Contestação à ação de indenização decorrente de
falecimento em acidente de trânsito, com pedido de sobrestamento do feito
até julgamento final de processo-crime, alegando o réu que dirigiu com
regularidade.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE
.... - ESTADO DO .....
AUTOS Nº .....
Município de ...., pessoa jurídica de direito público interno, sediada na Rua
.... nº ...., na Comarca de ...., por seu advogado (proc. anexo), inscrito na
OAB/.... sob nº...., atendendo profissionalmente no mesmo endereço supra, onde
recebe intimações, nos autos de Ação de Reparação de Danos, sob o nº ...., que
lhe promove ...., mui respeitosamente, na presença de Vossa Excelência vem
apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de reparação de danos interposta por ....., brasileiro (a), (estado
civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF
n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro .....,
Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
PRELIMINARMENTE
SUSTAÇÃO DO PROCESSO CÍVEL ENQUANTO NÃO DECIDIDA A AÇÃO PENAL
O autor atribui a culpabilidade pelo acidente ao réu, daí a ação contra este.
A teoria objetiva de responsabilidade civil sustentada na inicial sucumbe ante o
fato de que o evento danoso deu-se por exclusiva culpa da vítima, que, burlando
a vigilância do motorista do réu, pegou carona no pára-choque traseiro do
veículo oficial, vindo a cair, advindo daí o óbito.
Oculto sob o manto da teoria objetiva que dispensa a comprovação da
responsabilidade do réu, lançou-se ele às malhas da justiça, acreditando que a
defesa não fosse evidenciar que o infausto evento deu-se devido a peraltice da
vítima e da omissão e irresponsabilidade do autor para com seus deveres de pai.
Em verdade, a manobra executada pelo motorista do veículo oficial era regular,
não proibida pela legislação de trânsito, nem pelas imposições municipais que
informa o tráfego local.
A responsabilidade civil é independente da criminal quando não se está
questionando a existência de fato ou sua autoria. É o que se depreende da parte
final do artigo 935, do Código Civil Brasileiro.
Mas, não é o caso dos autos, onde o ponto central da demanda é apurar quem deu
causa ao acidente.
Logo, urge seja sustado o processo civil até que sobrevenha julgamento em
definitivo no Juízo Criminal.
E, na verdade, assim deve ser porque se em processo criminal instaurado contra o
preposto do réu, não for declarada a culpabilidade deste, não há como prosperar
a ação civil do autor, nos termos em que foi postulada.
J. M. Carvalho Santos aduz:
"Se a ação cível foi intentada antes de julgada a ação criminal, obriga a
esperar a solução sobre o delito (existência do fato criminal) e autoria do
crime."
(J. M. Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado, t. XX, pág. 306,
7ª edição).
A jurisprudência não discrepa da doutrina:
"E não se deve perder de vista, sob outro ângulo, por ajustar-se à espécie, a
orientação que se extrai de decisão do STF, em parte assim ementada: Proclamada
na Justiça Criminal, em decisão definitiva, que o acidente resultou de culpa
exclusiva da vítima, e não do motorista da ré, não deve esta qualquer
indenização, acobertada que está pela RES JUDICATA criminal, que, em tal
circunstância, projeta seus efeitos no juízo cível (CC, art. 1.525)." (RT
534/189).
Nestas condições, esta ação cível deverá ser sustada até que sobrevenha a
decisão criminal em definitivo.
É o que se requer.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Os argumentos da inicial estão fundados na teoria objetiva prevista na CF, art.
37, XXI, § 6º, em cuja orientação basta ao autor demonstrar o ato praticado pelo
poder público (seja em qualquer das suas três esferas), por meio de seu agente,
e seu nexo causal com o dano, para habilitá-lo a deduzir a pretensão
indenizatória.
Para esses casos, o legislador afastou-se da teoria subjetiva e a administração
pública só se libera da responsabilidade comprovando a culpa exclusiva da
vítima.
A respeito, o insigne jurista Cretella Junior lembra que:
"O risco administrativo não significa que a administração deva indenizar sempre
e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa apenas e
tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração,
mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso,
caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da
indenização." (in Tratado de Direito Administrativo, v. VIII, pág. 287), RT
676/121.
