Contestação à representação apresentada contra advogado perante a OAB, alegando-se ilegitimidade de parte e, no mérito, atuação em defesa de cliente e inexistência de ofensas.
EXMO. SR. PRESIDENTE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SEÇÃO DO ESTADO DO
....
Ref.:Autos de nº .../...
REPRESENTAÇÃO
....., brasileiro (a), (estado civil), advogado inscrito na OAB/ .... sob o nº
...., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado
(a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., com
escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade .....,
Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui respeitosamente à
presença de Vossa Excelência apresentar
RESPOSTA À REPRESENTAÇÃO CONTRA SI OFERTADA
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
O petitório reproduzido às fls. .../..., demonstra que o pedido ali contido foi
deduzido em Juízo em nome da empresa .... - qualificada naqueles autos;
evidente, pois, que a responsabilidade decorre do que se encontra alegado e
exposto nesse petitório é da mesma, devendo figurar no pólo passivo de qualquer
medida, na qual se apure responsabilidades derivadas de suposta ofensa à outra
parte.
É que o patrono da causa postula em nome de seu constituinte, E NÃO EM NOME
PRÓPRIO, e por isso, que o conteúdo de seu trabalho (de suas petições),
representa o insurgimento do cliente. Se ofensa deriva da postulação, ela há de
ser imputada ao constituinte jamais ao patrono.
O ementário do Conselho Federal da OAB, 1.994/1.996 dispõe:
"206. Utilização de palavras e expressões firmes que refletem o comportamento da
parte contrária. Infração disciplinar. Inocorrência.
Ementa: 1. Não pratica infração disciplinar o advogado que, na defesa dos
direitos do seu constituinte, lança em petição palavras e expressões firmes que
refletem o comportamento da parte contrária. 2. Recurso a que se nega
provimento." (Proc. nº 1.461/94/SC, Rel. Paulo Alberto dos Santos, j. 7.11.94,
v.u., D.J. de 14.11.94, p. 31.107).
Como se dessume das peças transcritas às fls. .... e ...., a .... não estendeu
sua manifestação à advogada, mas à parte naquele feito. O petitório transcrito
às fls. .... e .... é bem claro ao se referir à DEVEDORA, e unicamente a ela,
jamais mencionando a ADVOGADA. Quando foi firmado que existe a pretensão de
tumultuar o feito, com utilização de proseliltismo, afirmou-se que isso estava
sendo ultimado pela DEVEDORA e não pela advogada.;
Soa claro, pois, que inexiste amparo à advogada para manifestar-se como
ofendida, porquanto, se ofensa houvesse, não seria à advogada, mas à parte
passiva daquela medida (autos de nº ...., ....ª Vara Cível desta Cidade, ação de
indenização por danos decorrentes de acidente de trânsito).
A suposta ofendida falta com a verdade, quando alega que o petitório demonstrado
às fls. ...., foi erroneamente encartado nos autos em que ela figurava como
devedora, e que referido erro há de ser debitado à digna Escrivania. Ora, lê-se
no alto dessa peça fls. .... que esta foi endereçada aos autos de nº ...., cujo
feito é aquele em que a representante figurava como devedora. Conclui-se,
portanto, que não foi a digna escrivania quem laborou em erro, ao encartar o
referido petitório nos autos, mas sim a devedora, a qual encaminhou aquele
pedido aqueles autos de forma impertinente.
Ademais, a representante (supostamente ofendida), não logrou demonstrar, no
presente feito, que, efetivamente, exista outra medida, de interesse do citado
senhor ...., bem como, não demonstrou que, acaso existente medida judicial de
interesse dele, essa causa estivesse ajuizada perante a douta .... desta cidade;
permitindo o raciocínio de que estava agindo de má-fé, para procrastinar o feito
no qual figurava como devedora - causa que se arrastou por muito tempo com
enormes dificuldades para citação das duas rés (mãe e filha), até que se
conseguisse penhorar bens.
Cabe um parênteses: o acidente viário que deu azo àquela ação de reembolso
promovida pela .... contra a representante e sua filha ocorreu no dia .... de
.... de ...., e o efetivo reembolso somente aconteceu em datas de .../.../... e
.../.../..., através de cheques de terceiros. Denota-se, dessa forma, que a
representante somente indenizou os danos, pelos quais era responsável, após
decorridos mais de .... anos do sinistro e somente após esgotados todos os meios
extrajudiciais e judiciais.
