Contestação em ação de indenização interposta em face de erro em exame laboratorial feito pelo SUS.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº .....
A Fazenda Pública do Estado de ..........., por sua representante legal que a
presente subscreve, vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
nos autos do processo em epígrafe, apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de indenização interposta por ...., pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Pleiteia o autor a condenação da Fazenda do Estado ao pagamento de R$
....................) a título de indenização pelos danos morais que alega ter
sofrido, decorrentes da informação da suspeita de que era portador da Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida - Aids, conforme resultado de exame ...........
feito no Núcleo de Hematologia e Homoterapia do ERSA/23, divulgado ao autor em
......, sendo que, após a realização de um segundo exame, em ......, veio a
saber em ...... que a suspeita não se confirmara, o que teve certeza com a
realização de um terceiro exame - ......... - mais específico, que lhe foi
divulgado em ......
Assim, o autor culpa o Laboratório do Núcleo de Hematologia e Homoterapia do
ERSA/23 - ....... (Escritório Regional de Saúde, da Secretaria de Estado da
Saúde), pertencente ao Estado, em fornecer resultado inverídico, acusando-o de
erro na realização do primeiro exame ......, razão pela qual requer indenização
pelos danos morais sofridos em decorrência de tal fato.
Todavia, a Fazenda Pública do Estado de ........... é parte ilegítima para
figurar no pólo passivo da presente ação, nos termos do artigo 3º do Código de
Processo Civil, conforme será demonstrado.
O Núcleo de Hematologia e Homoterapia do Escritório Regional de Saúde de
........... analisou o sangue do autor através do teste ..........., a pedido do
ilustre médico que consultou o autor no Núcleo de Saúde do Jardim Redentor,
através do SUS, Sistema Único de Saúde, administrado pela Prefeitura Municipal
de ............
Conforme a literatura médica, o exame ........... (Enzyme Linked Immuno Sorbent
Assay) é um teste que detecta a presença de anticorpos contra o HIV. Por si só,
não pode ser visto como diagnóstico da doença. Trata-se de um teste de triagem
que apresenta grande sensibilidade, podendo portanto ocorrer resultados
falso-positivos, que levam à necessidade de utilizar testes complementares em
casos de resultados de ........... positivos.
Foi o que ocorreu no caso do autor, apresentando seu primeiro teste um resultado
falso-positivo. O resultado do exame ..........., por não ser conclusivo, só
levanta suspeitas da presença do vírus HIV no corpo da pessoa, fazendo-se
necessária a realização de um exame mais específico (Western Blot) para sua
confirmação. Portanto, sendo o teste ........... realizado de forma correta, não
há que se falar que houve erro do laboratório do ERSA/23, ou que o mesmo
forneceu resultado inverídico, como pretende o autor.
Neste sentido o parecer do Eminente Professor Doutor Ives Gandra da Silva
Martins, publicado na Revista dos Tribunais, n. 722, 1995, p. 112-121, sobre
caso muito semelhante, em que a paciente (que obteve um resultado falso-positivo
do teste ...........) declina em juízo pedido idêntico ao do autor:
"De qualquer forma, o teste, rigorosamente correto, apenas indicou, ao se
revelar positivo, uma das possibilidades de distorções orgânicas que segundo
Charles J. Schleupner M. D., estaria entre mais de uma dezena de infecções
possíveis..." "...O teste, portanto, não poderia ter provocado qualquer dano
moral, até porque absolutamente correto."
"Charles J. Schleupner in Principles and practice of infections disease,
escreve: "...para cada população testada, independente do risco de infecção
HIV-1, o número falso-positivo por mil testes será aproximadamente igual.
