Contestação à ação de resolução contratual, alegando-se carência da ação, pacta sunt servanda e exceção de contrato não
cumprido.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA
COMARCA DE ....
AUTOS Nº .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL, proposta por ....., brasileiro (a), (estado
civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF
n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro .....,
Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RECLAMADO
O reclamado é parte ilegítima para responder a presente ação, impondo-se a
extinção do processo sem julgamento de mérito.
O contrato de Consórcio realizado entre reclamante e reclamado, possui todas as
características de Mandato Outorgado, como bem salientado no próprio instrumento
firmado pelo reclamante, inclusive com as cláusulas ad negotia e ad e extra
juditia, e desta forma deve ser interpretado, à medida que o reclamado "apenas
administra interesses de terceiros mandantes, que formam entre si uma sociedade,
convergentes para um determinado fim", que no presente caso é a aquisição de
eletrodomésticos.
Assim, o atuar do reclamado é administrar os interesses de um determinado número
de pessoas que almejam atingir um objetivo comum, agindo como mandatário dos
consorciados, que formam entre si uma sociedade.
Nesse passo, ELIAS MATTAR ASSAD in Consórcios, Volume II, 1991, página 3, define
GRUPO como:
"Grupo é a sociedade e, consorciados ou prestamistas são seus integrantes,
consortes, consórcios, ou ainda, co-proprietários do acervo comum que se
constitui dos bens adquiridos com recursos coletados e dos percentuais que se
acumula em caixa para aquisição de bens distribuídos entre os participantes
ativos."
Com base no texto acima transcrito, tem-se que o reclamado era mandatário, não
apenas do reclamante, mas de todos os consorciados integrantes do Grupo ....,
que formavam a sociedade consorcial, e assim, cumpria ao reclamado atender aos
interesses da sociedade (mandantes), não competindo-lhe favorecer determinado
mandato, no caso o reclamante, em detrimento dos demais, como pretendido por
este.
EGAS DIRCEU MUNIZ DE ARAGÃO in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume
II, 4ª Edição, 1983, às páginas 528, diz:
"523. LEGITIMIDADE PARA A CAUSA - Outra das condições é a 'pertinência da ação
àquele que a propõe e em confronto com a outra parte.'
Este requisito concerne às duas partes, ou seja, não respeita apenas à pessoa do
autor, mas também à do réu. Não basta, portanto, afirmar que a legitimidade
corresponde á 'titularidade na pessoa de quem propõe a demanda', pois é
indispensável que também o réu seja legitimado para a causa.
A titularidade que se apura em vista da relação jurídica de direito material em
que surge o conflito de interesses."
Portanto, o reclamado, na qualidade de mandatário, de uma sociedade (grupo
consorcial), à qual o reclamante pertencia, apenas administra os interesses da
mesma, estando vinculado ao grupo apenas na qualidade de terceiro administrador
de interesses convergentes. Assim, não tem legitimidade para responder aos
termos da presente ação, eis que é mero administrador da sociedade constituída.
O artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, regula uma das hipóteses
de extinção do processo sem julgamento de mérito, ao prescrever:
"Art. 267. Extingue-se o processo sem julgamento de mérito:
...
VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade
jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual."
Dessa forma, tem-se que o reclamado não é parte legítima para responder à
presente ação, em virtude de que diante do contrato celebrado, o reclamado é
apenas administrador dos interesses de terceiros que formam entre si uma
sociedade (Grupo) conforme anteriormente frisado, não podendo, portanto, ser
acionado para responder em nome próprio.
E não é outro o entendimento a ser adotado, merecendo destaque a sentença
proferida pela Juíza de Direito da 17ª Vara Cível de São Paulo - SP, Dra.
CHRISTINE SANTINI MURIEL, nos autos de Ação Ordinária sob nº 1091/92, da qual
pode-se extrair:
"Procedem as preliminares argüidas, impondo-se a extinção do processo, sem
julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva da ré e por faltar à autora uma
condição de procedibilidade.
