APELAÇÃO - RAZÕES - AÇÃO DE DESPEJO - FATO NOVO
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA M.M. ___ª VARA CÍVEL.
COMARCA DE ____________ - ___.
Processo nº
Apelação
____________, brasileira, casada, professora, RG nº ____________, CPF nº
____________, residente e domiciliada à Rua ____________, ____, b. ____________,
____________, ___, CEP ____________, por seu procurador ao fim assinado, o qual
recebe intimações à Rua ____________, ____, s. ____, CEP ______-___, Fone/Fax
____________, ____________, ___, nos autos do processo nº ____________, AÇÃO DE
DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO DE ALUGUEL E ACESSÓRIOS DA LOCAÇÃO c/c COBRANÇA
DE ALUGUEL E ACESSÓRIOS movida por ____________, brasileiro, casado,
comerciante, CPF nº ____________, residente e domiciliado à Rua ____________,
____, CEP ______-___, ____________, ___, contra ____________, inconformada com a
R. Sentença de fls. ___, vem respeitosamente apresentar APELAÇÃO, forte nos
arts. 499; 513 e ss., todos do CPC, nos termos das razões anexas.
Isto Posto, requer o recebimento do presente recurso em ambos os efeitos,
encaminhando-se os autos ao E. TJRS bem como a juntada dos comprovantes de
efetivação do preparo.
____________, ___ de __________ de 20__.
p.p. ____________
OAB/
RAZÕES DE APELAÇÃO
Razões da Apelante ____________, na Ação de Despejo por falta de pagamento de
aluguel e acessórios da locação c/c cobrança de aluguel e acessórios, processo
nº ____________, no qual contendem o Apelado ____________ e ____________,
____________ e s/m ____________.
Egrégio Tribunal:
A sentença de fls. ___ dos autos, proferida pelo M.M. Juiz de Direito da ___ª
Vara Cível da Comarca de ____________ - ___, nos autos do processo nº
____________, data maxima venia, deve ser reformada, conforme adiante se aduz:
1. Trata-se de uma ação de despejo cumulada com cobrança de alugueres e
acessórios, em cujo pólo passivo figuram o locatário e fiadores.
2. Não tendo sido localizado o locatário para ser citado, e tendo sido o
imóvel desocupado, o locador desistiu da ação contra o locatário, prosseguindo
somente contra os fiadores.
3. A sentença foi parcialmente procedente, tendo sido os fiadores condenados
a pagar os locativos em atraso e demais acessórios.
4. A Sra. ____________ assinou o contrato na qualidade de fiadora.
5. Como adiante se demonstra em detalhes, o contrato de fiança em que se
baseia a cobrança é nulo.
I - LEGITIMAÇÃO E INTERESSE PARA RECORRER DA APELANTE
6. A Apelante é filha da Sra. ____________, a qual figura como co-Ré no
processo preambularmente identificado.
7. A Sra. ____________ é portadora de graves doenças físicas e mentais.
8. Em razão de tais moléstias, a Sra. ____________ corre risco de vida.
9. Por esse motivo, a Apelante promoveu Ação Cautelar de Produção Antecipada
de Prova, feito tombado sob nº ____________, que tramita junto a ___ª Vara Cível
da Comarca de ____________, ___.
10. No referido processo cautelar, foi a Sra. ____________ submetida a exame
médico, cujo resultado, exarado em laudo psiquiátrico, abaixo se transcreve:
"Examinei a paciente ____________, 76 anos de idade que apresenta sérios
problemas de saúde, tanto físico quanto mentais.
É diabética, tem insuficiência cardíaca, hipertrofia ventricular esquerda e
seqüelas de acidentes vascular cerebral, ocorrida há oito anos.
Do ponto de vista psiquiátrico é quase incapaz de prestar atenção, quando em
diálogo não percebe o que ouve, sua memória para fatos recentes e passados é
totalmente prejudicada, desorientada no espaço e no tempo e em relação a si
mesma.
Quase não tem consciência do que se passa consigo mesma, seu pensamento e por
conseqüência sua linguagem é totalmente desagregado, sua inteligência é normal,
quase não se movimenta e não modula o afeto.
Portanto apresenta um quadro de Demência Vascular, que ocupa CID 10 F 01.
A Demência Vascular é o resultado do infarto cerebral (diabete) doenças
Cérebro Vascular e Cardíacas. Os infartos são cumulativos em seus efeitos. O que
vem acontecendo com a paciente há dez anos.
