Contestação à ação de reintegração de posse, sob
alegação de aplicação de anatocismo em contrato de arrendamento mercantil /
leasing.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº ......
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., por intermédio de seu advogado (a) e bastante
procurador (a) (procuração em anexo - doc. 01), com escritório profissional sito
à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe
notificações e intimações, vem mui respeitosamente à presença de Vossa
Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de reintegração de posse interposta em face de ....., pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º
....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste
ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado
civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF
n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Em ..../..../...., o Autor celebrou Contrato de Arrendamento Mercantil com o
Réu, sob o nº ...., conforme exposto na inicial.
O índice de juros, através de uma manobra especificamente imaginada para tal
Contrato, não aparece claramente. Um simples exame mostra que a taxa de juros
não está especificada, bem como a forma de tal cobrança também inexiste. Ou
seja: aproveitou-se o Autor em cobrar juros não especificados de forma
capitalizada - o que é vedado por lei - e não aceito pelos Tribunais Superiores
em nosso país.
Ocorre que a forma pela qual vêm sendo aplicados os juros está em desacordo com
termos legais, sendo que o Autor, conforme será demonstrado a seguir, já pagou
em montante superior os valores contratados, face a forma de cobrança dos juros
de forma ilegal.
DO DIREITO
1. AS FALHAS DO CONTRATO
O Contrato tem várias falhas legais, que, a título de summario cognitio,
mostrarão à Vossa Excelência que, além de justa e de direito, a pretensão do Réu
tem amparo na lei.
2. DOS JUROS
Os juros, nas palavras de Arnaldo Rizzardo, em "Contrato de Crédito Bancário",
2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, 1994, pág. 272:
"Constituem juros o proveito tirado do capital emprestado, ou a renda do
dinheiro, como o aluguel é o preço correspondente ao uso da coisa locada no
contrato de locação."
"Quando são cobrados juros simples ou legais, apenas o principal rende juros,
isto é, os juros são diretamente proporcionais ao capital emprestado." (in
"Análise de Investimentos", de Nélson Casrotto Filho e Bruno Hartmut Kopittke).
E ainda:
"Quando o dinheiro é investido a juro composto, os juros vencidos são
reinvestidos para obter mais juros nos períodos seguintes. Em contrapartida, a
oportunidade de ganhar juros sobre juros não existe num investimento que
proporcione juros simples." (in "Princípios de Finanças Empresariais", de
Richard A. Brealey e Stewart C. Myers, Editora Mcgraw-Hill de Portugal Ltda,
1992, pág. 37).
A capitalização de juros ou juros compostos, na opinião de Arnaldo Rizzardo, ob.
cit. pág. 272:
"... é a soma de seu montante ao capital, para efeito de produzir juros, isto é,
corresponde à operação que envolve o cálculo de juros sobre juros, adicionados
ao capital."
"O próprio termo quer dizer simplesmente que os juros pagos sobre um
investimento ou empréstimo são somados ao principal. Com isso ganham-se juros
sobre juros." (in "Fundamentos da Administração Financeira", de James C. Van
Horne, Editora Prentice Hall do Brasil, ano de 1984, pág. 35).
E ainda, segundo Arnaldo Rizzardo, ob. cit., pág. 273:
"A cada período de juros (normalmente indicados ao mês), existe um efetivo
recebimento do produto do juro, ou então, tal produto é agregado ao saldo
anterior. Da mesma forma, nas captações diversas das cadernetas de poupança. Nos
empréstimos, o rendimento mensal também é acrescido ao saldo anterior. No mês
seguinte, o cálculo envolverá o capital e o acréscimo. A cada novo período de um
mês, o produto do juro adere ao capital anterior, e passa a render novo juro,
como efetivamente acontece nas remunerações financeiras."
3. JUROS APLICADOS PELO RÉU
Conforme aduzido anteriormente, o Contrato estipula os juros, porém não os
denomina como sendo juros simples ou capitalizados. A diferença de aplicação dos
juros simples ou capitalizados favorece o Autor, uma vez que a capitalização dos
juros, especialmente em Contratos a longo prazo, tem o escopo de multiplicar o
valor original do Contrato.
Saliente-se que a forma de cálculo, provoca desequilíbrio contratual, e favorece
apenas uma das partes, acarretando sobrecarga excessiva sobre a outra parte.
Impera, portanto, o recalculo dos valores já pagos e daqueles que ainda não
foram pagos, a fim de que se restabeleça o equilíbrio contratual.
A capitalização de juros é proibida de acordo com o art. 4º do Decreto nº
22.626/33:
"É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação
de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano."