Com efeito, é a ré parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação, eis que
é mera administradora dos interesses de um grupo de consorciados, que, em última
análise, suportariam os prejuízos advindos de eventual procedência da presente
ação. Como bem ressaltado pelo Dr. Luís Carlos de Barros, MM. Juiz Titular da
18ª Vara Cível da Capital, em decisões em casos análogos a este.
'a responsabilidade pela criação de fundos para a devolução do numerário com
juros e correção ou com base no valor atualizado do bem, no curso do grupo ou no
final do mesmo, recairia sobre a coletividade dos consorciados remanescentes, e
não sobre a requerida, administradora, e que apenas representa tal grupo e fere
os recursos proporcionados pelo mesmo. E para que isto fosse viável,
juridicamente, deveria haver a expressa anuência de todos os consorciados, com a
revogação da questionada cláusula, eis que o consórcio constitui um pacto que
não vincula apenas o autor e a administradora, mas sim um grupo de pessoas,
reais responsáveis pela criação dos recursos a serem geridos pela
administradora'.
Anote-se que recebe a administradora de todos os consorciados procuração para
zelar por seus interesses tanto em Juízo como fora dele. No entanto, é ela mera
representante dos consorciados remanescentes, únicos legitimados a figurarem no
pólo passivo da ação. Relembre-se ainda que tais consorciados remanescentes
podem estar sendo compelidos a suportar os prejuízos causados pelo
inadimplemento da autora."
Assim, deve a presente ser extinta sem julgamento do mérito, uma vez que o
reclamado é parte manifestamente ilegítima, na forma do artigo 267, inciso VI do
Código de Processo Civil.
Caso assim não entenda Vossa Excelência, deverá o reclamado ser aceito no pólo
passivo da presente ação, como representante do Grupo ...., ao qual pertencia o
reclamante, nos termos do artigo 12, inciso VII, do Código de Processo Civil, e
artigo 3º, § único do Regulamento Geral, aprovado pelo Ato Declaratório SRF/CAE
nº 01, de 22 de dezembro de 1989.
2. DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
Da análise do pedido formulado pelo reclamante, verifica-se que o mesmo não tem
como prosperar, eis que o reclamante está postulando contra legem.
GALENO LACERDA in Despacho Saneador, 2ª Edição, Sérgio Antonio Fabris Editor,
Porto Alegre, p. 77, ensina:
"Qualquer que seja o resultado da sentença, favorável ou desfavorável, há de
exigir-se do Autor, para aceitação processual do pedido, existência de 'norma
que o autorize' (ou possibilidade jurídica, segundo fórmula de LIEBMAN)..."
No mesmo sentido é a lição de EGAS MONIS DE ARAGÃO in Comentários ao Código de
Processo Civil, Volume II, 5ª Edição, Editora Forense, p. 535/536:
"Sendo a ação o direito público subjetivo de obter a prestação jurisdicional, o
essencial é que o ordenamento jurídico não contenha uma proibição ao seu
exercício; aí, sim, faltará a possibilidade jurídica. ...
Não havendo veto há possibilidade jurídica; se houver proibição legal, não há
possibilidade jurídica."
É necessário esclarecer ainda, que não se admite no atual estágio em que se
encontra o direito, as chamadas fórmulas de "direito livre", de "livre
indagação", do direito contra legem, onde se substitua a figura do legislador
pela do Juiz, nas hipóteses em que há lei específica sobre a matéria. Nesse
sentido é o entendimento de CARLOS MAXIMILIANO, que afirma que "substituir a lei
(vontade geral) pelo Juiz (critério individual), conforme pretende a corte
chefiada pelo professor Kanotorowicz, seria critério retrógrado."
Observando-se a inicial, constata-se na realidade, que o reclamante postula
contra legem, porque pede a devolução das quantias já pagas, devidamente
corrigidas, quando na verdade a Lei de Consórcios estabelece o contrário.
O Regulamento de consórcios - Decreto nº 70.951, de 09 de agosto de 1972, que
disciplina a Lei nº 5.768/71, que dispõe sobre a distribuição gratuita de
prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, à título de propaganda, e
estabelece normas de proteção à poupança popular, em seu artigo 40, dispõe:
"Art. 40. O Ministro da Fazenda poderá autorizar, na forma deste Regulamento e
dos atos que o complementarem, a constituição e o funcionamento de consórcios,
fundos mútuos ou formas associativas assemelhadas, que objetivem a coleta de
poupanças destinadas a propiciar a aquisição de bens móveis duráveis, por meio
de autofinanciamento." (grifo nosso).
