Ação civil pública interposta em face de crueldade de animais em rodeio.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ......., por seu representante infra-assinado,
com supedâneo no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, artigo 5°,
caput, da Lei Federal n° 7.347/85, no artigo 103, inciso VIII, da Lei
Complementar Estadual n° 734/93, e com fundamento no artigo 225 da Constituição
Federal, 193 da Constituição Estadual, arts. 1º e seguintes do Decreto nº
24.645/34 e artigo 32 da Lei nº 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998, e pela Lei
Municipal n° 4.161, de 17 de março de 1992, vem, mui respeitosamente, à presença
de Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO LIMINAR
em face de
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE ....., na pessoa de seu representante legal, o
Excelentíssimo Senhor Prefeito ....., que poderá ser localizado no Paço
Municipal e ....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o
n.º ....., com sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado
....., CEP ....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a).
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a
seguir aduzidos.
DOS FATOS
Conforme consta dos documentos em anexo, cujas peças passam a fazer parte
integrante desta petição, as requeridas e seus representantes legais pretendem
realizar nos próximos dias .....,.....,..... e ..... de ..... de ...., o 1º
"Rodeio Show", no Parque ....., Rodovia ......, no bairro ....., nesta cidade de
....., local escolhido pelos organizadores do evento para a prática de
verdadeiras atrocidades e torturas contra animais.
A Administração Pública, ora co-ré, descurando de seu poder-dever de polícia dos
costumes, pretende conceder alvará para a sua realização, mesmo após ter sido
advertida pelas Promotorias de Justiça do Meio Ambiente e Criminal desta Comarca
a impedir a realização do evento, conforme se vê do documento em anexo (docs. a
fls. ..... dos autos do Inquérito Civil ...../.....).
Na aludida festa serão desenvolvidas diversas modalidades com eqüinos e bovinos
e, seguramente, dentre elas: rodeio, pega garrote, fut-boi e mesa da amargura,
além de outras modalidades possíveis de ensejar maus tratos aos animais.
Esta barbárie talvez seja do agrado de alguns, ou até de muitos, e gosto nós não
podemos deixar de respeitar. Na realidade, o que não se pode respeitar é o
abuso, a prática de maus tratos e, até mesmo, a verdadeira crueldade praticada
contra os animais na arena. Diga-se, até, que tal evento poderia ser normal num
tempo muito antigo e retrógrado, sendo certo podermos afirmar que a evolução da
sociedade já não mais admite atrocidades como estas nos tempos modernos, assim
como já condenam muitos, na Espanha e em Portugal, as touradas, verdadeiro
ritual de sacrifício no qual homens e mulheres desafiam um animal, num
"autêntico drama religioso", como descrevera as touradas o poeta García Lorca.
Além de representar uma sórdida selvageria, constitui uma patente ilegalidade,
aqui agravada por ser autorizada pela Administração Pública. Inaceitável o
retrocesso histórico e a degradação dos valores éticos da sociedade
Nas modalidades acima citadas, os animais são submetidos a maus-tratos, golpes
dolorosos, cansaço, crueldades e atos desumanos desmedidos. E pelos documentos
em anexo verifica-se a palavra de profissionais que atestam a ocorrência de
todos estes reflexos aos animais (pareceres - fls. ............).
É sabido que os animais irracionais são dotados de sentimentos e instintos.
Assim, como os animais racionais, sentem dor, medo, angústia, stress, prazer,
desprazer, tristeza etc.
Para o animal pular e saltar, o peão faz uso de equipamentos, como sedém,
esporas, peiteiras e, não raras vezes, chega-se ao absurdo de utilizar-se choque
elétrico, maltratando os animais ainda que por alguns segundos.
O SEDÉM consiste em uma tira feita de crina animal, fortemente amarrada no
flanco inguinal (virilha) do animal, que comprime os ureteres (canais que ligam
os rins à bexiga) e aperta o prepúcio e o pênis ao escroto, tornando, com isso,
o animal bravio e desesperado, pois obriga-o a desvencilhar-se de tal ato,
agressivo e doloroso.
