Ação civil pública proposta em face de vício na construção de apartamentos.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
(PROCESSO Nº .....)
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ....., por seu órgão que esta subscreve, vem,
respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 129, inciso
III, da Constituição Federal, nos artigos 81, parágrafo único, incisos I, II, e
82, inciso I, ambos da Lei nº 8.078, de 11.9.90 (Código de Defesa do
Consumidor), e nos artigos 2º, 3º e 5º, caput, da Lei nº 7.347, de 24.7.85 (Lei
da Ação Civil Pública), propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ..... e ....., pessoa jurídica de direito privado,
inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro
......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste ato por seu
(sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF n.º .....,
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
A presente ação tem por escopo a tutela jurisdicional dos interesses coletivos e
individuais homogêneos dos consumidores que celebraram contratos de compromisso
de compra e venda com a empresa requerida.
Apurou-se nos autos do Protocolado nº ....., em anexo, que a requerida procedeu
a entrega das unidades habitacionais autônomas do “Conjunto Habitacional.....,
com defeito de construção, o que proporcionou prejuízo patrimonial considerável
aos consumidores que aderiram aos termos do contrato do compromisso de compra e
venda.
Tratando sobre a metodologia que se deve adotar para a determinação de um
direito como sendo difuso, coletivo ou individual, NELSON NERY JÚNIOR, um dos
autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, preleciona que:
"(...). A pedra de toque do método classificatório é o tipo de tutela
jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial.
Da ocorrência de um mesmo fato podem originar-se pretensões difusas, coletivas e
individuais. O acidente com o ....., que teve lugar no Rio de Janeiro há alguns
anos, poderia ensejar ação de indenização individual por uma das vítimas do
evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de
fazer movida por associação das empresas de turismo que teriam interesse na
manutenção da boa imagem desse setor da economia, a fim de compelir a empresa
proprietária da embarcação a dotá-la de mais segurança (direito coletivo), bem
como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das
pessoas, para que se interditasse a embarcação a fim de se evitarem novos
acidentes (direito difuso)" (“Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do
Consumidor”, in Revista de Direito do Consumidor, Ed. Revista do Tribunais, São
Paulo, 1991, p. 202).
KAZUO WATANABE também ensina que a correta distinção entre interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos depende da correta fixação do objeto
litigioso do processo (pedido e causa de pedir). Para o insigne mestre, "o
conflito de interesses pode dizer respeito, a um tempo, a interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos ". A respeito, preleciona:
"Tendo-se presentes, de um lado, os conceitos acima estabelecidos de interesses
ou direitos ‘difusos’, ‘coletivos’ e ‘individuais homogêneos’ e, de outro lado,
a legitimação para agir disciplinada no art. 82 e incisos do Código (cf.
comentários em frente), é necessário fixar com precisão os elementos objetivos
da ação coletiva a ser proposta (pedido e causa de pedir). Esses dados, como é
cediço, têm superlativa importância para a correta determinação do legitimado
passivo para a ação, bem assim para a correta fixação da abrangência da demanda,
e ainda para se saber com exatidão se, no caso concreto, ocorre mera conexidade
entre as diversas ações coletivas ou, ao contrário, se trata de caso de
litispendência ou até mesmo de coisa julgada a obstar o prosseguimento das ações
posteriores.
(...) É na transposição do conflito de interesses do plano extra-processual para
o processual e na formulação do pedido de provimento jurisdicional, que são
cometidos vários equívocos. A tutela de interesses coletivos tem sido tratada,
por vezes, como tutela de interesses ou direitos individuais homogêneos, e a de
interesses ou direitos coletivos, que por definição legal são de natureza
indivisível, tem sido limitada a um determinado segmento geográfico da
sociedade, com uma inadmissível atomização de interesses ou direitos de natureza
indivisível” (“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores
do Anteprojeto”, 4ª edição, Rio de Janeiro, Forense, Universitária, 1995, pp.
507 e 510/511).
Na presente ação, busca-se a defesa de interesses coletivos dos consumidores,
tendo em vista o tipo de tutela jurisdicional colimada.
Com efeito, no que tange ao pedido cominatório de proceder à correção do
acabamento dos edifícios, pode-se falar em direitos ou interesses coletivos, os
quais são definidos pelo Código de Defesa do Consumidor como os transindividuais,
de natureza indivisível, cujos titulares são um grupo ou categoria de pessoas
determinadas. (art. 81, parágrafo único, inciso II).
A Constituição Federal, no art. 129, inciso III, prescreve que são funções
institucionais do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos".
Ademais, a Lei nº 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para o
ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos
causados ao consumidor, em decorrência de violação de interesses ou direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos (vide os artigos 1º, 3º, 5º, caput,
e 21 da LACP).