Contudo, em população de baixo risco (com poucos verdadeiramente positivos), o
número de falso-positivos será, em porcentagem, muito superior entre aqueles
resultados "positivos" do que para uma população de alto risco. Portanto, o
valor preditivo positivo (isto é, o valor daqueles verdadeiramente positivos)
para um teste de triagem em uma população de baixo risco pode ser apenas de 10%
(significando 90% de casos falso-positivos), ao passo que poderá ser da ordem
elevada de 97,3% em população de alto risco (portanto, com apenas 2,7% de
falso-positivos). Este fato ou resultado é previsível já que os testes de
triagem ........... foram desenvolvidos para ótima sensibilidade às custas de
menor especificidade", concluindo mais adiante que as reações falso-positivas
podem decorrer: a) anticorpos contra músculo liso, cédula parietal,
mitocondrial, nuclear, leucócitos e antígenos de células T; anti-HAV-IgM e
anti-HBc-IgM; b) anticorpos contra antígenos de leucócitos classe II (HLA-DRA,
Dqw3) presente em células H-9 (mais freqüentemente em gestantes multíparas,
pacientes politransfundidos); c) doença severa alcoólica de fígado, cirrose
biliar primária, colangite esclerosante; d) inativação pelo calor, reatividade
positiva à RPR do soro testado (apenas ........... do Abbott); e neoplasias
malignas hematológicas, linfoma; f) infecções agudas por vírus DNA, infecções
por HIV-2; g) transplantes renais, insuficiência renal crônica; h) síndrome de
Stevens-Johnson; i) anticorpos anti HIV-1 passivamente adquiridos (imunoglobina
anti-hepatite B)." (nota 5 de rodapé).
E prossegue mais adiante, fazendo menção ao médico que assistiu à paciente:
"...se por absurdo, estivesse convencido de que sua cliente estava condenada em
decorrência apenas do exame "...........", teria ele sido o responsável pelo
"dano moral", pois teria cometido erro médico inadmissível, qual seja:
considerar conclusivo um teste que não tem essa propriedade, gerando, por alguns
dias, "dano moral" à sua paciente, se é que houve."
Observa-se, que, ad argumentandum, se esta absurda hipótese tivesse ocorrido,
ainda assim a Fazenda do Estado seria parte ilegítima na presente ação, tendo em
vista que o atendimento médico não foi feito pelo Estado, e sim através do
Sistema Unificado de Saúde, administrado pela Prefeitura Municipal de
..........., conforme comprovado pelo documento constante de fls. dos autos, em
papel timbrado da Secretaria Municipal de Saúde, além do ofício GS/913, em que a
própria Secretaria Municipal de Saúde presta informações solicitadas quanto aos
fatos narrados na inicial, afirmando que os resultados de exames são divulgados
pelo médico, mediante consulta.
Assim, flagrante a ilegitimidade passiva da Fazenda Pública do Estado de
..........., visto que o respeitado laboratório realizou o teste corretamente,
devendo seu resultado ser interpretado conforme o quadro clínico do paciente,
ante a grande possibilidade de tal teste (........... - não conclusivo)
apresentar resultados falso-positivos, fazendo-se necessário exame mais
específico para a sua confirmação.
Ademais, os resultados dos exames são divulgados pelo médico, mediante consulta
(conforme ofício GS/913 da Secretaria Municipal de Saúde), sendo que os
resultados são entregues aos pacientes em envelope lacrado, não constando nele
resposta conclusiva: positiva ou negativo, apresentando apenas uma porcentagem a
ser analisada pelo médico, e sendo, por fim, tais resultados mantidos sob
sigilo, sob pena de infração à ética médica, razão pela qual não se pode acusar
o laboratório do ERSA/23 de qualquer conduta irregular, muito menos de causar
danos morais ao paciente, sendo a Fazenda do Estado parte ilegítima no presente
feito.
Para se compreender melhor os fatos, necessário saber que o resultado de
referido teste, conforme mencionado, não é simplesmente positivo ou negativo,
sendo necessária a combinação de seu resultado com a avaliação do quadro clínico
do paciente, para então verificar-se a necessidade de um exame mais apurado para
a detectação do vírus HIV.
A tarefa do Núcleo de Hematologia e Homoterapia do ERSA/23, foi apenas e
unicamente a de efetuar o exame solicitado, qual seja, o teste ............
