Ação anulatória interposta por procurador do trabalho,
a fim de anular cláusula de convenção coletiva de trabalho, por prejudicial
ao trabalhador.
EXMO. SR. DR. JUIZ PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA
..... REGIÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, ramo do Ministério Público da União, com sede na
Rua ............, ....., CEP ......, Centro, vem, pelo Procurador que a presente
subscreve, com fulcro no art. 127 caput da Constituição da República c/c o art.
83, I e IV, in fine da Lei Complementar n.º 75/93, propor
AÇÃO ANULATÓRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Os réus avençaram convenção coletiva, em cujo bojo, há cláusula na qual se
pretendeu regulamentar o art. 8o da Lei 9719/98. A malsinada cláusula
encontra-se vazada nos seguintes termos:
Cláusula Décima Segunda - Poderão os trabalhadores de capatazia avulsa serem
escalados sem a observância do intervalo intrajornada de 11 ( onze ) horas, de
que trata o art. 8o da Lei 9719/98, de 27.11.98, considerando as características
peculiares do trabalho avulso de capatazia no.............................,
sujeito às alternâncias da movimentação portuária e das safras, desde que haja
concordância do trabalhador, sendo entendidas como situações excepcionais as
seguintes:
Período de escoamento das safras de açúcar;
Operações com cargas frigoríficas;
Operações com cargas containerizadas;
Operadores com carga sem condições de estocagem na área do Porto;
Nos casos de pique de trabalho.
Nos moldes em que foi vazada, ao invés de regulamentá-lo, a indigitada cláusula
choca-se com o art. 8o da Lei 9719/98. De fato, basta examinar as hipóteses
contempladas na cláusula vergastada, para se extrair a ilação de que se
transbordou os limites da lei. Eis o inteiro teor da sobremencionada norma
legal:
Art. 8o Na escalação diária do trabalhador portuário avulso deverá sempre ser
observado um intervalo mínimo de onze horas consecutivas entre duas jornadas,
salvo em situações excepcionais, constantes de acordo ou convenção coletiva de
trabalho. grifei
E a essa conclusão chegamos por um motivo muito simples. O art. 8o da Lei
9719/98, "norma em branco", assim entendida, aquela cuja regulamentação vem
doutra fonte, de mesma hierarquia ou não ( in casu, convenção ou acordo coletivo
), não constitui "carta branca" para que os sindicatos regulamentem o intervalo
interjornada ao seu alvedrio.
Hão de ser observados os parâmetros fixados em lei. E a lei dispõe que só em
'situações excepcionais', é permitida a supressão do intervalo de 11h entre duas
jornadas. E aqui, impende ressaltar que essa previsão legal guarda sintonia com
a saúde física e mental do trabalhador. A submissão a uma jornada estafante,
além de prejudicar a saúde, torna o trabalhador mais propenso a acidentes.
Do que se extrai um princípio exegético: as situações passíveis de serem
tachadas de excepcionais, devem ser interpretadas restritivamente.
De qualquer modo, fixada a restrição acima, acerca do alcance da expressão:
'situações excepcionais', resta latente o que se deve entender por situação
excepcional. Do art. 61 da CLT, extrai-se princípio que serve de parâmetro para
se chegar ao conceito dessa expressão.
Esse preceito, cujo lineamento é aqui aplicável, mutatis mutandi, é claro ao
dispor que só em situações de: 1- força maior, 2- realização de serviços
inadiáveis e 3- inexecução de trabalho que possa acarretar prejuízo manifesto, é
possível se extrapolar a jornada máxima permitida, já com as horas extras.
No caso vertente, as situações elencadas na cláusula décima sétima da convenção
coletiva, de excepcional, nada têm. De plano, exclui-se a existência de força
maior, como acontecimento inevitável, para o qual não concorreu o empregador,
diretamente ou indiretamente.
De igual modo, é de se excluir a ocorrência de serviços inadiáveis. É que,
nenhuma das situações elencadas na cláusula décima sétima ( acima transcrita )
são inadiáveis, de molde a justificar a submissão do portuário a uma jornada de
7h de um dia a 4h do dia seguinte ( documento junto ).
No que tange ao item "3", ressalte-se que não é qualquer inexecução de trabalho,
do qual decorra prejuízo, que é capaz de autorizar a inobservância do intervalo
interjornada de 11h, com o fim de ultimá-lo. Só aquele trabalho cuja
não-ultimação implique perecimento da própria mercadoria, configurará o prejuízo
MANIFESTO de que cuida a lei.