Quando os animais amarrados por esta tira são soltos na arena e recebem um forte
puxão, recebem uma forte compressão na região dos vazios do animal, fazendo com
que ele reaja com coices, enquanto estiver correndo;
As ESPORAS, às vezes pontiagudas, consistem em metais que são usados pelos peões
durante o rodeio, fincados no baixo ventre, peito, pescoço e cabeça do animal.
Tal fato é tão grave que há casos registrados em relação a alguns animais que
foram cegados ao serem atingidos pela espora.
As PEITEIRAS consistem em uma corda de couro amarrada fortemente em volta do
peito do animal, causando-lhe desconforto, dor e lesões no tecido.
Algumas peiteiras são dotadas de sinos e colocados, geralmente, nos bois,
provocando um ruído característico, alterando o estado do animal diante da
elevação drástica da adrenalina. Este incômodo ocasiona uma reação imediata do
animal que procura se desvencilhar do seu instrumento de tortura.
Os peões, de outra parte, costumam utilizar laços para outras modalidades,
dentre elas o "pega garrote", o "laço de oito braças", que provocam constantes
quedas do animal-vítima ao solo, violentamente. Prática comum também é a "mesa
da amargura", onde grupos de pessoas ficam sentados em mesas na arena aguardando
a ação do animal que se lança em direção às mesas e acabam por se ferir.
Frise-se que o animal, de regra, é estimulado com choques e estocadas produzidas
por instrumentos contundentes, a fim de que se torne bravio antes de ingressar
na arena, o mesmo ocorrendo com o "fut-boi". Registram-se casos de fraturas nos
animais, especialmente nos pescoços e nas pernas.
Por estas razões é que diversas entidades de defesa do meio ambiente,
especialmente as organizações de proteção aos animais, condenam esse tipo de
"festa", a qual também é vedada na Inglaterra, país conhecido como exemplo de
respeito ao meio ambiente. E também não é por acaso que a malfadada festa de
rodeio está proibida nas cidades de São Paulo, Santo André, Campinas, Diadema,
Franca, São Bernardo do Campo e Rio de Janeiro, exemplo que deveria ser seguido
por todas as demais cidades do país e, especialmente, a de São José dos Campos e
outras da região.
E, ainda, importante salientar a existência de inúmeros trabalhos realizados
pela Associação Cultural Pau Brasil, Tucuxi e WSPA (Sociedade Mundial para a
Proteção dos Animais), formadas e mantidas pela sociedade civil, que se baseiam
em pareceres de veterinários de renome e que são categóricos em afirmar que os
animais, no curso de um rodeio, são submetidos a maus-tratos e crueldade.
ANTÔNIO FERNANDO BARIANI, zootecnista da UNESP - Jaboticabal, concluiu que:
"... em atividades desta natureza, normalmente são utilizados mecanismos como
sedém, esporas, choques, alfinetes e outros, visando estimular os animais de
forma a deixá-los inquietos, bravios e desesperados para viabilizar o esporte a
que se propõem (...) Agindo desta forma, expõem os animais a torturas e
sacrifícios desnecessários e incompatíveis com a legislação vigente e a nossa
ética profissional" .
MARINA MOURA, Doutora e Professora da USP, com 32 anos de profissão, sentencia:
"... o uso do sedém, instrumento de tortura que consiste em uma corda, muitas
vezes, criminosamente, entremeada de objetos pontiagudos, como alfinetes
encurvados, tachas e anzóis, ao ser amarrado fortemente em volta do abdome,
localizando-se na parte inferior do mesmo entre os testículos e o pênis,
causando lesões de dilaceramento da pele, esmagamento dos cordões espermáticos
com congestão dos vasos, grande edema e até gangrena, ruptura da uretra com
retenção urinária, uremia e morte".
Analisando questão semelhante ocorrida no Rio de Janeiro, em agosto de 1997,
após um rodeio, puderam consignar os insignes peritos ADILSON DE OLIVEIRA e
MARCOS GEOVANI FERREIRA DE MELLO, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli,
que a prática do aludido rodeio submete os animais a maus tratos, relatando
exatamente o que sentem os indefesos animais (fax copiado a fls. 96 do Inquérito
Civil).
Com efeito, os animais pulam não por índole ou por que sentem cócegas, como
dizem alguns, mas porque sentem dor, desespero, medo, raiva, aflição,
insatisfação, incômodo.