Assim, obedecendo à determinação legal o Ministério da Fazenda editou a Portaria
nº 190, de 27 de outubro de 1989, que alterou e consolidou as normas sobre
operações do sistema de consórcios para aquisição de bens móveis, passando a
partir de então a ter força de lei, para regular a matéria, na forma do
Regulamento de Consórcios.
A referida Portaria nº 190, e 27 de outubro de 1989, que consolida a normas
sobre operações de consórcios, em sua cláusula 53.2. prevê expressamente que a
devolução será feita sem juros ou correção monetária, ao dispor:
"53. Consorciado desistente ou excluído é aquele que, antes de receber o bem,
solicitar seu afastamento definitivo do grupo ou se tornar inadimplente, com
suas obrigações contratuais.
...
53.2. Os participantes que desistirem do consórcio ou que dele foram excluídos,
inclusive seus herdeiros ou sucessões, receberão de volta as quantias já pagas,
sem juros e sem correção monetária, dentro de 30 (trinta) dias do encerramento
das operações de grupo, deduzidas as taxas de administração recebidas e
acrescidas do saldo remanescente dos fundos comuns e de reserva,
proporcionalmente às contribuições recolhidas." (grifo nosso)
Note-se, que do contrato celebrado entre partes, além de expressamente
estabelecida a previsão que a lei consagra, também especifica que o contrato se
regerá de acordo com o Regulamento do Consórcio aprovado pelo Ministério da
Fazenda.
Fica claro, portanto, que há um veto legal a pretensão do reclamante, e assim
consequentemente, há impossibilidade jurídica do pedido.
Dessa forma, requer-se à Vossa Excelência, seja extinto o processo, na forma do
artigo 295, inciso I combinado com o artigo 267, inciso VI, ambos do Código de
Processo Civil.
DO MÉRITO
1. DA VIOLAÇÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO
É necessário esclarecer ainda, que a pretensão do reclamante está a violar ato
jurídico perfeito e acabado, isto porque ao pretender a devolução das quantias
pagas com correção monetária, o reclamante está violando contrato firmado com o
reclamado, perfeito e acabado.
Note-se que ao aderir à proposta de admissão ao grupo de consórcio, o
consorciado, ora reclamante, tomou conhecimento das cláusulas e condições que
regulariam o contrato firmado com o reclamado.
Dessa forma, com a concordância de ambas as partes, o contrato celebrado
tornou-se lei entre as mesmas, dando origem a um ato jurídico perfeito e
acabado.
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, mais especificamente no inciso
XXXVI consagra a todos os brasileiros e estrangeiros o direito a que a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, ao
dispor:
"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada."
Assim, o atuar do reclamante, fere expressamente o mandamento constitucional ao
contrariar o ato jurídico perfeito, isto porque o contrato entre partes
realizado estava perfeito e acabado, na data em que foi firmado, não podendo,
portanto, o reclamante pretender a sua manifesta violação.
Em Enciclopédia Saraiva do Direito, Volume 9, Editora Saraiva, p. 60, tem-se o
seguinte conceito:
"Ato jurídico perfeito é o ato jurídico que preenche todos os requisitos legais
para a sua validade e é concluído na forma da lei. Diz-se também ato perfeito e
acabado."
Vale dizer, com isso, que uma vez perfeito e acabado o contrato entre partes
celebrado, não pode agora o reclamante querer dar as costas a disposições
expressamente estabelecidas, alterando uma situação já constituída. Caso
contrário, ter-se-á a lesão a esse princípio e garantia constitucional.
2. BREVE ANÁLISE DA FIGURA DO CONSÓRCIO
O consórcio, também chamado de "poupança popular", constitui-se em sua essência,
de um grupo de pessoas que se reúnem para atingir um objetivo comum. No presente
caso, a aquisição de um determinado bem, atuando o reclamado como representante
na qualidade de mero administrador, de todo o grupo, na forma e modos previstos
na legislação especial (Lei 5.768/71 e Decreto 70.951).