Por fim, os períodos de 'pique de trabalho' também não se configuram como
situação excepcional. A situação excepcional, hábil a ensejar a inobservância do
intervalo de 11h entre duas jornadas, há de ser interpretada em consonância com
o princípio da razoabilidade.
E não parece razoável submeter o trabalhador a uma jornada de quase 24h, ao
argumento de que há um 'pique de trabalho'. A saúde física e mental do
trabalhador sobrepaira, inclusive, sobre o interesse individual. É que, dada a
sazonalidade do trabalho portuário, muitas vezes o portuário se submete a uma
jornada estafante, com o único objetivo de melhorar sua renda.
Aliás, antes do surgimento da regulamentação do art. 8º da Lei 9719/98, via
convenção coletiva, o Ministério Público já propusera ação civil pública, dentre
cujos objetivos, se inseria a obrigação de fazer, consistente em se observar o
intervalo interjornada de 11h. O que encontrou guarida, em sede de medida
liminar, atualmente vigente.
E as provas enfeixadas no Procedimento Investigatório que fundamentaram a
inicial, já sinalizavam o corriqueiro descumprimento do malsinado intervalo.
Vários autos de infração lavrados pela DRT, bem assim o depoimento do
representante do ........, evidenciam esse fato.
Donde se conclui, também por esse ângulo de visada, que a supressão do intervalo
interjornada de 11h, na forma como proposto, vale dizer, pela ocorrência de
'pique de trabalho', nada tem de excepcional. Ao revés, é acontecimento
corriqueiro.
DO DIREITO
Presentes os requisitos autorizadores para a concessão da tutela antecipada,
vale dizer, a prova inequívoca e o fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação, torna-se ela deferível, com o escopo de se anular a cláusula
décima segunda da convenção coletiva avençada entre os réus.
O primeiro desses requisitos salta aos olhos, já que as situações elencadas como
excepcionais, de excepcionais nada têm. Ferem o princípio da razoabilidade e
conduzem a uma banalização de uma situação que, verdadeiramente deveria se
revestir de caráter excepcional: a submissão hodierna de portuários a uma
jornada de 7h de um dia a 4h do dia seguinte.
Eis a situação com a qual nos deparamos, ao entender que o permissivo contido na
parte final do art. 8º da Lei 9719/98 constitui uma 'carta branca' ao sindicato
para regulamentar esse preceito a seu talante. A saúde física e mental da
coletividade prepondera, inclusive sobre interesses individuais d'alguns
portuários.
Já o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, também resta
patente. A natural demora na entrega da prestação jurisdicional, poderá nos
conduzir a uma vitória de pirro. É que, dada a vigência limitada no tempo, o
provimento jurisdicional definitivo poderá apanhar situação já consolidada pelo
efeito indelével do tempo: a expiração do prazo de vigência da convenção
coletiva.
Do que decorre, por outro lado, que as graves distorções ocorridas no interregno
em que vigeu a convenção, serão imperscrutáveis. Muitos portuários terão sido
submetidos a uma jornada desumana. Quiça alguns acometidos por acidentes de
trabalho, inseridos em situações que deveriam se justificar pela
excepcionalidade. Mas que de excepcional nada tem. Em verdade, é corriqueira.
DOS PEDIDOS
Isto posto, requer o Ministério Público:
a) o deferimento da tutela antecipada para anular a cláusula décima segunda da
convenção coletiva avençada entre os réus.
b) a confirmação da tutela antecipada que ora se espera seja deferida,
julgando-se ao final procedente o pedido formulado na presente ação anulatória,
consistente na anulação da cláusula mencionada acima.
c) que, deferida a tutela antecipada, seja oficiado ao .......- órgão gestor de
mão-de-obra ( Rua..........., s/n. Centro, CEP ..........., ........ )
enviando-se-lhe cópia decisão, já que constitui atribuição dessa entidade,
elaborar a escalação dos trabalhadores portuários avulsos, consoante disposto no
art. 5.º da Lei 9.719/98, do que decorre a repercussão da decisão no seu campo
de atuação.
Requer a citação dos réus para que eles, querendo, ofereçam contestação, pena de
revelia, esperando o Ministério Público a procedência de todos os pedidos.
Protesta por todos os meios de prova em direito admitidos.
Dá-se à causa o valor de R$ .........
Considerando o que dispõe o art. 18, II, "h" da Lei Complementar nº 75/93, art.
41, IV da Lei 8625/93 e art. 1º do Provimento TRT-SCR 01/94, requer o Ministério
Público a NOTIFICAÇÃO PESSOAL E NOS AUTOS dos atos processuais praticados no
presente feito.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]