Por fim, a Lei nº 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor) atribui ao Ministério
Público legitimação para a defesa coletiva dos interesses ou direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos do consumidor (artigo 82, inciso I, c.c. o
artigo 81, parágrafo único, incisos I-II).
DOS FATOS
1. Segundo consta do incluso protocolado, a ré contratou a Construtora......,
mediante a empreitada global firmada em 11.9.1987, decorrente da convocação
geral nº ....., para a construção do ......, nesta municipalidade, composto de
duzentos apartamentos e com preço de custo total por unidade, de R$ .....
2. O conjunto habitacional em apreço é considerado pela requerida .... como de
padrão “médio-superior de acabamento”. Tanto é assim que veio a receber a
denominação usual de “renda média”, já que as “pessoas que compõem esse novo
universo de mutuários possuem maior poder aquisitivo, regra básica para a
comercialização desses imóveis, devido as próprias características de
financiamento” (palavras entre aspas da própria entidade, em sua manifestação de
fls. .....)
3. Os contratos firmados com a coletividade de compromissários compradores
observaram as normas preceituadas pelo Plano de Comprometimento da Renda – PCR,
majorando-se as prestações em conformidade com o percentual e a periodicidade de
atualização do saldo devedor dos contratos.
Tratando-se de recursos financeiros oriundos do FGTS, a atualização do saldo
devedor é feita pelos índices das contas vinculadas ao FGTS ou ao depósito em
caderneta de poupança (cláusula oitava do contrato de fls. .....).
4. O empreendimento em questão foi concluído em ....., data em que a Prefeitura
de ..... emitiu o auto de conclusão e expediu o alvará.
5. O empreendimento possui as seguintes informações gerais, para o arquivo do
registro imobiliário: o tipo de edificação é residencial multifamiliar, em cinco
blocos.
6. Conforme o memorial descritivo, os equipamentos teriam os acabamentos a
seguir mencionados (fls......): elevadores com cabine revestida, bombas de
recalque com motor fechado, louças vitrificadas, ferragens cromadas e metais
cromados (fls. .....).
7. As dependências de uso privativo teriam os seguintes revestimentos e
acabamentos
......
8. As dependências de uso comum teriam o revestimento e o acabamento
discriminado no documento de fls. .....
10. Os moradores do empreendimento habitacional firmaram abaixo-assinado,
requerendo a reavaliação dos imóveis e a redução das mensalidades, devido à
baixa qualidade da construção dos apartamentos (fls. ....
11.Elaborou-se parecer técnico e concluiu-se que:
.....
DO DIREITO
O artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor dispõe:
“O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que ... lhes
diminuam o valor ...”.
E o artigo 25, §1o , da mesma lei, adverte:
“Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão
solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores”.
P1.O artigo 20, § 2o , do Código de Defesa do Consumidor, estabelece, in verbis:
“São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que
razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas
regulamentares de prestabilidade”.
Por fim, o artigo 25, § 2o , elucida:
“Sendo o dano causado por ... serviço, são responsáveis solidários seu ...
construtor ... e o que realizou a incorporação” (grifo nosso).
No caso em testilha, a requerida obteve os serviços de empreita da co-ré ....
que se incumbiu de executar a empreitada global. Entretanto, a obra resultante
desse contrato, cujas unidades habitacionais autônomas são o objeto de duzentos
e setenta contratos de compromisso de compra e venda assinados pelos
consumidores, apresenta uma série de vícios de construção que desvalorizam o
próprio bem, em prejuízo da coletividade de consumidores que se tornaram
compromissários compradores.
A responsabilidade solidária das rés decorre de norma jurídica de ordem pública.
ZELMO DENARI observa:
“Trata-se, no entanto, de solidariedade pura e simples, que não comporta
benefício de ordem, o que significa: o consumidor poderá valer seus direitos
contra qualquer dos fornecedores do produto ou serviço, inclusive contra o
incorporador ...” (“Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do
anteprojeto”, São Paulo, Forense Universitária, 4a edição, p. 182).
Deve-se salientar que o consumidor da unidade habitacional autônoma em
referência é sujeito ordinariamente de parcos recursos financeiros, que dispõe
das economias pessoais de uma vida para adquirir a tão sonhada casa própria.
A execução viciada do serviço de empreitada foi prejudicial aos interesses
patrimoniais dos compromissários compradores e se constitui, a bem da verdade,
em violação do princípio da boa fé objetiva, que deve reger as relações de
consumo, o qual impõe a lealdade na celebração e cumprimento das obrigações
jurídicas, bem como a proteção do consumidor.
A boa-fé é norma de comportamento positivada no artigo 4º, inciso III, do Código
de Defesa do Consumidor, que constitui três deveres principais: a lealdade, a
informação e a proteção.