Assim, qualquer laboratório, como no caso do Núcleo de Hematologia e Homoterapia
do ERSA/23, não é responsável pela análise dos resultados decorrentes do teste
..........., visto que tal resultado deve ser interpretado pelo médico, sendo
que por si só nada significa.
No mesmo sentido as explicações da Doutora Telma Cristina de Freitas, médica
responsável pelo Núcleo de Hematologia e Hemoterapia, que fez a análise do
sangue do autor, conforme documento anexo:
"Devido ao fato do exame ter a possibilidade de ser falso-positivo, nos
resultados são dados apenas os valores (absorbâncias e cut off) para que o
médico assistente possa orientar o paciente, bem como pedir exames
confirmatórios. Ressalte-se também que no primeiro exame, na observação consta
que foi realizado apenas um exame, o que por si só não diagnosticou nada."
Importante:: O ........... é teste de triagem com possibilidade de
falso-positivo. A interpretação do exame tem que ser feita à luz de quadro
clínico mais epidemiológico (fatores de risco) mais resultado. Há necessidade de
exames confirmatórios tipo Western Blot.
E prossegue:
"O cut off é o valor limite. Acima dele o exame é considerado positivo e abaixo
dele é negativo. Não colocamos o resultado e deixamos a interpretação para o
médico assistente devido ao fato de haver chance de falso-positivo, por reação
cruzada com outras viroses. No caso, como a amostra era insuficiente, foi
realizado na primeira vez apenas um exame. Seria importante o pedido de um
segundo exame se o paciente não apresentava quadro clínico compatível cerca de
30 dias após."
Além de todo o exposto, importante ressaltar que o laboratório acusado em nenhum
momento informou ao autor os resultados dos testes, entregando-lhe envelope
lacrado para ser entregue ao seu médico.
Mesmo que o autor tivesse aberto o envelope para verificar o resultado do exame,
nada entenderia, visto que apresenta apenas porcentagens, não explicando sua
interpretação (positivo ou negativo), que deve ser feita levando-se em
consideração o quadro clínico do paciente.
Assim, o laboratório do Estado, em nenhum momento, causou ao autor qualquer
espécie de dano, não tendo com ele sequer se comunicado diretamente sobre os
resultados dos exames.
Conclui-se, portanto, a inexistência de qualquer culpa por parte da equipe
responsável pelo Núcleo de Hematologia e Hemoterapia do ERSA/23. Não houve
negligência, imperícia ou omissão de sua parte. Ao contrário, foi diligente ao
ter o cuidado de fazer constar do resultado do 1º teste ...........
(falso-positivo) a observação de que foi realizado apenas um exame, por ser a
amostra insuficiente para repeti-lo.
Não há, pois, como considerar ter o autor sofrido dano moral por ter tido
conhecimento (não pelo laboratório, mas pelo médico que o assistiu) de um exame
que apenas sinalizava a possibilidade de ter HIV, mas não concluía que o tivesse
(pela própria natureza do exame).
Há que se ponderar que o autor foi atendido pelo D. Doutor ..................,
no Núcleo de Saúde do Jardim Redentor, através do Sistema Único de Saúde
Municipal, acompanhado também pela Doutora .............., apresentando queixas
de fadiga e indisposição para o trabalho, ante ao que foram solicitados vários
exames clínicos e laboratoriais a título de investigação, dentre os quais foi
incluído o teste ........... para Aids. De posse do resultado, com suspeita para
HIV, os médicos agiram diligentemente, solicitando novo teste, como é de rotina,
ante a ampla possibilidade de o resultado de tal exame ser falso-positivo, o que
foi explicado ao autor. "Foi pedido novo teste, como é de rotina. Nesse período,
havia uma demora de cerca de 6 meses para obter resposta."