A paciente por tudo isso não tem condição de gerir sua vida e seus bens, em
definitivo."
11. Tendo em vista a conclusão do laudo psiquiátrico, acima transcrito, a
Apelante está promovendo Ação de Curatela de Interdito, com o fito de ser
decretada a interdição de sua mãe.
12. Até o presente momento, todavia, não existe curador nomeado.
13. Dos fatos acima, sucintamente narrados, verifica-se qual o interesse da
Apelante: a) promover a defesa dos interesses de sua mãe no presente processo,
eis que não ainda não nomeado o curador; b) defender interesses próprios, eis
que, caso mantida a condenação infringida a sua mãe, através da sentença
atacada, o débito haverá de ser executado até as forças da herança.
14. No direito material, ainda, encontra-se suporte a presente intervenção da
Apelante.
15. O art. 168 do Código Civil, diz que: "As nulidades dos artigos
antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério
Público, quando lhe couber intervir."
II - POSSIBILIDADE DE SE CONHECER DO FATO NOVO
16. Do ponto de vista instrumental, aplica-se ao caso o art. 515, do CPC.
17. Em primeiro lugar, porque, uma vez que a ora Apelante não integrava a
lide, não teve oportunidade de fazer alegações anteriormente.
18. Em segundo, porque se trata de matéria examinável de ofício.
19. Conforme entendimento doutrinário, em comentários aos arts. 515 e 517 do
CPC:
"Como resulta dos §§ 1º e 2º [do art. 515], é amplíssima, em profundidade, a
devolução. Não se cinge às questões efetivamente resolvidas na sentença apelada:
abrange também as que nela poderiam tê-lo sido (...). Estão aí compreendidas:
a) as questões examináveis de ofício, a cujo respeito o órgão a quo não se
manifestou - v.g., a da nulidade do ato jurídico de que se teria originado o
suposto direito do autor, e em geral as quaestiones iuris;"
(Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 7ª ed.,
ed. Forense, 1998, p. 439)
"Daí não se relacionar o art. 517 com quaisquer questões que já pudessem ter
sido apreciadas pelo órgão a quo, ainda que este não as haja efetivamente
examinado. Estão, pois, fora do âmbito de incidência do dispositivo:
(...)
b) as questões de fato sobre as quais o juiz inferior podia pronunciar-se ex
officio (...).
Escapam também à incidência do art. 517 as questões de fato porventura
suscitadas, pela primeira vez, na apelação do terceiro prejudicado: não tendo,
até então, participado do processo, não podia ele, obviamente, haver suscitado
questão alguma perante o órgão a quo."
(Barbosa Moreira, ob. cit., p. 449)
20. Caso não se entenda, todavia, que a alegação de fato novo está ao abrigo
da regra do art. 515 do CPC, ao caso em tela pode também se aplicar o disposto
no art. 517 do mesmo diploma legal.
21. Está comprovado, pelo laudo psiquiátrico acostado que a mãe da Apelante,
há dez (10) anos, não tem condições de gerir sua vida e seus bens.
22. Que ela "Do ponto de vista psiquiátrico é quase incapaz de prestar
atenção, quando em diálogo não percebe o que ouve, sua memória para fatos
recentes e passados é totalmente prejudicada, desorientada no espaço e no tempo
e em relação a si mesma. Quase não tem consciência do que se passa consigo
mesma, seu pensamento e por conseqüência sua linguagem é totalmente desagregado
(...)".
23. Não tinha condições, portanto, de aduzir em sua defesa a nulidade do
contrato firmado.
24. O art. 517 do CPC estabelece que:
"As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas
na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior."
25. Barbosa Moreira, ao comentar o art. 517 do CPC, falando sobre "Permissão
de inovar por motivo de força maior", diz que:
"Deve reconhecer-se a ocorrência de tal motivo [força maior], em primeiro
lugar, quando o fato que se traz à apreciação do tribunal ainda não se
verificara até o último momento em que a parte poderia tê-lo eficazmente argüido
no primeiro grau de jurisdição. Assim também quando o fato já se dera, mas a
parte ainda não tinha ciência dele; ou quando, apesar de conhecê-lo, estava
impossibilitada, por circunstância alheia à sua vontade, de comunicá-lo ao
advogado, para que este o levasse à consideração do juiz; ou, enfim, quando ao
próprio advogado fora impossível a argüição opportuno tempore."