A respeito, há a Súmula nº 121 do STF:
"É vedada a capitalização de juro, ainda que expressamente convencionada."
Em conjunto com a Súmula nº 121 do STF e o art. 4º do Decreto nº 22.626, de
07.04.33, temos ainda:
"Art. 11 - O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito,
ficando assegurado ao devedor à repetição do que houver pago a mais." (Dec.
22.626/33).
"Art. 13 - É considerado delito de usura toda a simulação ou prática tendente a
ocultar a verdadeira taxa de juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o
fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos além dos
estabelecidos no respectivo título ou instrumento.
Penas: Prisão por seis meses a um ano e multas de cinco contos a cinquenta
contos de réis ..."
Apesar destes preceitos legais as instituições financeiras, em geral, aplicam a
capitalização de juros, o que é inadmissível e, portanto, não pode ser mantida.
Assim sendo, as clausulas que fixam os juros devem ser declaradas nulas, posto
que contrariam o ordenamento jurídico.
O Código de Defesa do Consumidor, no art. 51, veio a confirmar esta nulidade:
"Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade;
(...)
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de
maneira unilateral;
§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a
natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias
peculiares ao caso."
A capitalização dos juros é vedada por lei e a sua estipulação seria nula mesmo
que estivesse expressa em cláusula do contrato (Lei nº 8.078/90, art. 51, IV e
X).
Assim, os autos devem ser remetidos ao Contador Judicial, para que seja apurado
a taxa correta mensal a ser aplicada no Contrato em questão, bem como os valores
já pagos e daqueles a pagar.
"Art. 47 - As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor."
A forma como vem sendo cobrado os juros não se coaduna com permissivos legais.
E adiantando a impugnação de matéria de defesa que possivelmente será
apresentada, servindo a mesma para elucidar a questão e definir, de modo
acautelatório que o contrato está sendo cobrado de forma errônea, o Autor poderá
aduzir ainda que a Lei nº 4.595/64 revogou a Lei da usura nesta parte sobre
capitalizações de juros. Nada dispõe a Lei nº 4.595/64 que se oponha à proibição
do art. 4º do Decreto nº 22.626/33, que continua vigente. Por outro lado, a
Súmula nº 596, que poderá ser trazida como matéria de defesa pelo Autor, diz
respeito às taxas de juros e mais encargos inerentes a operações de crédito
bancário, não tendo relação com o anatocismo.
Enquanto o Enunciado nº 596 do STF refere-se ao art. 1º do Decreto nº 22.626/33,
o verbete 121 se apóia no art. 4º do mesmo diploma, guardando sintonia com a
regra que veda o anatocismo, ou seja, a capitalização dos juros.
A Súmula nº 596 do STF expressa:
"As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos
outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou
privadas que integram o Sistema Financeiro Nacional."
Esta Súmula espelha o fato de que as instituições financeiras não mais se
amoldam à limitação de juros, podendo ser superiores a 12% ao ano. Porém, não se
refere ao anatocismo (juros sobre juros ou juros capitalizados), apenas dispõe
sobre o limite de juros e não sobre a aplicação de juros sobre juros. O art. 4º
da Lei de Usura, que não permite a aplicação do anatocismo, não foi revogado
pela Lei nº 4.595/64. Esta Lei revogou sim, o limite de juros e o art. 1º do
Decreto nº 22.626/33, mas não o artigo 4º deste. E é neste sentido a
jurisprudência do STF e do STJ ao tratarem da matéria.
"O art. 1º do Dec. 22.626/33 está revogado não pelo desuso ou pela inflação, mas
pela Lei 4.595/64, pelo menos ao permitir às operações com as instituições de
crédito ou privadas, que funcionam sob o estrito controle do Conselho Monetário
Nacional." (RTJ 72/916)
Por isso é que a maioria dos julgados dos Tribunais Superiores determinam a taxa
de 12% ao ano como não legalizada, dispondo inclusive, que a norma prevista na
CF/88, não é auto aplicável. Porém, o que se discute aqui não é nem mesmo a taxa
de juro, aplicada no contrato em questão. O que se quer fazer valer aqui, é que
os juros, da forma como estão sendo cobrados - capitalizados - estão em
contradição aos termos legais supra expostos.
Algumas decisões jurisprudenciais a respeito deste assunto têm assim decidido,
prescrevendo que a capitalização de juros ainda está proibida no nosso país,
porém, aceitando a fixação de juros dos juros acima dos 12% ao ano.
