE APLICA, NESSA PARTE, O DISPOSTO NO DECRETO N.
22626/33. PRECEDENTE DO STJ AUTORIZANDO COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL A PRATICAR
JUROS DE MERCADO. JUROS MORATÓRIOS. VALIDADE DA PREVISÃO CONTRATUAL DE SUA
COBRANÇA NA PERCENTAGEM DE 1% AO MÊS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. NÃO INCIDE, JÁ
QUE ADMITIDA A COBRANÇA DOS JUROS CONTRATADOS E DA CORREÇÃO MONETÁRIA. MULTA. EM
HAVENDO MORA, E PREVISTA NO CONTRATO, DEVE SER PAGA. CONTRATADO O EMPRÉSTIMO
APÓS A VIGÊNCIA DA LEI N. 9298/96, O PERCENTUAL DEVE SER DE 2%. VENCIMENTO
ANTECIPADO. NÃO CONHECIMENTO, POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. HONORÁRIOS.
COMPENSABILIDADE. SÃO COMPENSÁVEIS OS HONORÁRIOS. A LEI N. 8906/94 NÃO REVOGOU O
CPC, APENAS REGULOU A LEGITIMIDADE DO ADVOGADO PARA COBRAR A PARTE QUE LHE
SOBEJAR NA CONDENAÇÃO. PRECEDENTE DO STJ. SUCUMBÊNCIA. REDEFINIDA. APELAÇÕES DO
AUTOR DESPROVIDA E DA COOPERATIVA PROVIDA PARCIALMENTE, NA PARTE EM QUE
CONHECIDA.
(Apelação Cível nº 70000183715, 18ª Câmara Cível do TJRS, Passo Fundo, Rel.
Wilson Carlos Rodycz. j. 25.05.2000).
Referência Legislativa:
CF-192 PAR - 3 DE 1988. DF-22626 DE 1933. LF-9298 DE 1996.
COOPERATIVA DE CRÉDITO. EMBARGOS A EXECUÇÃO. AS COOPERATIVAS DE CRÉDITO
INTEGRAM O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, CONFORME PREVÊ A LEI 4595/64. REVISÃO DE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ABUSIVIDADE NA COBRANÇA DOS JUROS. APLICAÇÃO DO CODECON.
POSSIBILIDADE DA REVISÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS ANTE O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE
DO CONTRATO, PREVALENTE SOBRE O PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA, A FIM DE
ASSEGURAR A REAL CONCRETIZAÇÃO DOS CONCEITOS NORTEADORES DO EQUILÍBRIO DA
RELAÇÃO CONTRATUAL, COMO DA LIBERDADE E DA IGUALDADE ENTRE AS PARTES. CONTRATOS
FINDOS. PROVADA A CONTINUIDADE E UNIDADE CONTRATUAL, SEM ÂNIMO DE NOVAR, E
POSSÍVEL, EM PRINCÍPIO, A REVISÃO DOS CONTRATOS FINDOS. LIMITAÇÃO DOS JUROS.
RECONHECIDA A ABUSIVIDADE NA CLÁUSULA QUE ESTABELECE JUROS, EM VERDADEIRO
CONTRATO DE ADESÃO, E DE SER DECLARADA SUA NULIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 51,
IV, DO CDC E DE REGRAS LEGAIS SOBRE JUROS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. OS JUROS
DEVEM SER CAPITALIZADOS ANUALMENTE, DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 4 DO
DECRETO N. 22.626/33. CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. IGP-M. INVIABILIDADE DE SER
UTILIZADA A TR COMO INDEXADOR, SOB PENA DE DUPLA IMPUTAÇÃO DE JUROS AO CONTRATO.
IGP-M COMO ÍNDICE QUE MELHOR REFLETE A INFLAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. NULA E
A CLÁUSULA QUE PREVÊ O PAGAMENTO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, POR INFRINGIR O
ART. 115 DO CÓDIGO CIVIL, PODENDO SER DECLARADA DE OFÍCIO PELO JULGADOR. MULTA
CONTRATUAL. A COBRANÇA DE QUANTIAS INDEVIDAS, AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DA MORA.
APELAÇÃO PROVIDA.
(Apelação Cível nº 70000068460, 14ª Câmara Cível do TJRS, Santiago, Rel.
Henrique Osvaldo Poeta Roenick. j. 16.09.1999).
Referência Legislativa:
LF-8078 DE 1990, DF 22626 DE 1933, CC-115.
18. A questão da aplicação do CDC às operações realizadas pelas cooperativas
de crédito tem relevância para o deslinde do feito em tela, eis que constitui a
base do direito invocado pelo cooperado.
19. Ensina Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V,
7ª ed., 1998, ed. Forense, p. 9/11) que dois são os pressupostos para que se
admita o incidente de uniformização da jurisprudência: a) julgamento em curso;
b) divergência na interpretação do direito.
20. Com relação ao momento de suscitação do incidente pela parte,
manifesta-se o jurista, verbis:
"A 'petição avulsa' pode sobrevir a qualquer tempo, enquanto pendente o
recurso perante a turma, a câmara, o grupo ou a seção; o dispositivo, ao
permiti-la, atende a que a existência do dissídio jurisprudencial pode só vir a
configurar-se, ou chegar ao conhecimento da parte, depois que ela arrazoou."
(ob. cit., p. 17)
21. Tais pressupostos, à evidência, encontram-se presentes no caso em
questão.
Isto Posto, tendo em vista a existência de dissídio jurisprudencial entre
câmaras desse E. TJRS, suscita a cooperativa o incidente de uniformização da
jurisprudência, a se processar na forma dos arts. 476 e ss. do CPC.
N. Termos,
P. E. Deferimento.
____________, ___ de __________ de 20__.
P.P. ____________
OAB/