(ob. cit., p. 449)
26. O motivo de força maior encontra-se provado pelo laudo psiquiátrico ora
trazido aos autos, produzido na ação cautelar.
27. Além disso, caso não se reconheça a possibilidade de apreciação do fato
novo na segunda instância, há de ser declarada a nulidade do processo, por falta
de intervenção do Ministério Público (art. 246, CPC), o que se fazia necessário
por força do art. 82, I, do CPC.
28. Assim manifestou-se o STF sobre a questão:
"RECURSO - Apelação - Julgamento nulo - Fundada suspeita da incapacidade da
parte no curso do processo - Inobservância do art. 218, §§ 1º e 2º, do Código de
Processo Civil.
INCAPAZ - Reforma de sentença favorável a presumido incapaz sem que lhe tenha
sido dado curador e a assistência do Ministério Público - Nulidade do acórdão -
Recurso extraordinário conhecido e provido para que se renove o julgamento, após
a apuração, na instância do recurso, da existência ou não da alegada
incapacidade da parte."
(RE nº 86.379-6-GO, 2ª Turma, STF, rel. Min. Cordeiro Guerra, pub. RT
521/281).
29. A fls. ___ se verifica que a procuração foi outorgada a um advogado e o
profissional que apresentou contestação em nome da Ré foi outro (fls. ___).
30. Podem, portanto, os eméritos julgadores, caso não reconheçam a
possibilidade de se aproveitar os atos praticados no processo até o momento, não
reconhecendo a permissão legal de se trazer fato novo neste momento processual,
declarar a nulidade do processo, também, pela irregularidade de representação da
parte.
III - O FATO NOVO
31. O art. 166, I, do CCB, dispõe que "É nulo o negócio jurídico quando
celebrado por pessoa absolutamente incapaz".
32. Considera-se absolutamente incapaz "os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses
atos", conforme art. 3º, II, do mesmo diploma legal.
33. Embora ainda não tenha sido encerrado o processo cautelar de produção
antecipada de prova, já existe prova nos autos da condição de incapaz da mãe da
Apelante.
34. E a prova informa que a incapacidade já se constatava à época em que a
Sra. ____________ firmou o contrato de fiança.
35. Pontes de Miranda assim leciona, ao falar a respeito da "Incapacidade por
alguma causa psíquica":
"As enfermidades psíquicas, a debilidade mental e defeitos psíquicos atingem
o conhecimento, o sentimento e a vontade, de modo que o direito teve de atender
a que o homem, pessoa física, nem sempre pode - como seria de esperar-se, se tal
quid não existisse - manifestar conhecimento, sentimento e vontade. Donde ter-se
de pré-excluir a imputabilidade e a validade dos atos jurídicos, se grave o
défice psíquico. Então, a incapacidade começa ipso iure, indo o direito
brasileiro à atitude, até certo ponto radical, de excluir que os chamados lúcida
intervalla possam dar margem à imputação e à validade dos atos jurídicos. A
respeito de tais pessoas, a interdição não é criativa da incapacidade absoluta:
preexiste essa, e a interdição contém elemento de eficácia declarativa."
(Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed., ed. Borsoi, 1970,
p. 208)
36. Por ipso iure entende-se, conforme De Plácido e Silva (Vocabulário
Jurídico, vol. I e II, 3ª ed., ed. Forense, 1993, p. 520):
"E quando a obrigação não se pode estabelecer, porque se funda ou se faz
contrariamente ao que se determina em lei, diz-se que obligatio ipso jure nulla.
Na expressão ipso jure nulla obligatio, a locução vem atestar que nenhum
efeito lhe assiste, porque a própria lei lhe nega. Não há obrigação, seja porque
nela não há causa, ou seja porque sua causa jamais poderia produzir obrigação.
Aliás é o conceito dominante da expressão: - ipso iure, traduz, precisamente,
tudo aquilo que decorre imediatamente da lei, sem que se mostre necessária a
intervenção de qualquer pessoa."
37. Esclarece o mestre Pontes de Miranda, em outra passagem de sua obra:
"No direito brasileiro, afastou-se que alguém, que seja louco e que tenha
intervalos lúcidos, pratique, entre eles, atos válidos. Tal atitude do
legislador brasileiro não nega - no mundo fáctico, que é aquele em que se põe a
resposta à questão '?estava a pessoa durante intervalo lúcido quando praticou o
ato?' - que possa havê-los; apenas, atendendo-se à dificuldade de tal prova,
máxime se já falecido o absolutamente incapaz, não se permite que se levante, no
mundo jurídico, a questão. Tem-se de responder, tão-só, à questão sobre estado
permanente: ?é, ou não, absolutamente incapaz a pessoa de que se trata? Não
importa se já houve, ou se não houve interdição. A interdição por incapacidade
absoluta é, no direito brasileiro, decisão constitutiva, com forte carga de
declaratividade, - não constitui a incapacidade, declara-a imediatamente (****):
declara a incapacidade absoluta preexistente e constitui o regime interdicional.