Assim, tem-se que o sistema consorcial encontra-se calcado no princípio da
solidariedade, onde todos se comprometem a atingir um objetivo comum, ou seja, a
aquisição de um determinado bem, como previsto na legislação vigente.
ELIAS MATTAR ASSAD in op. citada, define Consórcio como "uma forma associativa
que tem por objeto captação de poupança popular a propiciar a aquisição de bens
por meio de autofinanciamento".
Dessa forma, a partir do momento em que um consorciado torna-se inadimplente,
toda a sociedade (Grupo) é penalizada, haja vista, que se distância o objetivo
sobre o qual fundamenta-se a iniciativa consorcial. Concluindo-se, portanto, que
para que o consórcio possa vir a atingir o seu objetivo, é imprescindível que se
faça prevalecer o interesse coletivo sobre o individual, na aquisição do bem
comum.
3. DA EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO
Caso o entendimento do Juízo seja no sentido de que o reclamado é parte
legítima, por ser o mesmo mandatário da sociedade constituída, face ao contrato
de Mandato outorgado, tem-se que as partes estariam diante de contrato
bilateral, o que se diz apensa para argumentar, ao qual aplicar-se-ia o disposto
no artigo 476 do Código Civil Brasileiro, que prescreve:
"Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida
a sua obrigação pode exigir o implemento da do outro."
Primeiramente, é necessário ressaltar que o reclamante, pagou a taxa de adesão
e, também, .... parcelas das .... devidas, conforme provará o documento em
anexo, entretanto, sem qualquer justificativa, suspendeu os pagamentos mensais.
Ora, se o reclamante era participante do Grupo e foi tido como inadimplente, não
pode agora vir a exigir do reclamado mais do que o adimplemento contratual, ou
seja, a devolução dos valores pagos, sem correção monetária, consoante
disposição de cláusula contratual.
Se o reclamante não cumpriu sua parte no contrato, deixando de realizar os
pagamento devidos, como exigir que o reclamando seja obrigado a cumprir a sua, e
ainda diferentemente ao que foi pactuado?
J. M. DE CARVALHO SANTOS in Código Civil Brasileiro Interpretado, Volume XV, às
páginas 237 e 238, ensina:
"2 - Nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o
implemento da do outro. Querem alguns tratadistas que se trata de uma medida de
equidade, que se impõe, por isso mesmo, sem a necessidade de maiores
explicações. Que autoridade tem uma parte para exigir da outra respeito e
execução do contrato, se foi ela quem primeiro lhe violou as disposições?"
E mais adiante, continua:
"Em qualquer hipótese, a lei não tolera que um dos contraentes, aquele que
primeiro tiver de fazer a prestação, possa exigir o implemento da do outro, isto
é, daquele que por último devia fazê-la, se não tiver cumprido a sua obrigação.
Mesmo que as prestações devam realizar-se contemporaneamente, cada contratante
pode recusar a sua até que o outro tenha efetuado ou ofereça a própria."
Ora, uma vez que o reclamante a muito deixou de cumprir sua parte no contrato,
com o não pagamento das parcelas vencidas, não poderia fazer uso deste mesmo
contrato para pleitear a devolução dos valores corrigidos até então pagos, posto
que não cumpriu a sua parte no negócio, e consequentemente inadimpliu o contrato
estabelecido.
E não se questione que o contrato firmado entre as partes possuiria
características de contrato de adesão, pois que como demonstrado no item 3, o
contrato havido entre as partes é Mandato outorgado, ou, quando muito, o
reclamante e reclamado estariam sujeitos a adesão a um contrato, cujas normas
são pré-estabelecidas pelo Governo Federal, que é quem define as regras a serem
aplicadas ao consórcio por referir-se a economia popular, e portanto ambos
Mandante e Mandatário estaria sujeitos a condições estabelecidas por um terceiro
(União Federal), e desta forma não lhes competiria a alteração das cláusulas
contratuais.