Aliás, pode parecer até engraçado, mas reconhece-se na própria cócega um meio de
tortura.
E mais: para aqueles que alegam que somente por alguns segundos o animal é
submetido a uma pressão ou cansaço ou dor, impõe-se lembrar que algumas
contravenções penais e alguns crimes, punidos com maior severidade pela lei
penal pátria, também são praticados em apenas alguns segundos. O fato de alguém
lançar um copo de cerveja contra o rosto de alguém é contravenção penal (vias de
fato). Quantos segundos duram esta conduta? O lançamento de um vidro com ácido
no rosto de alguém (vitriolagem) também dura alguns segundos e deixa marcas para
sempre, além de causar dor. Tal fato é crime (lesão corporal dolosa). O soco
desferido contra alguém também dura alguns segundos. E é crime. Montar em um
animal, aparelhado de instrumentos cortantes ou contundentes, ainda que em
alguns segundos, causa dor, é considerado maus tratos e, agora, é crime (artigo
32, Lei n° 9.605/98).
DO DIREITO
A legislação brasileira é farta na proibição de tal evento. Em defesa dos
animais irracionais encontramos a Constituição Federal, a Constituição Estadual,
a Lei Orgânica do Município e demais leis extravagantes e estatutos.
Consagra o artigo 225, § 1º, inciso VII, da Constituição Federal:
"TODOS TEM DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO, BEM DE USO COMUM
DO POVO E ESSENCIAL À SADIA QUALIDADE DE VIDA, IMPONDO-SE AO PODER PÚBLICO E À
COLETIVIDADE O DEVER DE DEFENDÊ-LO E PRESERVÁ-LO PARA AS PRESENTES E FUTURAS
GERAÇÕES".
E estabelece o seu § 1º:
"Para assegurar a efetividade deste direito, incumbe ao poder público:
(...)
Inciso VII - proteger a fauna e a flora, vetadas na forma da lei as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou
submetam os animais a crueldade".
O artigo 193, da Constituição do Estado de São Paulo informa:
"O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade
ambiental, proteção, controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado
dos recursos naturais, para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e
entidades da administração pública direta e indireta, assegurada participação da
coletividade, com o fim de:
Inciso X - proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais
silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco a
sua função ecológica e que provoquem a extinção das espécies ou submetam os
animais a crueldade, e fiscalizando a extração, produção, criação, métodos,
abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos".
Ressalte-se que maus-tratos e crueldades contra animais constituem, hoje, normas
tipificadas pela legislação penal pátria (artigo 64, da L.C.P.) e, mais recente,
com a promulgação da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que passou a
vigorar a partir de 30 de março futuro, passa a ser considerada crime (artigo
32).
E mesmo antes, previa o Decreto nº 24.645/34 (que trata das medidas de proteção
aos animais), proteção aos animais, coibindo a prática de maus tratos contra os
respectivos, estabelecendo que todos os animais existentes no país merecem
proteção do Estado (artigo 1º). Já o artigo 2º estabelece que, "aquele que, em
lugar público ou privado aplicar ou fizer maus-tratos aos animais, incorrerá em
multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o
delinqüente seja ou não respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que
possa caber".
E o parágrafo terceiro do aludido artigo define o que é maltratar um animal,
estabelecendo que consideram-se maus-tratos:
a) a prática de atos de abuso ou crueldade em qualquer animal;
b) o ato de golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido
do animal;
c) a realização ou promoção de lutas entre animais da mesma espécie ou de
espécies diferentes, touradas e atividades assemelhadas à tourada (em lugares
públicos ou privados), como a farra do boi, a vaquejada e o rodeio.
A referida lei trata ainda sobre castigos violentos contra animais (artigos 8º,
10, 12, 14, 15, 16 e 17).
De outra parte, diz o artigo 32 da nova lei (Lei nº 9.605/98) que constitui
crime:
"Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animal silvestre,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos".
E está pontificado pela Assembléia da UNESCO, em Bruxelas (27 de janeiro de
1978), a declaração universal dos direitos dos animais, mais um documento
importante que condena a prática de abusos e maus-tratos aos animais.
