Contestação à medida cautelar de demolição de prédio,
alegando-se ilegitimidade passiva, falta de interesse processual do
Município e ausência de periculum in mora, além de atendimento da função
social da propriedade.
EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ......
AUTOS Nº .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à medida cautelar para demolição de prédio interposta pelo Município de .....,
com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado .....,
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Muito embora o ora requerido esteja figurando no polo passivo dos presentes
autos de medida provisional de demolição, quem reside e ocupa o imóvel sub
judice não é o réu, mas sim, sua filha ...., ...., que ali construiu de boa-fé
sua casa há aproximadamente .... (....) anos, residindo com seus .... filhos
pequenos.
Assim, o requerido, Sr. .... não residindo no imóvel-objeto da presente medida
provisional de demolição, e tampouco sendo seu legítimo possuidor, não é parte
legítima para figurar como réu no processo, razão pela qual desde já requer a
extinção do feito sem análise de mérito, com fulcro no art. 267, inc. VI do CPC
(ilegitimidade da parte).
2. INEXISTÊNCIA DO PERICULUM IN MORA
O pedido de demolição do imóvel em questão, conforme requereu o Município de
...., com base no art. 888, inc. VIII do CPC, está inserido no tema das Medidas
Cautelares, que tem a finalidade de preservar a tutela jurisdicional do processo
principal, que se ache em risco de lesão grave e de difícil reparação.
Jamais a medida cautelar pode assumir o caráter de satisfatividade, tendo em
vista que tem por escopo garantir a utilidade e eficácia futura da prestação
jurisdicional principal. Esta última sim, assume caráter satisfativo, incidindo
no direito subjetivo das partes. Nesse sentido, temos o entendimento do renomado
jurista Nelson Nery Jr., ao tratar sobre o processo cautelar, asseverando que a
cautela visa assegurar a eficácia do processo de conhecimento ou de execução.
(Nery Júnior, Nelson e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil
Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante. São Paulo, 3º ed., Ed.
Revista dos Tribunais, 1997, p. 910).
Sendo assim, observa-se que para a concessão de uma medida cautelar, é
necessário que haja uma situação objetiva de perigo capaz de tornar ineficaz, a
eficácia do processo principal, também chamado de Periculum in mora.
In casu, não está presente a situação objetiva de perigo capaz de tornar
ineficaz a tutela jurisdicional do processo principal, haja vista que o imóvel
em questão já fora construído há aproximadamente (....) .... anos, e sua
demolição não afetaria o processo principal a ser porventura instaurado pelo
Município de ...., oportunamente.
Impõe frisar também, que a medida cautelar não pode ter cunho satisfativo, como
pleiteia o Município, pretendendo a demolição do imóvel, pois isto implica em
prejulgamento da ação principal, o que é vedado não só pelo comando legal, mas
ainda pela jurisprudência, senão vejamos da decisão do Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo (RT 684/100), in verbis:
"A medida cautelar não pode antecipar a prestação jurisdicional pleiteada no
processo principal, pois isso equivaleria a dar-lhe o caráter de execução
provisória de uma sentença que não existe." (TACIV. SP - Ap. nº 469.417-7 - 3ª
C. - Rel. Juiz Ferraz Nogueira - J. 01.10.91).
Sem a existência da situação objetiva de perigo - periculum in mora - ante a
demora da prestação jurisdicional do processo principal, não há que se falar em
cautela, pois falta-lhe um dos requisitos. Por isto requer, caso superada a já
aludida preliminar, a extinção do feito sem julgamento de mérito, com base no
art. 267, inc. VI do CPC (falta de interesse processual).
DO MÉRITO
Superadas as preliminares, o que se admite apenas hipoteticamente, no mérito a
ação também não merece prosperar, conforme será demonstrado nos itens seguintes.
1. DO INTERESSE PÚBLICO DA LEGALIDADE
Ad argumentantum tantum, percebe-se que o Município de ...., alega na inicial, a
necessidade da demolição da ...., avocando a preservação do interesse público da
legalidade, alegando que o suposto réu estaria ampliando sua propriedade
particular em detrimento do patrimônio público municipal.
O interesse público, como é sabido, é a finalidade precípua da Administração
Pública, jamais podendo o administrador desviar-se desta finalidade. Por
legalidade se entende como o princípio que consagra todos os direitos e deveres
inseridos em todo o ordenamento jurídico.
Quando se fala em Administração Pública, tem-se como princípios fundamentais, o
da legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. O bom administrador
público deve sempre ater-se a estas regras essenciais à Administração Pública,
sempre visando o interesse público. Eis o que o eminente Prof. Hely Lopes
Meirelles assevera sobre esses princípios básicos da Administração:
"Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de
mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais." (Meirelles,
Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, 18ª ed., Malheiros
Editores, 1993, p. 82).
Com a presente medida provisional de demolição, não está presente a finalidade
da Administração Pública, de agir para atender aos interesses públicos e sociais
dos administrados.
2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A Carta Política de 1988, quando trata dos Direitos e Garantias Fundamentais,
assegura no art. 5º, inc. XXIII, que:
"A propriedade atenderá a sua função social".
Com isto, o legislador quis dizer que toda a propriedade deve atender a uma
finalidade social. Nestes termos, não existe razão alguma para o Município
querer desconstituir a família que reside no imóvel em discussão, demolindo o
imóvel habitado por uma família há quase .... (....) anos.
Além disso, a preservação da unidade familiar é indubitavelmente mais importante
do que a demolição de um imóvel, que segundo o Município serve para resguardar o
princípio do interesse público da legalidade.
De qualquer sorte, a família é a base da sociedade (art. 226 da Constituição
Federal de 1988), e tem peculiar proteção do Estado, segundo a previsão
constitucional. Não é o que está ocorrendo no presente caso.
Ademais, além de mãe, residem ainda no imóvel, .... crianças, uma de .... anos e
outra de .... ano, sendo que toda criança merece atenção especial, segundo
prescreve nossa Lex Fundamentalis (art. 227), com absoluta prioridade dos
direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ..., à convivência
familiar, ..., não podendo jamais o município Interferir sobremaneira num
direito insculpido na Carta Maior, que confere à criança proteção integral.
DOS PEDIDOS
Ante os fundamentos legais expostos e as razões expedidas, requer:
a) A extinção do feito pelas preliminares levantadas, seja a ilegitimidade do
réu, ou falta de condições da ação (periculum in mora), com fulcro no art. 267,
inc. VI, do CPC;
b) Caso sejam superadas ambas as preliminares, seja julgada improcedentes a ação
pelas razões mencionadas, com a condenação nas custas processuais e honorários
de sucumbência;
c) A produção de todas as provas em direito admitidas, como a ouvida de
testemunhas, a serem indicadas oportunamente, depoimento pessoal do autor,
pericial, juntada de documentos, e outras.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]