O fato de a repetição do teste ........... ser tomada por rotina (no caso de o
resultado ultrapassar o valor limite - cut off), se dá ante a própria natureza
do exame, de alta sensibilidade, sujeito a resultados falso-positivos em razão
de outras infecções possuídas pelo examinado, o que confirma as explicações
científicas aqui expostas, comprovando-se que em momento algum foi posta em
dúvida a exatidão dos testes pelo método ........... executados pelo laboratório
do Estado, visto que foi adotado o procedimento normal, de rotina, isto é, a
realização de novo exame, cujo resultado poderia se modificar tendo em vista o
quadro clínico do autor.
Tais fatos comprovam a correção do diagnóstico obtido também no primeiro teste
........... efetuado pelo autor, tendo em vista a própria natureza do exame, que
por sua alta sensibilidade detectara outras infecções possuídas pelo paciente
(autor), caindo por terra a absurda acusação feita pelo mesmo de que houve erro
em seu resultado.
Assim, por todas as razões aqui expostas, a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE
........... é parte ilegítima para configurar no pólo passivo da presente ação,
quer seja pela forma absolutamente correta pela qual o exame ........... foi
feito, quer seja pelo fato de o laboratório não haver se comunicado diretamente
sobre os resultados dos exames (inclusive deles não constando a afirmação
positivo ou negativo, o que demonstra a inconclusividade dos resultados do teste
..........., que deve ser combinado com outros fatores), quer seja pelo fato de
ter o resultado inconclusivo (suspeita de HIV) ficado apenas entre o autor e seu
médico, sem relação com o laboratório, não tendo vindo a público, em observação
ao sigilo profissional, inexistindo a publicidade do fato para justificar a
ocorrência de danos morais por ato do laboratório do Estado.
Em suma:
1 - A única participação do Estado nos fatos narrados na inicial foi a
realização dos testes laboratoriais pelo Núcleo de Hematologia e Homoterapia do
ERSA/23 - ............
2 - O autor acusa o laboratório Estadual de for-necer resultado inverídico do
primeiro teste ........... realizado.
3 - Ocorre que o resultado apresentado não é inverídico, visto que o exame foi
realizado de forma absolutamente correta, conforme já demonstrado, não havendo
assim que se falar em falha ou mal funcionamento do serviço público, condição
que a teoria objetiva impõe para a configuração da responsabilidade civil do
Estado, conforme ressaltado pelo próprio autor, às fls. 4 e 5 da inicial:
"A teoria objetiva, a que se filiou a nossa Carta Magna, dispensa a culpa do
agente administrativo, mas condiciona a responsabilidade civil do Estado a
alguma falha ou algum mal funcionamento do serviço público. Estabelecido o liame
causal entre a falta administrativa e o prejuízo superveniente, sem culpa ou
dolo da vítima, cabe à Administração indenizar o lesado...' (TJMG - 4ª C. - Ap.
- rel. Humberto Theodoro - RT 611/221, in Humberto Theodoro Jr.,
Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, ..........., Revista
dos Tribunais, p. 277).
4 - Não havendo sequer nexo de causalidade entre o dano moral alegado (se é que
existiu) e a ação do Estado (através de seus agentes), este não pode ser
responsabilizado civilmente:
"A responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o
dano e a ação que o provocou (RT, 224:155; 466:68; 477:247; 463:244; RJTJSP,
28:103)." in Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, ...........,
Saraiva, v. 7, Responsabilidade Civil, p. 76.
5 - Razão pela qual se requer a declaração da ilegitimidade passiva da Fazenda
Pública do Estado de ..........., com a conseqüente extinção do processo sem
julgamento do mérito, nos termos do artigo 167,VI, do Código de Processo Civil.
Entretanto, ad argumentandum, caso assim não entenda Vossa Excelência, no mérito
a ação também não merece prosperar.
Vejamos.
Os danos morais alegados pelo autor nunca existiram. Assim bem demonstra o
Eminente jurista, Dr. Ives Gandra da Silva Martins, em seu parecer retro
mencionado, cuja cópia segue em anexo:
"Sendo o direito instrumento de convivência social, que não nasce sem a
existência de um"outro' - Robinson Crusoé não precisava de Direito enquanto
estava sozinho em sua ilha, à evidência, o dano moral é, essencialmente, um dano
à personalidade atingida numa relação com "alguém', ou seja com o mundo, pois a
desfiguração da imagem, da honra e da personalidade dá-se nos limites do
ambiente em que tais valores deveriam ser preservados".