Chama a atenção que a suposta ofendida venha pedir providências junto à nossa
Entidade somente agora, depois de ultimado o acordo judicial, que culminou com
os pagamentos das quantias por ela devidas, sendo certo que ela tomou ciência
das expressões ofensivas antes do ajuste entre as partes. O que se quer afirmar
é que, inobstante o teor do Estatuto da Advocacia e da OAB, ainda assim, sua
postura significa perdão, visto que ao permitir escoar tão longo tempo entre a
suposta ofensa e o pedido de repreensão, tendo ainda firmado acordo judicial com
a parte supostamente ofensora, tudo isso implica em perdão tácito, ficando sem
objeto sua representação.
Oportuno relevar que a representação vem desprovida de fundamentação legal,
omitindo-se a autora em descrever quais os fundamentos de sua pretensão, bem
assim deixando de pormenorizar onde residiria a conduta ilegal da ...., ou de
seu advogado. Em outras palavras, o enquadramento legal da representação
inexiste, retirando da medida um de seus fundamentos basilares, o que autoriza
sua extinção e conseqüente arquivamento.
DO MÉRITO
A pretensão da autora deve ser julgada improcedente, pelo que se passa a
demonstrar:
1º) - O parágrafo segundo do artigo segundo da Lei nº 8.906, de 04/07/94 -
Estatuto da Advocacia e da OAB - concorre para absolver o representado, visto
que estipula, em texto que não admite ilação diversa:
"§ 2º - No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão
favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos
constituem múnus público."
Assim, quando o advogado formula petitório, EM NOME DE SEU CONSTITUINTE, está
unicamente buscando a defesa dos interesses de seu patrocinado e para tanto
impõe-se ao bacharel o múnus de alertar para que sejam evitados os atos
procrastinatórios da parte contrária.
A mesma lei, em seu art. 2º, § 3º, assegura que o advogado, "no exercício da
profissão ... é inviolável por seus atos e manifestações ..."
"Ademais, "o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria,
difamação OU DESACATO puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício
de sua atividade, EM JUÍZO, ou fora dele" diz o texto do parágrafo 2º, do artigo
7º da disposição legal retro enunciada."
Ora,
"Inexiste justa causa para a ação penal pelo delito de injúria se as palavras
ofensivas foram proferidas em Juízo, na discussão da causa, apresentando nexo
lógico ainda que remoto, com o objetivo do litígio ou controvérsia. (Red) N.
105.578 - Ituverava - Impte.: Bel. Carlos Nasser - Paciente : José Ferreira de
Assis.
Em parecer da lavra do eminente Subprocurador da Justiça Dr. Francisco Lacerda
de Almeida, manifesta-se a douta Procuradoria Geral da Justiça pela concessão do
"writ", pois "a leitura do memorial apresentado pelo paciente põe em evidência o
nexo entre o litígio e as frases contumeliosas, presente o liame com o objeto da
demanda a que se refere o v. acórdão relatado pelo Juiz Camargo Sampaio (RT
458/353), citado pelo impetrante" (fls.)
Esse é o relatório.
Dispõe o art. 142 do CP, em seu nº I, que não constitui injúria punível a ofensa
irrigada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.
Importa, pois, preliminarmente, saber se a cláusula "na discussão da causa"
acarreta restrição capaz de impor à imunidade legal caráter de relatividade.
Para o insigne Magalhães Noronha, é preciso que o dito ofensivo, manifestado em
juízo, tenha nexo com o objeto da demanda ou ação (Direito Penal", 2ª ed., vol.
II/166) para que caracterize excludente da antijuridicidade.
Trata-se, pois, aquele que ora se examina, de dispositivo de efeito relativo,
eis que vincula a imunidade nele proclamada à conexidade entre a afronta e o
assunto de que cuida a pendência judicial.
Estaria, pois, a descoberto da isenção penal o advogado que, nos debates duma
causa, dissesse ao outro ser ele um marido enganado (cf. Magalhães Noronha,
idem, ilidem).
Entretanto, não é indispensável que o relacionamento entre o agravo e o mérito
da demanda seja direto e imediato.
É do magistério do inolvidável Nélson Hungria: "Mas a alegação injuriosa ou
difamatória deve ter um nexo lógico, ainda que remoto, com o objeto do litígio
ou controvérsia, (Comentário ao Código Penal", 2ª ed., vol. VI/115).
"Tal pensamento (predominante na doutrina dos autores ...), bem como o
sintetizou o eminente Min. Luiz Gallotti, ilustrando-o com significativo
exemplo: "mesmo os excessos serão cobertos pela imunidade, mas há de existir
nexo, ainda que remoto, com a matéria discutida na causa. Assim, se, numa
questão de terras, o advogado diz que o litigante é um ladrão de terras, eu
reconheço a imunidade; não, porém, se dissesse que a esposa do litigante é uma
prostituta" ("Julgados dos Tribunais de Alçada" III/55).