Nisso, distingue-se da decisão incidenter, afirmativa da incapacidade (declaratividade
*****), em qualquer processo, trate-se de ação declaratória, constitutiva,
condenatória, madamental, ou executiva, em que se possa discutir e se discuta se
alguém é absolutamente incapaz, ou não."
(Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo IV, 3ª ed., ed. Borsoi, 1970,
p. 114)
38. A jurisprudência tem se manifestado no mesmo sentido:
"Decretada a interdição, é indiscutível que a partir desse pronunciamento
surge a suspeita de que a doença mental existia anteriormente, e este pormenor
pode ser provado por qualquer meio, inclusive pela perícia feita no processo da
interdição. O laudo em que se fundar a sentença de interdição pode esclarecer o
ponto, isto é, afirmar que a incapacidade mental do interdito já existia em
período anterior, e o juiz do mérito da questão pode basear-se nisso para o fim
de anular o ato jurídico praticado nesse período pelo interdito. (...)
(RE nº 81.198-MG, Relator Min. Antonio Neder, Primeira Turma, STF, publicado
na RTJ 83/425)
"COMPRA E VENDA - Escritura - Anulação - Interdição da outorgante-vendedora
decretada pouco tempo depois da transação impugnada - Fraqueza mental já
existente ao tempo do ato - Nulidade - Inteligência e aplicação dos arts. 5º,
II, e 145, I, do Código Civil.
A incapacidade do louco se verifica desde o momento em que ocorre a loucura,
não só em decorrência da sentença."
(AC nº 63.302 - TASP, pub. RT 352/352)
"INCAPAZ - Compromisso de venda - Promitente interditado posteriormente por
moléstia mental - Ação de nulidade - Procedência - Apelação não provida -
Embargos infringentes rejeitados.
Todos os contratos feitos por um louco são nulos, provando-se que, ao tempo
do contrato, já era louco."
(EI nº 193.902 - TJSP, pub. RT 436/75)
"INCAPAZ - Débil mental - Compromisso de venda de imóvel vinculado -
Posterior interdição - Ato nulo - Reintegração de posse procedente - apelação
não provida.
Provada a incapacidade mental, antes da interdição, nulo é o compromisso de
venda de imóvel feito pelo interdito, mormente tratando-se de imóvel vinculado."
(AC nº 258.547 - TJSP, pub. RT 503/93)
"INTERDIÇÃO - Sentença que a decreta - Efeitos - Inteligência dos arts. 452
do Código Civil e 1.184 do Código de Processo Civil de 1973.
Embora sujeita à apelação, a sentença que decreta a interdição produz efeitos
desde logo, mas também retroage. A diferença entre a época anterior e a atual da
interdição ocorre apenas quanto à prova de nulidade do ato praticado pelo
insano."
(AC nº 241.356, TJSP, publicado na RT 489/75)
39. Em existindo prova de que a mãe da Apelante, ao firmar o contrato
acessório de fiança, era absolutamente incapaz, há que se considerar nulo tal
negócio jurídico.
40. O laudo pericial acostado é prova suficiente para tal.
IV - PREQUESTIONAMENTO
41. Prequestiona a Apelante os dispositivos legais abaixo arrolados, sem
prejuízo de novo prequestionamento ser feito em embargos de declaração: arts.
3º, II; 104; 166, I; 168 do Código Civil - arts. 82, I; 246; 499; 515; 517 do
Código de Processo Civil.
Isto Posto, requer seja reformada a decisão monocrática, excluindo-se a mãe
da Apelante do título executivo judicial, ampliando-se a responsabilidade do
Apelado pelo pagamento das custas processuais e modificando-se a verba
honorária.
Não sendo esse o entendimento dessa C. Câmara, declare-se nulo o processo,
desde a contestação apresentada, remetendo-se o processo a origem para nova
postulação, instrução e julgamento.
N. Termos,
P. E. Deferimento.
____________, ___ de __________ de 20__.
p.p. ____________
OAB/