Por esta razão, a doutrina sobre danos morais situa-se, fundamentalmente, na
configuração de uma relação - e não de uma situação - em que a ofensa atinge a
pessoa , em função do respeito e da dignidade a que faz juz perante terceiros.
...o certo é que a indenização pecuniária por dano sofrido, que caracteriza o
pretium doloris, implica, essencialmente, uma relação de dano à personalidade,
em relação com o mundo exterior, na qual a imagem é, duramente, atingida e a
vendeta passa a ser sua conseqüência. Muito mais do que receber uma indenização,
objetiva a ação por danos morais - não as patrimoniais decorrentes - impor uma
dor semelhante ao ofensor, exteriorizada no valor da indenização.'
Evidente que tal perfil da ação de indenização por danos morais inexiste na
presente ação, pois, nos dizeres do Eminente Doutor Ives Gandra da Silva
Martins, de início, não ocorre a alterabilidade. A personalidade do autor, bem
como sua imagem, não foram atingidas, nem mesmo perante os médicos, obrigados a
guardar segredo profissional sobre os resultados preliminares e não conclusivos
de HIV que tiveram acesso.
Por outro lado, mister se faz ressaltar a exatidão do teste ...........,
conforme já exposto na preliminar, sendo que de seu resultado não poderia
originar qualquer espécie de dano moral ao autor, mesmo porque tal resultado (do
primeiro exame - acusado de errôneo pelo autor) foi entregue lacrado ao mesmo
(paciente), dele não constando um resultado conclusivo, que fica a cargo da
interpretação do médico tendo em vista o quadro clínico do paciente.
Assim, tendo o resultado inconclusivo ficado entre o autor e seu médico e, por
conseguinte, não tendo vindo a público, faltou a "alteralidade", a que a
doutrina faz menção, para justificar a ocorrência de danos morais.
Se tal fato veio a público, foi por divulgação do próprio autor, sendo então ele
mesmo o causador dos "danos morais" imputados injustamente ao Estado.
Necessário mencionar a conduta irrepreensível dos médicos que assistiram ao
autor, que, ao se depararem com o resultado positivo do teste ...........,
conhecedores de sua grande probabilidade de ser um falso-positivo, tendo em
vista sua alta sensibilidade, sofrendo influências de infecções diversas que o
paciente pode possuir, diligentemente solicitaram novo exame, o que é de rotina
pela própria característica do exame.
Assim, ciente de que o resultado positivo do teste ........... não é conclusivo,
o Doutor José Carlos Garcia jamais teria afirmado ao autor que o mesmo era
portador da Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida - AIDS - muito menos que a
doença estava em estágio avançado, como descreveu o autor às fls. de sua
inicial:
"...foi o Autor informado pelo Dr. José Carlos Garcia que, em vista do resultado
do exame apresentado, estava ele com a Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida -
AIDS em estágio avançado, tendo em vista que o resultado do exame não deixava
qualquer margem a dúvida em relação à doença e seu estágio..."
Ao contrário, Meritíssimo Juiz, o Doutor José Carlos Garcia explicou ao autor
que tal resultado não era conclusivo, representando mera suspeita de ser
portador do vírus HIV, dizendo que tal suspeita poderia ter sido levantada em
razão de outras infecções possuídas pelo autor, razão pela qual solicitou novo
exame, tranqüilizando o autor pelo fato de que não havia nos demais exames
analisados outras evidências da presença de tal vírus em seu corpo.
O médico foi tão diligente que, para evitar qualquer alteração no estado
emocional do autor, o encaminhou à ilustre Doutora Denise Arakaki, Coordenadora
do Centro de Referência e Prevenção da AIDS, para orientação psicológica mais
específica, e não "para acompanhamento da evolução da doença", como induz o
autor às fls. de sua inicial, haja vista que o próprio nome do órgão faz menção
à prevenção da doença, onde são prestados esclarecimentos sobre as formas de
transmissão da mesma e meios de evitá-la.