No caso ora discutido acerca do consórcio, há um interesse maior, que é o
interesse coletivo a prevalecer sobre o privado, e desta foram, a matéria está
disciplinada no artigo 22, inciso XX da Constituição Federal de 1988, que
prescreve:
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
...
XX - sistemas de consórcios e sorteios;"
IVES GANDRA MARTINS in Comentários à Constituição do Brasil, 3º Volume, Tomo I,
1992, às páginas 324/325, acerca do artigo acima, diz:
"O que o constituinte pretende dizer é que há um regime jurídico para consórcios
e sorteios, regime este de competência privativa da União.
Tal regime, em parte recepcionado pela nova ordem, e já existente, objetiva mais
ofertar, de um lado, o controle por parte da União e, de outro, a segurança
daqueles que se integram como participantes e beneficiários dos grupos formados
para tais finalidades."
Assim, de acordo com o entendimento acima transcrito, tem-se claro que não
compete às administradoras estabelecer unilateralmente as cláusulas contratuais,
e sim, as partes (reclamante e reclamado), sujeitam-se às normas estabelecidas
pelo Governo Federal.
4. DA INEXISTÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA
No contrato firmado entre reclamante e reclamado, com base no Regulamento do
Consórcio, Contrato de Mandato, aprovado pelo Ministério da Fazenda, está
determinado que a devolução das importâncias pagas por consorciados, que venham
a se tornar inadimplentes ou sejam excluídos do Grupo a que pertenciam, será
feita até 30 (trinta) dias após o término do referido grupo em valor histórico,
ou seja, sem correção monetária.
Não há como pretender-se a devolução atualizada dos valores pagos por
consorciados que se tornaram inadimplentes, isto porque, o Grupo de Consórcio
funciona, durante todo o prazo de sua duração, no aspecto financeiro, como uma
massa de recursos passível de receber créditos e débitos. Os créditos são as
contribuições destinadas à aquisição de bens, multas, juros, fundo de reserva,
e, os débitos, são os lançamentos destinados à compra de bens, despesas com
seguros, registros de contratos, despesas de cobrança, entre outros. Como
créditos, devem ser ainda lembrados os rendimentos financeiros decorrentes das
aplicações no mercado de recursos do Grupo.
Por outro lado, é certo que há a ocorrência de exclusão de consorciado por
inadimplência, ou mesmo a desistência deste por pedido expressamente formulado,
porém não é certo, que à toda exclusão ou desistência seja a mesma sucedida de
adesão de um novo consorciado, ainda mais na atual conjuntura econômica do País.
Também não pode ser afirmado que a eventual substituição do consorciado
desistente ou excluído ocorra no momento de sua exclusão, tampouco no mês
seguinte, ou ainda, que se viabilize nesse ou naquele prazo.
Demonstra-se desta forma, que o Grupo de consorciados, deve ser entendido como
uma massa de recursos, administrado ao longo de seu prazo de duração, e
suscetível de apresentar resultados absolutamente imprevisíveis, que serão
conhecidos somente no final, quando do encerramento das operações.
Assim, não se pode admitir como razoável a afirmativa do reclamante, de que a
devolução das importâncias pagas deve ser corrigida, eis que nesse caso teria
que se admitir a possibilidade dos consorciados remanescentes do grupo
suportarem contribuições extraordinárias, ao longo de sua duração, ou ainda,
quando de seu encerramento. E neste raciocínio, no caso sub judice, onde já
terminou o Grupo, todos os participantes suportaram a inadimplência do
reclamante, para adquirir os bens, pelos quais haviam-se reunido.
Portanto, o reclamado, ao reembolsar o ora reclamante em valores históricos, o
que não foi aceito pelo mesmo, está agindo em conformidade com o disposto em
cláusula contratual estabelecida entre partes, bem como, está agindo de acordo
com o estabelecido na legislação aplicável para o caso sub examine, e ainda como
mandatário não teve autorização dos mandantes para agir de forma diferente.
Assim, não se pode cogitar em devolução de valores diferentemente daqueles
contratados, sob pena de ter que responder aos outros mandantes pela infração
contratual cometida.