"Juros. Capitalização. A disposição do Decreto 22.626/33, que veda a
capitalização de juros, aplica-se às instituições bancárias, não afastada sua
incidência pela Lei 4.595/64." (STJ, 3ª Turma, Resp. 2.393 - SP - 90.0002174-0,
Recorrente: Banespa S/A, Recorrida: Luiz Fernandes Rosa Piva - ME, Rel. Min.
Gueiros Leite, Rel. Desig. Min. Eduardo Ribeiro, julg. 12.06.90, DJU 27.08.90,
Seção I, pág. 8321).
"Direito Privado. Juros. Anatocismo. Vedação incidente também sobre instituições
financeiras. Exegese do enunciado nº 121, em face do nº 596, ambos da súmula do
STF. Precedentes da Excelsa Corte.
- A capitalização de juros (juros sobre juros) é vedada pelo nosso direito,
mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do
art. 4º do Decreto 22.626/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da
súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da
mesma súmula." (STJ, 4ª Turma, Resp. 1285 - GO (89.0011431-0), Rel. Min. Salvio
de Figueiredo, Recorrente: Banco Itaú S/A, Recorrido: Eldorado Materiais de
Construção Ltda., julg. 14.11.89, Revista STJ 22/197 a 200).
"É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada
(Súmula 121). Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras,
dado que a Súmula 596 não guarda relação com o anatocismo. A capitalização
semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas operações regidas por
leis especiais que nela expressamente consentem. Recurso Extraordinário
conhecido e provido." (REst. 90.341, STF, 1ª Turma, RTJ 91/1341).
"DIREITO PRIVADO. JUROS. ANATOCISMO. A contagem de juros sobre juros é proibida
no direito brasileiro, salvo exceção dos saldos líquidos em conta corrente de
ano a ano. Inaplicabilidade da Lei da Reforma Bancária (nº 4595, de 31.12.64).
Atualização da Súmula nº 121 do STF. Recurso provido." (STJ, 3ª Turma, Resp.
2.293 - Alagoas (90.1793-9), Rel. Min. Cláudio Santos, julg. 17.04.90, pub. DJU
07.05.90, Seção I, pág. 3830).
"Juros. Capitalização. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só
é permitida nas operações regidas por leis ou normas especiais, que
expressamente o autorizem. Tal permissão não resulta do art. 31 da Lei 4.595 de
1964. Decreto nº 22.626/33, art. 4º. Anatocismo: sua proibição. 'Ius cogens'.
Súmula 121. Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras. A
Súmula 596 não afasta a aplicação da Súmula 121. Exemplos de leis específicas,
quanto a capitalização semestral, inaplicáveis à espécie. Precedentes do STF.
Recurso Extraordinário conhecido, por negativo de vigência do art. 4º, do
Decreto nº 22.626/33, e contrariedade do acórdão com a Súmula 121, dando-lhe
provimento." (STF, 1ª Turma, RExtr. 100.336, PE, Rel. Min. Néri da Silveira,
julg. 10.12.1984, RTJ 124/616 a 620).
"Execução por título judicial. Mútuo hipotecário pelo sistema BNH. A decisão
recorrida contrapõe-se à Súmula 121, segundo a qual é vedada a capitalização de
juros, ainda que expressamente convencionada. Proibição que alcança as
instituições financeiras. No caso, não há incidência de lei especial. Provimento
do recurso para excluir-se da condenação os juros capitalizados mês a mês."
(STF, 2ª Turma, RExt. 96.875 - RJ, Rel. Min. Djaci Falcão, julg. 16.09.93, RTJ
108/277 a 283).
Em síntese: não se quer discutir a existência ou não da dívida, que existe e é
exigível. Busca-se, discutir os valores que foram pagos a mais pelo Réu, e que
se o Contrato fosse calculado de forma correta, as prestações apontadas como em
atraso, e que deram margem à propositura da presente ação, certamente já
estariam liquidadas. As prestações pagas pelo Réu, eram superiores ao valor
devido.
DOS PEDIDOS
a) Ex positis, requer a Vossa Excelência:
b) a intimação do Autor, para que informe a taxa de juros mensais, os valores e
datas dos pagamentos;
c) sejam remetidos os autos ao Sr. Contador Oficial, para que este calcule da
forma legal (juros simples) os valores do contrato em questão, a fim de
comprovar que se os juros estivessem sendo cobrados na forma legal, estaria o
Réu adimplente para com o Autor, não cabendo a presente Reintegração de Posse;
d) ao final seja julgada improcedente a ação ora impugnada, devendo ser
restituído o bem em favor do Requerido, bem como autorizado a compensação dos
valores apurados em montante superir, com os pagamentos a serem efetuados;
Protesta-se pela produção de todos os meios de provas em direito admitidas, em
especial prova pericial.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]