Enfim, a festa do rodeio é ofensiva a tais diplomas legais e deve ser coibida.
Acrescente-se que São José dos Campos sempre foi conhecida e reconhecida como
pólo industrial, inclusive mundialmente, não se podendo admitir que, agora,
passe a ser conhecida e reconhecida como centro da barbárie contra os animais.
Aliás, não é comum nem é estereótipo do brasileiro ser frio, insensível e
agressivo. Brasileiro é povo pacífico, que não admite violência, que condena a
agressão, a qualquer ser vivo, não sendo crível que o Brasil queira perder sua
identidade histórico-cultural para se equiparar ao povo norte-americano ou aos
europeus com seus rodeios ou suas touradas.
Oportuno registrar que a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Regional de Ribeirão
Preto - região onde começaram a se instalar os rodeios (juntamente com
Barretos)-, condenou tal tipo de festa, destacando-se do referido documento a
seguinte observação:
"Sabidamente, inúmeras são as formas de maltratarem-se animais nestes tipos de
espetáculos, com aplicações de estimulantes físicos (esporas, espetos etc), e
até aplicações de estimulantes químicos, o que significa tratamento cruel,
juridicamente falando.
A sociedade moderna tende a dispensar tratamento cada vez mais humanizado aos
animais em geral, o que contribui para o aprimoramento dos costumes.
Vários são os movimentos objetivando coibir espetáculos que submetem os animais
a tratamento cruel, não só no Brasil. Soma-se a isso o fato da cidade de
Ribeirão Preto não ter nenhuma tradição ou vocação para este tipo de espetáculo,
aqui raríssimas e esporádicas vezes apresentados.
Pelo que supra resumidamente pretendeu-se expor, manifesta-se a Ordem dos
Advogados do Brasil contrária a todo espetáculo que submeta qualquer tipo de
animal a tratamento cruel".
E, ainda, mais recentemente, decisões em outras Comarcas confirmaram que a
prática de rodeio é condenável pois maltrata os animais.
Destaque-se aqui que coragem já teve o Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado
ao denegar Mandado de Segurança impetrado por promotores de eventos desta
natureza, que pretendiam obter alvará de funcionamento para a realização de
rodeio, ensinamentos que passamos a reproduzir pois encaixam-se ao presente
caso.
Vejamos:
CONTRAVENÇÃO PENAL - CRUELDADE CONTRA ANIMAIS -CIRCO DE RODEIOS - ESPETÁCULOS
QUE MASCARAM, EM SUBSTÂNCIA, UM SIMULACRO DE TOURADAS - CASSAÇÃO DE ALVARÁ DE
FUNCIONAMENTO - PRETENDIDA VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO - PRETENSÃO
REPELIDA - SEGURANÇA DENEGADA - ILÍCITO PENAL - ATIVIDADE QUE INCIDE EM NORMA
PUNITIVA DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS - INVOCAÇÃO INADMISSÍVEL DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO - Uma vez que a autoridade pública informa que a atividade
exercitada pelo Impetrante, em seu chamado circo de "rodeios" incide na norma
punitiva do art. 64 da Lei das Contravenções Penais, a segurança deve ser
denegada. Ninguém pode pretender direito líquido e certo à prática de um ilícito
penal. Saber se os animais utilizados pelo Impetrante, na realização de seus
espetáculos, eram realmente tratados com crueldade, qual o afirma, com presunção
de verdade, a autoridade pública, constitui matéria de fato, cuja apuração
transcende o âmbito do mandado de segurança. O que, todavia, é fora de dúvida, é
que ninguém pode pretender direito, muito menos direito líquido e certo, a
perpetrar, sob a égide da Justiça, um ilícito penal" (RT 247/105).
Acrescente-se que o estúpido evento não causa ferimentos somente aos animais,
havendo registros também de violência contra os próprios peões e, não menos
possível, a ocorrência de morte ou incapacidades físicas, fatos que podem e
devem ser evitados.
