Contestação à ação de indenização, sob alegação de
inexistência de transfusão de sangue durante a cirurgia do autor, além de
denunciação à lide de banco de sangue, por eventual sangue contaminado.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA .... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
.... - ESTADO DO ....
AUTOS Nº ......
O Estado de ...., por intermédio de seu procurador abaixo subscrito, vem, mui
respeitosamente ante Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de indenização intentada por ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º
....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
1. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Preliminarmente à análise do mérito, há que se argüir a presente e flagrante
ilegitimidade passiva do Hospital ora Contestante para figurar no polo passivo
do presente feito.
Com efeito, conforme exposto pela própria Autora na peça preambular, o Nosocômio
Requerido trabalha apenas e tão somente com sangue fornecido e coletado pelo
...., Segunda Requerida.
Ou seja, o Hospital Primeiro Requerido e ora Contestante não realiza em seu
estabelecimento a coleta ou processamento de sangue, ficando tal encargo ao
centro supra referido, ...., o qual, desta forma, responsabiliza-se integral e
exclusivamente por todo o material fornecido aos estabelecimentos hospitalares
de .... e região, inclusive ao Nosocômio ora Suplicado.
Outrossim, cabe ainda destacar que a Primeira Demandada/Contestante utiliza tão
somente os materiais sangüíneos coletados e fornecidos pela ....
Desta forma, o único responsável pela eventual má supervisão, exame e
verificação do sangue coletado e "supostamente" contaminado, é o banco de sangue
Segundo Requerido, o qual, conforme dispõe a legislação vigente citada na peça
vestibular, obriga-se a realização de exames no sangue coletado, visando
prevenir a propagação de doenças.
Razões estas pelas quais, visto que o banco de sangue seria o único responsável
pelos danos causados em decorrência da "suposta" utilização de sangue
"eventualmente" contaminado, porquanto, repita-se à exaustão, cabia ao mesmo a
realização de exames para averiguação das condições do material coletado, não há
como incluir ou manter-se no pólo passivo da presente demanda a Primeira
Requerida e ora Contestante.
Razões pelas quais requer seja conhecida e acatada a preliminar de ilegitimidade
passiva ad causam por parte do Hospital ora Contestante, com a conseqüente
extinção do feito sem julgamento do mérito, nos termos do inciso VI do artigo
267 do Código de Processo Civil, imputando-se à Autora o ônus da sucumbência.
2. A DENUNCIAÇÃO À LIDE
Outrossim, na remota hipótese de não acatamento da preliminar argüida supra, é
de deferir-se a denunciação do .... à lide - ainda que este já faça parte
integrante do polo passivo da presente relação jurídica.
Tal situação é decorrente da regra imposta no artigo 70, inciso III do Código de
Processo Civil.
Com efeito, conforme já explanado supra, todo o material sangüíneo utilizado
pelo Hospital Requerido é coletado e fornecido exclusivamente pelo banco de
sangue supra referido.
Outrossim, tem a instituição Segunda Requerida, na qualidade de única e
exclusiva fornecedora do sangue, por expressa previsão e determinação legal,
obrigação de realizar exames no material coletado, a fim de prevenir a
propagação de doenças.
Assim sendo, em eventual procedência da pretensão da Autora contra o Hospital
ora Contestante, é evidente e inquestionável o direito de regresso deste contra
a ...., Segunda Suplicada, para ressarcimento dos valores a que eventualmente
for condenado.
Aliás, o direito de regresso a ser exercido dentro do procedimento é até mesmo
hipótese e medida de saudável economia processual.
Razões estas pelas quais, formula-se a presente denunciação à lide,
pleiteando-se por seu deferimento e devido processamento, a fim de que, na
eventual hipótese de procedência da presente demanda contra o Hospital ora
Contestante, seja o Banco de Sangue Segundo Requerido e ora Denunciado condenado
a ressarcir todos os valores que o Hospital ora Denunciante tiver que fazer
frente para reparar o dano "supostamente" causado à Autora.