No dia dos fatos, o réu, com pessoal e viatura apropriados, promovia a coleta de
lixo em via sem saída, o que motivou seu preposto a circular em marcha-ré. Mas,
a movimentação era vagarosa (até porque a marcha do veículo não permite
velocidade) e cercada de cuidados necessários à realização da manobra.
Inopinadamente e de súbito, a vítima - menor de idade, tentou subir no
pára-choque traseiro, que serve também de plataforma para a operação dos garis
no trabalho de coleta de lixo urbano, mas, não conseguiu firmar-se, vindo a
cair. Como trata-se de um veículo curto, praticamente o menor tombou sob a
rodagem traseira, sendo impossível qualquer ação dos garis para salvá-lo.
A inicial falseia em alegar que a manobra era feita sem cuidados. Em verdade, os
garis tentaram impedir gritando para o menor, ao que ele não atendeu, tudo
ocorrendo de forma rápida e inesperada.
Realmente, o infausto evento aconteceu em fração de segundos. A marcha lenta
imprimida ao veículo e os cuidados com que o operador se cercava através dos
demais companheiros em policiar o carro, não foram suficientes para evitar a
ação rápida do menor que, aliás, era useiro e vezeiro em se lançar nessa
perigosa travessura.
Cumpre ressaltar, ainda, que a vítima, mesmo na presença de seu pai, dias antes,
tentara a mesma coisa, ao que foi veementemente advertido (admoestação verbal)
do perigo que corria. O autor, ao invés de complementar a corrigenda,
insurgiu-se inflamado de fúria, dizendo que seu filho "Não iria comer o trator"!
Não somente em ...., mas, principalmente, nas grandes Cidades, é comum meninos
pegarem "carona" em viaturas coletoras de lixo, caminhões de carga, trens e
ônibus.
Por ironia do destino, pouco tempo antes do acidente, o tema foi alvo de extensa
reportagem na TV Paranaense, cujo Canal 3, local, mostrou que garotos de 7 a 15
anos de idade se aventuravam em "viajar" alojados em espaço trazeiro, situados
abaixo do chassi de coletivos que serviam a Cidade de Curitiba, sem a menor
segurança e sem qualquer possibilidade de serem vistos pelos operadores!
Não é possível que o autor - pai da vítima, não tenha assistido. Mesmo assim,
permaneceu silente e, o que é pior, sabendo que o filho se entregava a essa
perigosa "diversão", nada fez para coibi-lo.
A manobra encetada pelo preposto do réu era normal, regular, perfeitamente
prevista no Código Nacional de Trânsito. Significa dizer que a viatura oficial,
transitava excepcionalmente, o fazia de forma segura, não perigosa, e não fosse
o ato desvairado da vítima nada teria acontecido.
A propósito, o festejado José de Aguiar Dias, ensina que:
"Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa
exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude o ato ou fato exclusivo da
vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro no ato
danoso." (Da Responsabilidade Civil, 7ª ed., Forense, vol. II, pág. 770).
No mesmo sentido é a orientação do insigne administrativista Hely Lopes
Meirelles, no seu festejado Direito Administrativo Brasileiro, 9ª ed., Ed. RT,
pág. 547.
Realmente, a rua onde aconteceu o acidente é artéria sem saída, obrigando a que
o motorista retornasse de marcha-ré, mas, como já foi explicitado, essa manobra
não influiu no evento e sim a inocência (ou malcriação) do menor que, num
flagrante, lançou-se em ganhar o para-choque trazeiro, vindo a cair sob a
rodagem, de maneira a se tornar impossível aos garis evitar a tragédia. Desta
forma, a ação da vítima, em relação ao réu, assumiu os contornos de verdadeiro
caso fortuito.