Ademais, na própria guia de encaminhamento, trazida pelo autor, o médico bem
ressaltou que havia sido realizado apenas um exame ..........., alertando assim
a sua colega (Doutora Denise Arakaki) de que o mesmo não era definitivo.
Não há, pela narrativa dos fatos, como caracterizar dano moral ao autor, visto
que ele próprio tinha ciência de que o resultado inicial não era conclusivo e
não condizia com seus dados clínicos, não havendo nos demais exames analisados
outras evidências de ser ele portador do vírus HIV.
Agora, quer beneficiar-se de tal fato, alegando fantasiosos motivos para se
locupletar às custas do Estado.
E os motivos são tão fantasiosos e evasivos que não foram apresentados dados
precisos quanto aos mesmos, como por exemplo, se, apesar de saber que o
resultado do primeiro teste não era definitivo, visto tratar-se de exame
simples, de pouca precisão e estando aguardando o resultado do segundo exame, se
realmente, e sem motivo, tentou o suicídio, a primeira coisa a declinar seria a
data de tal fato, notadamente marcante na vida de uma pessoa.
Quanto à perda da amásia, sequer cita o nome dela.
E quanto à alegação de o autor ter sido discriminado em seu emprego, culminando
com a sua demissão sem justa causa, salta aos olhos sua inveracidade, tendo em
vista que o mesmo efetivara acordo com a empresa somente após a realização dos
2º e 3º exames, isto é, após saber o resultado definitivo de que não era
portador do vírus HIV (o que, inclusive, consta do respectivo termo de acordo),
sendo o último resultado divulgado em 23.3.95, e o acordo assinado em 18.5.96,
obedecendo-se a todos os direitos laborais do autor, que na ocasião estava
assistido pelo sindicato da categoria a que pertencia, o que afasta mais ainda a
absurda hipótese de um acordo forçado.
Ora, ainda que admitíssemos a absurda hipótese de que o acordo de extinção do
contrato de trabalho foi "forçado", há de se concluir que sua causa não foi a
discriminação (pela suspeita de ser o autor portador do vírus HIV), pois, quando
da sua realização (do acordo), já se tinha conhecimento de que o autor,
definitivamente, não era portador de tal vírus (ciência esta obtida 2 meses
antes da efetivação do acordo).
Quanto à discriminação que alega ter sofrido no emprego, esta não ocorreu, mesmo
porque esteve afastado no período de 8.7.94 a 8.5.95, recebendo auxílio-doença,
face a seu quadro de fadiga e indisposição para o trabalho, interrompendo-se
assim o contrato de trabalho, o que pode ser comprovado pela apresentação da
Carteira de Trabalho e Previdência Social do autor aos autos, cuja determinação
se requer, não podendo, de forma alguma ter sofrido a alegada discriminação, ou
ter sido "recriminado diariamente em seu emprego", visto que em tal período não
mais tivera contato com seus colegas de trabalho, bem como com seu empregador.
Com efeito, evidente a má-fé do autor ao taxar referido acordo de fraudulento,
tentando caracterizá-lo como fruto de discriminação, que, pelas evidências
apontadas, não ocorrera, tudo levando a crer que as demais conseqüências
narradas pelo autor (tentativa de suicídio e perda da amásia), não passam de
mera falácia, estando ele apenas objetivando tirar benefícios pecuniários
indevidos de "dano moral" inexistente, e o que é pior, às custas do Estado, o
que culminaria com a dilapidação do patrimônio público, em prejuízo da
sociedade. Ora, o Estado não é uma fábrica de indenizações!
A evidenciar a má-fé do autor, o fato de a presente ação ser ajuizada somente
após o decurso de um ano da ocorrência dos fatos...
Face à inexistência do alegado dano moral, a presente ação deve ser julgada
totalmente improcedente.