5. DA LICITUDE DA CLÁUSULA QUE DETERMINA A DEVOLUÇÃO
Trata-se o sistema de consórcio de uma atividade econômica dependente de
autorização do poder público para poder ser exercida, e assim, as
administradoras devem seguir as regras pré-estabelecidas pelas autoridades
competentes, ou seja, estabelecidas pelo Banco Central do Brasil.
Entre as normas que regem os consórcios, está a Portaria MF nº 190, de 27 de
outubro de 1989, expedida pelo Ministério da Fazenda, que determina as
diretrizes administrativas e organizacionais do sistema.
A referida portaria, incorporada que foi ao Regulamento dos consórcios, seguindo
os regulamentos normativos, prevê que a devolução das parcelas pagas pelos
consorciados desistentes ou excluídos deverá ser efetuada sem correção
monetária, no prazo de 30 (trinta) dias, após o encerramento do Grupo.
Tal dispositivo, aplicável ao presente caso, quer por força de determinação
legal, quer por vinculação contratual, se deve em função de que o Grupo ao qual
pertencem os consorciados desistentes ou excluídos, não pode ser prejudicado
pela inadimplência de um determinado consorciado (reclamante), caso assim se
entendesse, estar-se-ia beneficiando um interesse individual, em detrimento da
coletividade, cujo mandatário é a administradora (reclamado).
As administradoras de consórcio, para a obtenção de autorização de
funcionamento, devem apresentar o regulamento que regerá os grupos a serem
constituídos, para que o órgão autorizante verifique o cumprimento dos
dispositivos legais aplicáveis. Tendo obtido a autorização, conclui-se que a
administradora atendeu a legislação aplicável, sendo, portanto, tal cláusula
ilícita e obrigatória, uma vez que não ofende a lei, ao contrário, é imposta por
sua própria regulamentação.
O órgão público autorizante, ao impor a disposição supra citada, o fez com o
intuito de garantir os interesses coletivos dos consorciados componentes do
grupo, sujeitando as administradoras às normas ditadas pelo órgão administrador.
Assim, não cabia ao reclamado tomar qualquer outra atitude, sob pena de violar
as regras atinentes à matéria, já que o entendimento diverso a norma legal,
criaria um "plus" para os demais consorciados, não previsto em lei, e que
adviria em uma prática constante por aqueles que assumiram uma obrigação que
sabiam de antemão que não poderiam cumprir, mas mesmo assim, a assumiram.
Desta forma, conclui-se que a devolução de parcelas ao inadimplente, ora
reclamante, corrigidas monetariamente, além de se sobrepor interesses
individuais aos coletivos, provocaria a violação ao contrato estabelecido entre
as partes e à lei que regula os Consórcios, e portanto estaria sujeita ao
rompimento contratual.
6. DO CONTRATO ESTABELECIDO ENTRE AS PARTES
As partes, reclamante e reclamado, firmaram entre si, contrato de mandato, com
direitos e deveres, cabendo a ambas zelar pelo bom e fiel cumprimento do
avençado.
O contrato está, consoante já afirmado, amparado pela legislação aplicável à
espécie, e portanto não se pode cogitar em ilicitude da cláusula contratual que
determina a devolução de importâncias pagas pelo reclamante (inadimplente), sem
correção, pelos fatos e fundamentos ao longo desta peça aduzidos. Note-se que o
Regulamento dos Consórcios, Portaria nº 190, de 27 de outubro de 1989, regula a
matéria na cláusula 53.2., já transcrita no item 4.4.
Cumpre ressaltar que a devolução das importâncias pagas sem a correção, não
configura enriquecimento ilícito da administradora, haja vista, que os recursos
arrecadados são contabilizados em nome do grupo ao qual pertencem o inadimplente
(reclamante), cabendo a este, a devolução dos valores pagos sem correção, e
acrescidos do saldo de fundo de reserva se houver, proporcional ao tempo em que
efetuou o pagamento de suas contribuições.
Assim, tem-se que o contrato faz lei entre as partes, obrigando-as ao seu fiel
cumprimento, desde que estipulado validamente, com observância dos princípios
legais aplicáveis ao caso, respeitando-se sempre os interesses gerais definidos
pelo tipo legal e norma cogente.