"Em recurso, a que deu provimento, por maioria, decidiu o Tribunal: 'Era
impossível ao motorista evitar o fato necessário do atropelamento, nas
circunstâncias mencionadas. A grave imprudência do pedestre assumiu, em relação
ao motorista, os contornos de verdadeiro caso fortuito, para excluir sua
obrigação ..." (Acórdão de 18.08.77, da 3ª Câm. Cív. do TJSP, na ap. 260.895, de
São Paulo, Young da Costa Manso, Pres. e Rel. - Ver. de Jurisprudência do TJSP,
vol. 50, págs. 163/165, Anuário de Jurisprudência Íncola 1978, pág. 103).
Em conclusão, não se pode impingir ao Município-réu a menor responsabilidade,
cuja culpa pelo evento deve-se, exclusivamente, à vítima, por pegar "carona" no
caminhão do lixo, não atendendo aos apelos dos garis. Por isso, o réu não deve
qualquer reparação ao autor. Aliás, aplica-se aqui o antigo princípio romano: "Quod
quis ex sua culpa dannum sentit, non intellegitur dannun sentire", que quer
dizer: É princípio da razão que o dano que um sente por sua própria culpa não é
ressarcível. (RT 674/106).
Por derradeiro, nos moldes em que foi formulado, o pedido de lucros cessantes é
indevido por ferir disposição constitucional que impõe a idade mínima de
quatorze anos (14) para admissão ao trabalho (art. 227, § 3º, I).
De igual teor é o item XXXIII da mesma CF, in verbis:
"Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e
de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo condição de aprendiz."
A Constituição Federal estabelece no caput do artigo 229 que:
"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores ..."
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em idêntico mandamento, determina:
"Aos pais incumbe o dever do sustento, guarda e educação dos filhos menores ..."
A lei, em todas as suas modalidades, é unânime e não discrepa do entendimento de
que os primeiros responsáveis pelo menor são os pais, a própria família. Essa
incumbência legal deve ser assumida de forma integral e absoluta pelos genitores
que devem aos filhos todos os cuidados necessários, sejam eles relativos à
saúde, formação, alimentação, integridade física, moral e intelectual e não a
simples geração física, como os animais irracionais!
Assim, não há como negar a responsabilidade do autor pelo fato de permitir que o
filho de apenas .... anos de idade, permanecesse na rua, quando, na verdade,
deveria estar na sala de aula ou em casa aplicando-se nas tarefas e lições
escolares. É irresponsável o pai que, na direção de sua família, permite o
liberalismo e omite-se na correção dos filhos, mormente quando flagrados em mal
criações, como foi o caso em que o operador do trator de lixo o repreendeu
(admoestação verbal) por tentar "carona" naquela viatura, mas ele inferiu-se
contra o operário público ao invés de repreender o menor! Isso explica o
comportamento irregular deste, pois que "educação vem de berço" e o Poder
Público por mais que se esforce jamais erradicará os meninos de rua e a
contravenção de menores, caso não haja colaboração dos pais!
DO DIREITO
Não é possível que seja reconhecido qualquer direito, tendo como fator de
correção o salário mínimo. É que tal forma está proibida nos termos da Lei nº
6.205, de 29 de abril de 1975, in verbis:
"Art. 1º. Os valores monetários fixados com base no salário mínimo não serão
considerados para quaisquer efeitos de direito."
Caso venha a ser reconhecido qualquer direito ao autor (o que não se acredita),
da respectiva indenização deverá ser descontado o valor do seguro obrigatório.
Nem se argumente que tal prestação fixa e paga ao terceiro não seja integrada à
indenização a ser devida pelo causador do dano. É que o seguro é feito
obrigatoriamente para atender, justamente, àquela prestação, sendo o prêmio
correspondente, aquele contratado, pago ao terceiro.
A propósito, ensina Wilson Melo da Silva, no seu livro "Da Responsabilidade
Civil Automobilística", ed. Saraiva, pág. 333:
"O seguro de responsabilidade civil, sabe-se tem por objetivo eliminar, no
patrimônio do segurado, aquele desfalque a que estaria sujeito na hipótese de
indenizar a terceiro pelo ressarcimento dos danos a ele ocasionados."
Somente na hipótese do valor da pensão alimentícia, comprovadamente, ultrapassar
o montante do seguro, então sim, seria devido o excedente. Mas, somente o
excedente!