DO MÉRITO
1. DA AUSÊNCIA DO NEXO CAUSAL
1.1. A INEXISTÊNCIA DE TRANSFUSÃO SANGÜÍNEA
Ultrapassada a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam supra, a qual, ao
ser reconhecida impedirá o conhecimento do mérito, em atenção ao princípio da
eventualidade, passa o Hospital Requerido no debate acerca do mérito da
pretensão deduzida na inicial, sendo que também neste aspecto, data venia,
melhor sorte não se reserva à Autora.
Alega a Requerente que, ao ser submetida a cirurgia para a retirada de seu útero
junto ao Hospital Suplicado, recebeu sangue contaminado, através de transfusão
sangüínea.
Entretanto, tais alegações não refletem a veracidade dos fatos, senão vejamos:
Inicialmente, cabe efetuar-se uma correção no tocante à data da cirurgia que
menciona a Autora ter ocorrido em .... de .... (sic exordial - fls. .... dos
Autos).
Na realidade, o internamento e a subsequente intervenção deu-se em .... de ....,
conforme datas apostas no Laudo Médico para Emissão de AIH, na Autorização de
Internamento Hospitalar (AIH), no prontuário médico-hospitalar, ficha de
anestesia, requisição de exame anatomopatológico (docs. nºs .... a .... anexos)
bem como no próprio resultado de tal exame, juntado pela própria Autora às fls.
.... dos Autos.
Provavelmente o equívoco da Autora deu-se em função da declaração médica juntada
às fls. .... dos Autos.
Não obstante equivocar-se no tocante à data, a declaração fornecida pelo
profissional Médico responsável pelo tratamento ministrado à Autora, juntada às
fls. .... dos Autos, declina que a Autora foi submetida a histerectomia total
com anexectomia, qual seja as denominações técnicas para as cirurgias de
retirada de útero, trompas e anexos.
Entretanto, em nenhum documento trazido aos Autos comprova-se que a Autora, ao
ser submetida a tal tratamento cirúrgico, recebeu sangue, através de suposta
transfusão.
E nem poderia, porquanto, pelo contrário, conforme bem demonstra o prontuário
médico elaborado pelo Hospital Requerido quando do internamento e da cirurgia, e
no qual encontram-se discriminados e relatados todos os procedimentos efetuados
na paciente e ora Autora, inexiste qualquer menção a transfusão de sangue ou
semelhante (doc. nº ....).
Com efeito, não há em nenhum documento qualquer menção a realização de
transfusão sangüínea, nem mesmo nos relatórios de enfermagem ou na própria
descrição da operação.
Não existe, sequer, qualquer relato de deficiência hematológica da Autora, que
justificasse o recebimento de sangue naquela ocasião.
Desta forma, cai por terra toda a fundamentação e exposição dos fatos elaborados
pela Requerente, porquanto desaparecendo-se a "possível" causa da transmissão da
doença, não há que se falar em responsabilidade do Hospital, ante a clara e
flagrante ausência de nexo causal.
Como é sabido, a fim de averiguar-se a culpa do agente, necessário se faz
delimitar a relação entre o ato supostamente danoso e a lesão ocorrido, é o que
a doutrina denomina de nexo de causualidade.
Assim sendo, para que haja "efetivamente" culpa e, por conseqüência,
responsabilidade do suposto "ofensor", imprescindível se faz a existência de uma
relação entre o dano e o(s) ato(s) praticado(s), ou seja, importante determinar
se a lesão foi causada ou provocada pela ação ilícita do sujeito.
Tal situação decorre da própria norma legal, conforme dispõe o art. 186 do
Código Civil:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar
direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito."
Torna-se essencial, portanto, para fins de reparação do dano, a exata
determinação do fato gerador da lesão, a fim de averiguar-se a relação de
causualidade entre o prejuízo da vítima e a conduta do agente.
Com efeito, no caso ora sub judice, a Autora alega que teria contraído o vírus
da AIDS através de uma transfusão sangüínea a que teria "supostamente" se
submetido quando da realização da cirurgia para retirada dos órgãos
reprodutores.