No caso sub examine, todos os requisitos foram atendidos, cumprindo às partes
exercerem seus direitos contratados livremente, e assim, cabe ao reclamante a
devolução dos valores pagos sem correção monetária, o que em nenhum momento foi
negado pelo reclamado.
É necessário destacar ainda, acórdão proferido pela Quinta Câmara Cível do
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos de Apelação Cível
sob o nº 197.767.1/7, da lavra do Eminente Desembargador Doutor Marco César,
quanto à maioria sub judice, de cujo teor extrai-se o seguinte:
"Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL, nº 197.767.1/7,
na Comarca de São Paulo, em que são apelantes FRANCISCA SANCHES CAPEL e CARAVELO
& CIA., sendo apelados os mesmos.
ACORDAM, em Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
por votação unânime, indeferir o requerimento da autora, julgando prejudicado
seu recurso e dar provimento ao da ré.
...
Ora pois, não se encontra óbice à validade da cláusula 54, § 2º, do regulamento
do consórcio, a qual previu para os casos de exclusão ou desistência do
consórcio pelo consorciado, a devolução das quantias já pagas, sem juros ou
correção monetária, dentro de trinta dias do encerramento das operações do grupo
respectivo, deduzidas as taxas de administração recebidas e acrescidas do saldo
remanescente do fundo comum e de reserva, proporcionalmente às contribuições
recolhidas.
Cláusula de natureza penal, sem lei que a vedasse, encontrava justificativa na
utilidade própria de tais cláusulas que trazem estímulo ao devedor para que
permaneça cumprindo o contrato e servem como prefixação de perdas e danos.
Manifesta-se a pretensão da inicial como autêntica transmudação, a 'nuto' da
consorciada, de seu contrato em outro de mero investimento financeiro, mútuo
pelo qual se entrega dinheiro e se recebe dinheiro, com seu valor atualizado e
mais rendimentos, chegando a inicial a pretender, alternativamente, que a
devolução considere o valor atualizado do bem proposto à aquisição.
Tendo o consorciado (cláusula 56 do regulamento do consórcio), a faculdade de
transferir seu contrato a terceiro, por simples termo, com anuência expressa da
Administradora (a qual, bem certo, só poderia ser negada por justa causa), não
lhe cabe, com risco de desordenamento do próprio consórcio, em especial o grupo
a que integre, retirar-se 'simpliciter', e vir reclamar seu capital atualizado
mais juros, ou até mesmo a eventual valorização do mercado imobiliário incidente
sobre o bem que escolhera.
O que a consorciada no caso concreto visou, foi inverter a previsão da cláusula
56, supracitada, transferindo ônus seu para o consórcio, desfalcando o grupo de
seu numerário e de sua participação no fundo comum, sob a presunção de que seria
substituída por outro, desde logo.
Ao prisma econômico, e dentro da ordem própria de tais negócios, a ingerência
pública que tanto consagre acabará por voltar-se contra os próprios pretendentes
à participação nos mesmos.
Daí porque, indefiro o reclamado em contra-razões pela autora, e julgado
prejudicado seu recurso, dão provimento ao apelo da ré, decretando a
improcedência da ação, responsabilizada a autora por suas custas, e verba
honorária advocatícia de 15% do valor da causa, corrigindo-se desde sua
propositura.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JORGE TANNUS (Presidente
sem voto), SILVEIRA NETTO e MARCUS ANDRADE, com votos vencedores." (Publicado no
DJ de 27 de setembro de 1993). (grifos nossos)
Dessa forma, resta comprovada a legalidade e constitucionalidade da devolução
das importâncias pagas pelo reclamante, sem correção monetária, haja vista, que
o mesmo ao inadimplir o contrato firmado, causou prejuízos ao grupo a que
pertencia.
DOS PEDIDOS
Isto posto, requer-se a Vossa Excelência:
Seja a presente ação julgada extinta sem julgamento do mérito por ser o
reclamado parte manifestamente ilegítima nos termos apontados;
Caso ultrapassada a preliminar apontada, o que não se espera, seja a presente
ação julgada improcedente face aos fatos e fundamentos apontados, condenando-se
o reclamante ao pagamento de eventuais custas e honorários advocatícios.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]