DO MÉRITO
Quanto ao valor do pedido, este sim é imoral. As ações indenizatórias por danos
morais não visam ao pagamento da dor sofrida, mesmo porque é insuscetível de
aferição econômica, mas sim a compensar o lesado pelo sofrimento que lhe foi
causado, ao mesmo tempo em que impõe uma sanção ao ofensor. Diante de tamanha
astúcia do autor, a Fazenda Pública do Estado de ........... não pode deixar de
transcrever parte do acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n.
243.364-1/7 - São Paulo, julgada em 9.4.96, sendo relator o Eminente
Desembargador Pires de Araújo, referente à ação de reparação de danos à família
de um detento morto no Pavilhão Nove da Casa de Detenção:
"Argumenta-se que difícil seria alcançar o preço da dor, exatamente porque seria
inestimável. Esse argumento, entretanto, é sofistico. Deixa-se de pagar um minus
a pretexto de se não saber o plus.
É evidente que, em se não podendo alcançar o plus, paga-se o minus. Aliás, há
nesse sentido julgados deste tribunal: Apelação Cível
n. 412.831/4, da Comarca de Suzano, e
n. 404.563/6, da Comarca de São José dos Campos, todos da lavra do em. Juiz
Carlos Gonçalves, que, admitindo expressamente a reparabilidade do dano moral,
emprega, na fixação de seu montante, critério estabelecido pelo Código
Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117, de 27.8.1961), que prevê a
reparação do dano moral causado por calúnia ou injúria divulgadas pela imprensa,
e estabelecendo o quantum da reparação entre 5 (cinco) e 100 (cem) vezes o maior
salário mínimo vigente no país.
Atenta-se a periculosidades do caso, e tendo como paradigma a Apelação n.
447.060/4-SP, fixa-se o dano moral em 100 (cem) salários mínimos vigentes à
época da execução, que deverá ser pago de uma só vez". (AASP n. 1954, 5 a
11.6.96, p. 177 a 180)
Assim, se de um fato que resultou o evento morte de uma pessoa, envolvendo o
direito supremo do ser humano - a própria vida, o seu causador foi condenado a
pagar à família da vítima R$ 11.200,00 (100 salários mínimos), relativos a danos
morais, como pode o autor pretender obter às custas do Erário Público o
locupletamento de R$ 500.000,00 (4.464,28 salários mínimos) pedidos data venia
descaradamente, por um "dano" que sequer existiu?
Ad argumentandum, se por uma hipótese inimaginável restar caracterizada a
existência de danos morais ao autor (frisando-se que não podem ser imputados ao
Estado, pela ausência de nexo causal entre a ação deste - realização do teste
........... - e o alegado dano), o valor da respectiva indenização deve ser
pautado, acima de tudo, no bom senso, tomando-se como parâmetro o critério
estabelecido pelo Código Brasileiro de Telecomunicações - que também serviu de
base no julgamento da apelação retro mencionada.
DO DIREITO
Por todo o exposto, requer a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE ........... que seja
colhida a preliminar argüida, extinguindo-se o processo sem julgamento do
mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil ou,
caso assim não entenda Vossa Excelência, no mérito, requer a declaração da total
improcedência da ação, condenando-se o autor ao pagamento de custas processuais,
honorários advocatícios e demais consectários legais.
Requer provar o alegado por todos os meios em direito admitidos especialmente
pela determinação ao autor para que a presente cópia integral de sua Carteira de
Trabalho e Previdência Social para verificação da interrupção de seu contrato de
trabalho (do qual ficou afastado no período de ....... a ......., recebendo o
benefício do auxílio-doença), bem como pelo depoimento pessoal do autor, prova
pericial, com designação de perito-médico para prestar esclarecimentos sobre a
natureza do teste ..........., cujo resultado foi acusado de falso pelo autor
(caso não se entenda suficiente o parecer técnico e a literatura médica
apresentados - artigo 427 do CPC), documentos e testemunhas, cujo rol será
apresentado oportunamente, além de outras provas que se fizerem necessárias,
ficando desde já expressamente requeridas.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]