Em suma, relativa que seja a identidade penal da injúria ou difamação proferida
em pretório, pela indispensabilidade de vínculo com o objeto da pendência
judicial, é certo que, para a admissão da existência desse liame, basta que seja
ele de qualquer modo, mesmo que remotamente, relacionado com a matéria em
discussão.
Isto posto, tem-se que, na espécie "sub judice", em memorial oferecido na ação
de indenização proposta pelo querelante contra seu constituinte, porque este,
após outorgar-lhe mandato para intermediação em negócio de compra e venda dum
estabelecimento de serviços de automotores, o teria afastado da transação
causando-lhe danos, despesas e lucros cessantes, o paciente, no fecho daquela
peça processual, escreveu o seguinte: "Ora, MM. Juiz, o autor homem afoito (deve
ser afeito, como lembra o nobre Predominante) a negócios escusos (sic), homem de
negocinhos de esquina, exatamente por não possuir bens, nem ter qualquer
possibilidade pela sucumbência de qualquer tipo de ação, sem possibilidade de
responder por custas ou por despesas de qualquer gênero, faz isto mesmo, bate às
portas da Justiça, com o chapéu na mão, por verdadeiro abuso, já que não tem com
que responder por nada! Isto é um verdadeiro descalabro, isto é abusar, sem o
mínimo pejo, dos pratos da balança da Justiça com pretensões desbridas de que
possam os pratos pender para seu lado, apenas com o peso de suas palavras
falaciosas e sua bazófia" (fls.)
De todo esse trecho o querelante destacou duas expressões, que entendeu
ofensivas de sua dignidade ou decoro: "homem afoito (afeito) a negócios escusos"
e "homem de negocinhos de esquina". E, tendo-as como supedâneo, intentou a
querela contra o paciente.
Ora, como vem salientado no ilustrado parecer de fls., "tais palavras, conquanto
possam ser injustas e desnecessariamente agressivas, estão relacionadas com o
objeto da causa" e esse nexo desborda inequívoco da leitura integral do período
no qual se encerram aquelas contumélias. Nem há, para tanto, que se aprofundar
no exame da prova, como pareceu ao eminente Dr. Juiz de Direito, pois o liame se
entremostra, "ictu oculi", do próprio conteúdo do texto malsinado.
Mas não quis dizer o paciente, embora o fizesse com termos em si mesmos
injuriosos, que, por se tratar o autor da ação de indenização de comerciante de
pequenos negócios e de poucos recursos, arriscava-se, por isso mesmo, sob o
resguardo da impossibilidade de arcar com os ônus porventura decorrentes de
eventual sucumbência, a intentar demanda abusiva, como a proposta contra o seu
cliente.
E se o que disse evidencia-se induvidosamente vinculado ao mérito da causa, em
cujos autos concretizou-se a manifestação, não há fugir à certeza de estar ele
protegido pela imunidade prevista no mencionado nº I do art. 142 do diploma
punitivo.
Assim, sendo, com a instauração da queixa crime por fato despido de
antijuridicidade, "ex vi legis", passou a sofrer o paciente ilegal
constrangimento remediável pela via constitucional.
Concede-se, pois, a ordem impetrada para o fim de se trancar a ação penal
privada intentada contra o paciente, por falta de justa causa.
Presidiu o julgamento o Juiz Barros Monteiro, participando os Juízes Angelo
Gallucci e Dias Filho.(in RT 552/332-4)
Dessume-se, com clareza, que inexiste ofensa quando as palavras "conquanto
injustas e desnecessarimente agressivas" estão relacionadas com o objeto da
causa. No caso vertente, as palavras tidas como ofensivas não são injustas, nem
agressivas, visto que se alegou que a representante não é doutora o que é
verdadeiro, porquanto ela não se doutorou. Também não são agressivas, visto que
colocadas de maneira a alertar o digno Juízo para a procrastinação da lide.
DOS PEDIDOS
Assim colocado e pelo mais que será, certamente, suprido pelo notório saber dos
ilustres Colegas encarregados de examinar a presente questão, requer seja
extinto o processo sem julgamento do mérito, por ilegitimidade de parte. No
entanto, se diverso for o entendimento, seja improvida a manifestação da
representante, por absoluta ausência de amparo ético à sua pretensão, devendo
ser arquivado o processo, sem apenamento ao representado.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]