Aliás, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público da Comarca de
Cravinhos andou bem o Poder Judiciário ao reconhecer a necessidade de se coibir
a prática destas atividades de rodeio, tendo sido concedida liminar para
determinar-se a abstenção dos promotores do evento de usarem instrumentos ou
praticarem atos de crueldade aos animais na arena (Processo n° 937/95, daquela
Comarca, ação promovida pelo digno Promotor de Justiça Wanderley Trindade, em
citação feita por Laerte Fernando Levai, em "Direito dos Animais", Editora
Mantiqueira, 1998, p. 73).
Idêntica decisão encontra-se nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA promovida pelo
Ministério Público deste Estado, pelo DD. Promotor de Justiça do Meio Ambiente
Doutor Luís Henrique Paccagnella, em Jaboticabal, no início deste ano, e cuja
decisão inicial foi pela concessão da liminar pleiteada, determinando-se que os
réus da ação, nos rodeios que promoverem ou que participarem, se abstivessem de
utilizar os instrumentos da tortura, como sedéns, esporas, "mesas da amargura",
sinos, peiteiras e quaisquer outros instrumentos que provoquem sofrimento nos
animais, bem como que se abstenham de praticar o "fut-boi" e o "pega-garrote",
sob pena de multa diária (documento em anexo).
E o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, analisando pedido de reconsideração e
suspensão de liminar, em processo de Araçoiaba da Serra-SP (MS 48.925), negou o
pedido, mantendo a decisão nos autos da ação proposta pelo Ministério Público
para impedir a realização do rodeio naquela cidade.
Depreende-se claramente, da análise dos dispositivos mencionados, a
inobservância a dispositivo constitucional perpetrada pelas requeridas, com
evidente abuso na prática das atividades acima mencionadas, da qual decorre a
possibilidade de risco a danos irremediáveis ou irreparáveis aos animais que
participarem desta barbárie, em flagrante contrariedade ao ordenamento jurídico
pátrio vigente e à recente decisão do Supremo Tribunal Federal que, inclusive,
de maneira sábia, já condenou de vez tais atividades, como a farra do boi, a
vaquejada e o próprio rodeio.
A administração pública, na pessoa de seu representante legal, o Excelentíssimo
Senhor Prefeito Emanuel Fernandes, recebeu desta Promotoria de Justiça ofício
assinado conjuntamente por dois Promotores de Justiça desta Comarca, um
criminal, Doutor Laerte Fernando Levai, e outro o que subscreve a presente
inicial, sendo solicitado da Municipalidade já no início do mês de março deste
ano providências para que fosse evitada a realização do rodeio então noticiado
(e não a festa country, com a presença dos artistas anunciados, que não
constitui ilícito algum), sob pena de responder pela omissão em seu poder de
polícia dos bons costumes e da moral coletiva (documento em anexo).
Como ensina o sempre festejado HELY LOPES MEIRELLES, em Direito Municipal
Brasileiro, Editora Malheiros, p. 366,
"... deve o Poder Público reprimir a imoralidade que se manifesta por palavras
obscenas, gestos inconvenientes, ações indecorosas, bem como impedir o exercício
de atividades ilícitas ou propiciadoras de corrupção social. Para tornar efetiva
a polícia de costumes, administração local pode ... interditar ... qualquer
outra atividade recreativa que se revele atentatória à moralidade pública ou
prejudicial ao bem-estar geral; pode negar ou cassar alvará ..."
Continuando, o eminente administrativista arremata:
" ... as infrações relativas à polícia de costumes (contravenções) não são
somente os jogos de azar que acabamos de enumerar, mas também ... o tratamento
cruel de animais (art. 64). Como infrações penais, esses atos antijurídicos
ficam sujeitos à repressão por parte da polícia judiciária, mas a sua prevenção
cabe igualmente à polícia administrativa, através de medidas destinadas a
impedir a formação de ambiente para seu cometimento".
Ora, em relação ao pedido desta Promotoria a resposta foi evasiva, afirmando
mesmo que não haveria por parte da Municipalidade nenhuma forma de proibição ao
rodeio, concordando a co-ré com a realização do evento (fls. 33/34), buscando
apenas evitar o cometimento de maus-tratos.
Portanto, como se vê, a administração omite no seu dever de ofício, ou seja, não
está fazendo valer o seu poder-dever de polícia dos costumes. E mais, a
administração não apenas se omite, como também contribui para a realização do
evento, havendo notícia da participação do seu representante legal nas
festividades de abertura do evento (fls. 7 do Inquérito Civil - grifado).