O jurista lusitano MENEZES CORDEIRO divide os denominados deveres acessórios (ou
secundários) impostos pela boa-fé, em deveres de proteção, deveres de
esclarecimento e deveres de lealdade. Para ele, os deveres de proteção
destinam-se a evitar que as partes inflijam-se danos mútuos (“A Boa-Fé no
Direito Civil”, volume I, Coimbra, Almedina, 1984).
RUI ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a
propósito da aplicação geral da boa-fé, afirma que as pessoas devem comportar-se
segundo a boa-fé, antes e durante o desenvolvimento das relações contratuais.
Esse dever, para ele, projeta-se na direção em que se diversificam todas as
relações jurídicas: direitos e deveres. Os direitos devem exercitar-se de
boa-fé, as obrigações têm de cumprir-se de boa-fé (“A Boa- fé na relação de
consumo”, trabalho apresentado no II Congresso Brasileiro de Direito do
Consumidor, realizado na cidade de Brasília, 1994, o qual foi publicado na
Revista de Direito do Consumidor nº 14, abril/junho 1995, Editora Revista do
Tribunais, p.20 e ss).
A respeito da aludida temática, em outro trabalho, aquele Magistrado enfatiza,
ainda:
"(...) Refiro-me à boa-fé objetiva, que é um princípio geral do Direito, segundo
o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e de
lealdade. O princípio gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes
comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos,
que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas
surgidas em razão da celebração e da exoneração da avença. Além de criar
deveres, impõe limites ao exercício dos direitos, a impedir o seu uso de modo
contrário à recíproca lealdade.
(...) O CDC tem dois enunciados sobre a boa-fé objetiva:
“Art. 4º. (...) III. os interesses dos participantes na relação de consumo devem
ser harmonizados sempre com base na boa-fé”;
(...) Art. 51.
(...) IV - São nulas as cláusulas incompatíveis com a boa-fé”.
Deve, pois, o Poder Judiciário, no exercício de suas funções, dar efetividade e
utilidade ao princípio da boa-fé, garantindo a lealdade nas relações jurídicas.
A execução da obra deveria ter ocorrido de forma tal que o serviço desempenhado
pela ..... pudesse ser considerado adequado, sem as falhas de acabamento
apontadas pelo .....
A defesa coletiva dos interesses dos compromissários compradores objetiva, pelo
exposto, o reconhecimento da existência dos vícios de construção apontados pelo
parecer técnico elaborado pelo ..... (interesses coletivos) e a condenação das
co-rés a reexecutarem o serviço, sem qualquer custo adicional, sob pena de
indenização por perdas e danos (interesses individuais homogêneos).
Desse modo, a atuação do Ministério Público como defensor dos interesses
transindividuais visa a satisfação das necessidades socialmente relevantes dos
compromissários compradores de conjuntos habitacionais.
DOS PEDIDOS
Em face do exposto, o Ministério Público requer:
a) seja determinada a citação dos Requeridos, nas pessoas de seus representantes
legais, pelo correio, a fim de que, advertidos da sujeição aos efeitos da
revelia, a teor do art. 285, última parte, do Código de Processo Civil,
apresentem, querendo, resposta ao pedido ora deduzido, no prazo legal;
b) ao final, seja a presente ação julgada procedente, para o fim de:
b.1) declarar existentes os vícios de construção apontados pelo parecer técnico
do ....., órgão do Ministério Público de..... e as diferenças apontadas nos
quadros sinóticos expostos na presente petição inicial, referentes ao memorial
de dependências de uso privativo e ao instrumento de retificação do memorial
descritivo;
b.2) condenar genericamente a ..... a efetuarem a reexecução do serviço, sem
custo adicional para os consumidores, no prazo de trinta dias, sob pena de
indenização por perdas e danos em favor dos consumidores, cujo quantum debeatur
será apurado em processo de liquidação individual, nos termos dos artigos 95 e
97, do Código de Defesa do Consumidor;
Requer, outrossim:
c) a condenação dos requeridos ao pagamento das custas processuais;
d) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo,
em face do previsto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85 e do art. 87 da Lei nº
8.078/90;
e) sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante entrega dos autos
na Promotoria d.....
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidos em direito,
especialmente pela produção de prova testemunhal e pericial, e, caso necessário,
pela juntada de documentos, e por tudo o mais que se fizer indispensável à cabal
demonstração dos fatos articulados na presente inicial.
Requer, ainda, o benefício previsto no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa
do Consumidor, no que tange à inversão do ônus da prova, em favor da
coletividade de consumidores substituída pelo autor, dada a situação de
hipossuficiência dos consumidores em alusão.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]