Assim sendo, a Requerente atribui como fato gerador à lesão causada, a
transfusão de sangue realizada nas dependências do Nosocômio Suplicado.
Entretanto, conforme já exposto supra, devida e fartamente comprovado e
demonstrado pelo prontuário médico ora juntado (doc. nº ....), como não houve
qualquer tipo de fornecimento de sangue à paciente, desaparece por completo da
presente relação o nexo causal entre o dano havido e os atos praticados pelo
Hospital.
Portanto, como inexorável e inafastável conclusão tem-se que a Autora não
contraiu o vírus HIV em decorrência de transfusão de sangue junto ao Hospital
Requerido e ora Contestante, posto que tal procedimento inexistiu no caso da
Suplicante, restando a esta averiguar outra hipótese de tal contração virótica.
Assim que, em não havendo a indispensável relação de causualidade entre os
prejuízos causados à vítima ora Autora e a conduta da empresa Requerida, não há
que se cogitar ou imputar qualquer responsabilidade civil ao agente.
Razões estas pelas quais, ante a completa ausência de nexo de causualidade entre
os atos praticados pelo Hospital Requerido - porquanto, repita-se à exaustão, a
Autora não foi submetida a nenhuma transfusão sangüínea quando da intervenção
cirúrgica ora relatada - e os danos causados à Requerente, requer-se, no mérito,
seja a presente demanda julgada improcedente, condenando-se a Suplicante no ônus
decorrente da sucumbência.
2. DA INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS E PREJUÍZOS CAUSADOS
Outrossim, na remota e distante hipótese de não acatamento das argumentações
supra expostas, com a procedência do pleito inicial, passa-se a contestar as
demais questões trazidas nos Autos.
Alega a Requerente que, em decorrência da contaminação do vírus HIV, passou a
ter diversos prejuízos financeiros, os quais separa em duas esferas, quais
sejam: danos emergentes e lucros cessantes.
A título de danos emergentes, sustenta a Suplicante em sua peça exordial, que,
para amenizar os sintomas advindos da doença contraída, passou a utilizar vários
medicamentos e remédios, tendo com isso dispendido vultuosa soma em dinheiro.
Entretanto, não se encontra nos Autos qualquer documento que comprovasse tal
prejuízo ou dispêndio financeiro.
Ou seja, não há um único recibo ou nota de despesa, seja de farmácia, posto
médico, hospital, ou sequer de médicos ou profissionais desta área, que
efetivamente embasasse as alegações e o pedido.
Ademais, alega ainda a Demandante que, para fazer frente às despesas decorrentes
da doença contraída, viu-se obrigada a desfazer-se de todo seu patrimônio, o
qual era constituído de duas casas e um carro.
Todavia, da mesma forma, não há no presente feito, qualquer documento que
comprovasse sequer a propriedade dos bens alegados, os quais teriam sido
vendidos para custear o tratamento.
Cabe destacar que a propriedade imobiliária, assim como a de veículos
automotores, pode ser facilmente comprovada através de registros imobiliários e
certidões expedidas pelo Departamento de Trânsito, respectivamente.
Aliás o documento juntado às fls. .... dos Autos, em nada serve para embasar o
pleito exordial, uma vez que, conforme exposto supra, a alienação e
transferência de bens imobiliários, deve obrigatoriamente, para que tenha
efeitos, ser realizada por instrumento próprio, segundo os requisitos e
formalidades exigidas pela legislação vigente, e não por simples tradição.
Desta forma, não há como acatar-se o pleito dos danos emergentes causados, face
a absoluta falta de comprovação de tais prejuízos.
É mais provável que tenha a Autora usufruído do Estado para o fornecimento dos
remédios a que fazia necessidade, razão maior pela qual não logrou em comprovar
documentalmente dispêndios financeiros para tal fim.