E o argumento encontra apoio na jurisprudência dos Tribunais, sendo de ressaltar
o v. acórdão un. da 1ª Câm. Cív. do TJ de Santa Catarina, in Boletim de
Jurisprudência Adcoas, nº 37.933, que determinou o desconto da pensão do valor
correspondente à indenização do seguro obrigatório, in verbis:
"A quantia correspondente ao seguro obrigatório do veículo também será paga ao
autor, todavia dela será descontada da indenização acima fixada."
"RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - SEGURO OBRIGATÓRIO - DEDUÇÃO DO MONTANTE
- JURISPRUDÊNCIA NESSE SENTIDO. Constitui matéria pacífica na Jurisprudência a
dedução da parcela referente ao seguro obrigatório do montante da indenização."
(Ap. 357.114 - Capital - 7ª C. J. 13.05.86, Rel. Juiz Luiz de Azevedo) - RT
610/138.
Pretende o autor, ainda, reparação de dano moral, o que é indevido por já ter
pleiteado dano patrimonial.
A orientação do STF permanece fiel à tese de que, no que se refere à indenização
pela perda da vida humana, aplica-se o disposto no artigo 948 do Código Civil,
onde não se contempla o dano moral. De sorte que, ocorrendo condenação em pensão
alimentar a título de lucros cessantes, absolutamente repelida é a conjugação de
dano moral.
"A Jurisprudência do STF já se firmou no sentido de que não se indeniza
cumulativamente danos patrimoniais e danos morais, pois a indenização daqueles
absorve a destes." (RT 573/295, 575/302).
Ressalte-se, ainda, que o dano moral deve ser deferido quando, realmente, o fato
gera comoção, abalo e desestabilização na família. Não se nega o direito ao dano
moral aos pais do menor vitimado. Mas não é o simples laço familiar que autoriza
o reconhecimento desse direito, e sim a prova cabal de sua verificação,
pressuposto objetivo inafastável. No caso sub exame, não há prova alguma do dano
e pela narrativa suscinta da exordial se pode dessumir que o mesmo inexistiu,
face à omissão e o descaso do autor para com seu filho, abandonando-o à própria
sorte, sujeitando-o às funestas conseqüências de uma criação em plena rua, sem o
afeto, o carinho e o aconchego familiar, impondo-lhe um exílio material e
psicológico em razão dos quais as crianças abandonadas se lançam ao uso da cola
de sapateiro, às aventuras perigosas como as "caronas" em veículos, como os
referidos neste processo, à prostituição infantil, aos furtos, etc. Evidente que
não pode o autor pleitear ressarcimento do dano moral pela falta do menor por
ele exilado, abandonado!
O dano moral deve, realmente, existir para justificar seu pedido. Do contrário:
"... é certo que o infortúnio não pode transformar-se em fonte de enriquecimento
..." (Rev. For., vol. 174/218).
Finalmente, não existe parâmetro algum que justifique o pedido do dano moral em
R$ ....!
Essa fixação deve ser feita de acordo com o padrão de vida da família, suas
condições de subsistência e outros elementos que possibilitem ser a indenização
proporcional e equânime, a fim de manter o equilíbrio de justiça entre a
disponibilidade de quem paga e a necessidade de quem recebe.
Evidentemente que a realidade processual existente nos autos sob nº ...., a que
se refere a inicial, não é a mesma deste processo, não podendo, por isso, os
valores serem os mesmos!
DOS PEDIDOS
Face ao exposto, requer a Vossa Excelência, em preliminar, determine a sustação
do processo, até que sobrevenha decisão definitiva da ação penal, requerida pela
Justiça Pública, contra o preposto do réu, ou, no mérito, julgue improcedente a
ação pelos motivos de fato e de direito argüidos e comprovados, condenando-se o
autor nas custas do processo e nos honorários advocatícios, na forma da lei.
Protesta provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidos,
especialmente pela ouvida das testemunhas já arroladas, depoimento pessoal do
autor, perícia e inspeção pessoal desse r. Juízo na residência da família da
vítima a fim de constatar suas condições de vida e outras provas que se fizerem
necessárias.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]