DOS PEDIDOS
Isto posto, requer-se:
1) diante da farta documentação apresentada, considerando a legislação em vigor,
secundada pela doutrina e jurisprudência, que sejam reconhecidos o "periculum in
mora" e o "fumus boni iuris", pressupostos para a concessão de liminar, e
determine Vossa Excelência o deferimento da liminar, sem prévia oitiva das
requeridas, para o efeito de ser vedada a realização de espetáculo de rodeio e
/ou outro evento semelhante que envolva maus-tratos e crueldade a animais, neste
município e, notadamente, nas dependências da requerida "...................."
ou qualquer outro lugar indicado pelos organizadores para a realização do
evento, sob pena de multa diária de R$ ..... - valor subestimado para o lucro
diário do evento-, apreensão dos instrumentos utilizados em tais espetáculos e
dos respectivos animais (Decreto nº 24.645/34 e Lei nº 9.605/98, esta se em
vigor estiver), sem prejuízo da prisão em flagrante dos responsáveis por crime
de desobediência.
O pedido se faz necessário ante a proximidade da realização do evento, sob pena
de tornar sem efeito as leis em estudo e o fim desta medida (festa marcada para
os dias 14, 15, 16 e 17 de maio próximo futuro).
2) "ad argumentandum tantum", na hipótese de não ser deferida a liminar, o que
não se espera em razão dos motivos acima apontados e que certamente irão coibir
a realização do "Rodeio Show", isso no que se refere ao uso de animais em rodeio
e práticas que constituam crueldade ou maus-tratos aos animais, requer-se a
concessão de liminar onde seja especificado que deverão se abster os peões de
fazer uso de esporas, sejam elas pontiagudas ou não; sedéns; sinos; peiteiras,
tudo para que as requeridas não façam uso de expedientes espúrios para a
realização do evento e que possam mascarar a ocorrência dos danos aos animais,
sob pena de multa diária, nos mesmos moldes estabelecidos no item anterior, sem
prejuízo à prisão em flagrante dos promotores do evento e responsáveis por crime
de desobediência.
3) Posto isto, requer-se a citação das requeridas, na pessoa de seus
representantes legais, para, querendo, responderem os termos da presente ação,
sob pena de revelia e confissão, tudo para o efeito de, ao final, ser julgada
procedente, condenando-as na obrigação de não fazer o ...... RODEIO ........,
mais precisamente no que tange à realização do rodeio no ...... ou de qualquer
outro lugar indicado pelos promotores do evento, seja ele público ou privado,
sob pena de multa diária no valor de R$ .... e demais penas acima, bem como à
condenação da Municipalidade na obrigação de não conceder alvará ou qualquer
outro ato administrativo comissivo ou omissivo a pessoas físicas ou jurídicas
para que promovam os mesmos eventos nos limites deste município, devendo, ainda,
fiscalizar para que seja cumprida a decisão judicial, seja ela provisória ou
definitiva, sob pena de multa diária no importe de R$ ....., sem prejuízo à
apreensão dos instrumentos e dos animais e prisão em flagrante por crime de
desobediência para os responsáveis.
4) Requer-se, ainda, a condenação das requeridas ao pagamento de todas as
despesas processuais e demais encargos de sucumbência.
5) Requer-se a produção de todas as provas em Direito admitidas, especialmente,
depoimento pessoal dos representantes legais das requeridas, provas testemunhal
(rol oportunamente a ser apresentado), documental e pericial, vistorias e
inspeções judiciais.
6) Requer-se, finalmente, se digne Vossa Excelência determinar a expedição de
ofícios às Polícias Civil e Militar deste município a fim de que fiscalizem o
efetivo cumprimento da decisão liminar e sentença final, providenciando-se,
inclusive, o reforço policial no local onde se pretende realizar o evento, a fim
de se evitar incidentes indesejáveis, semelhantes aos que ocorreram em outras
cidades deste Estado onde foi proibida a realização de rodeios, incidentes estes
que visaram única e exclusivamente o descumprimento da ordem judicial.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]