Outrossim, com relação ao requerimento de lucros cessantes, melhor sorte não se
reserva à Autora, pois, a exemplo dos danos emergentes, não se encontra nos
Autos qualquer documento que comprove suas alegações e conseqüente pedido.
Com efeito, alega a Requerente que, anteriormente à contaminação pelo vírus HIV,
trabalhava como .... em sua própria residência, lucrando aproximadamente R$ ....
(....) por dia com tal atividade.
Entretanto, ao contrário do esperado, a Suplicante não juntou qualquer documento
que comprovasse esta suposta renda, quer seja declaração para os fins fiscais,
recibos ou notas emitidos aos clientes.
Assim sendo, torna-se absolutamente incabível o pleito de indenização pelos
lucros cessantes, devendo tal requerimento ser excluído de uma eventual
condenação, em caso de procedência da demanda.
Em acréscimo, há que ponderar-se que os alegados R$ .... diários representam
valor mensal superior ao considerável em tal ramo de atividade, ainda mais em se
tratando de empresa não constituída, ou de "fundo de quintal".
3. DOS DEMAIS PLEITOS PECUNIÁRIOS
No mesmo sentido, data venia, restam como improcedentes os demais pleitos
pecuniários pretendidos pela Autora.
Inicialmente, o pretenso dano moral valorado pela Autora em .... salários
mínimos (item "c.1" de fls. ....) reveste-se de evidenciada tentativa de
enriquecimento ilícito ou sem causa, inclusive porquanto incomprovado o suposto
dano moral.
Da mesma forma, o pedido concernente ao pensionamento da Requerente até a
sobre-vida de 65 anos de idade, no valor equivalente a R$ .... (....) diários,
da mesma forma caracteriza tentativa de enriquecimento destituído de causa,
pelos mesmos fundamentos expressos nos articulados quinquagésimo-terceiro a
quinquagésimo-quinto retro.
Razões pelas quais estende-se a contestação também a estes pleitos, quer em
função do mérito, quer seja em função dos valores pretendidos pela Autora.
4. A CORREÇÃO MONETÁRIA E OS JUROS DE MORA
Por derradeiro, improcedem ainda os pleitos da Autora no tocante à aplicação de
correção monetária e juros de mora "desde a data do delito" (sic - fls. ....,
item "d"), porquanto esbarram em disposição legal vigente (Lei nº 6.899/81).
DOS PEDIDOS
Razões estas pelas quais requer seja reconhecida e acatada a preliminar de
ilegitimidade passiva ad causam argüida nos articulados terceiro usque nono
supra, a fim de excluir-se do presente feito o Hospital Requerido,
extinguindo-se a demanda relativamente ao mesmo, nos termos do artigo 267,
inciso VI do Código de Processo Civil.
Caso não seja esse o entendimento deste r. Juízo, requer seja acatada a
denunciação à lide formulada, não obstante o Banco de Sangue Suplicado já fazer
parte do pólo passivo da presente demanda, a fim de que, em uma eventual
hipótese de procedência da presente demanda contra o ora
Contestante/Denunciante, seja o Banco de Sangue Requerido e ora Denunciado
condenado a ressarcir todos os valores que o Hospital/Denunciante tiver que
fazer frente para reparar o dano "supostamente" causado à Autora.
No mérito, requer sejam acolhidas as argumentações expostas nos itens décimo -
sétimo e trigésimo - quinto supra, a fim de, ante a ausência de relação de
causualidade entre o dano causado à Autora e os atos praticados pelo Hospital,
seja a pretensão julgada improcedente, condenando-se a Requerente ao pagamento
das verbas decorrentes da sucumbência.
Por derradeiro, na remota e improvável hipótese de procedência da demanda,
requer seja excluída da condenação a indenização pleiteada por danos emergentes
e lucros cessantes, face a completa ausência de comprovantes que embasem tal
pedido.
Protesta desde já pela produção de todas as provas admitidas em Direito e que se
façam necessárias, em especial depoimento pessoal da Autora, prova testemunhal
cujo rol fará apresentar em Juízo no prazo legal, e prova técnica-pericial.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]