ESTUPRO - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - CONTINUIDADE DELITIVA - RAZÕES DE
APELAÇÃO
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA COMARCA DE
_________
Processo-crime nº _________
Objeto: apelação de sentença condenatória e oferecimento de razões
Réu preso
_________, brasileiro, solteiro, dos serviços gerais, residente e domiciliado
na Rua _________, nº ____, Bairro _________, nessa cidade de _________,
atualmente, constrito junto ao Presídio Estadual de _________, pelo Defensor
subfirmado, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do
processo crime em epígrafe, ciente da sentença condenatória de folha ____ até
____, interpor, no prazo legal, o presente recurso de apelação, por força do
artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal, eis encontrar-se desavindo,
irresignado e inconformado com apontado decisum, que lhe foi prejudicial e
sumamente adverso.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita a ilustre integrante do parquet, remetendo-o, após
ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de
férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO _________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS EM FAVOR DO RÉU: _________
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pela
eminente e douta julgadora monocrática da Vara da Comarca de _________, DOUTORA
_________, a qual em oferecendo respaldo de agnição à denúncia, condenou o
apelante a expiar pela hedionda pena de (14) quatorze anos de reclusão, dando-o
como incurso nas sanções dos artigos 213 caput e 214 caput, na forma do artigo
69 caput, todos Código Penal, sob a clausura do regime inicial fechado.
A irresignação do apelante, ponto aríete da presente peça, condensa-se e
centra-se em três tópicos assim delineados: primeiramente, repisará a tese da
negativa da autoria proclamada pelo réu desde a primeira hora que lhe coube
falar nos autos, a qual, contristadoramente, não encontrou eco na sentença
repreendida; num segundo momento, discorrerá sobre a ausência de provas
robustas, sadias e convincentes, para outorgar-se um veredicto adverso, em que
pese tenha sido este parido, de forma equivocada pela sentença, ora
respeitosamente reprovada; e, por último, sublevar-se-á quanto ao concurso
material, contemplado no artigo 69 do Código Penal.
Passa-se, pois, a análise da conjunta dos pontos alvo de debate.
Em procedendo-se uma análise imparcial da prova gerada pela demanda, tem-se,
como dado irrefutável, que a mesma é manifestamente anêmica e deficiente, para
ancorar um juízo condenatório.
Observe-se, por relevantíssimo que o réu negou de forma categórica e
convincente a prática dos atos delituosos, o fazendo na seara policial (vide
folhas ____) e no orbe judicial, frente ao julgador togado de então (vide folha
____).
A negativa do réu não foi ilidida na instrução judicial.
Em verdade, a única voz dissonante nos autos, e que inculpa o réu pela
prática do estupro e pelo atentado violento ao pudor, é a proveniente da própria
vítima do tipo penal, a qual pelo artifício da simulação, intenta, de forma
insensata e desassisada incriminar o recorrente.
Entrementes, em que pese a palavra da vítima tenha persuadido, a priori, a
altiva sentenciante, a qual a guindou a qualidade de pedra angular de seu
edifício sentencial, tem-se, que a mesma é impassível de sustentação lógica e
racional, de sorte que remanesceu solitária no ventre de demanda, despida da
menor credibilidade, porquanto não conseguiu - a vítima - arregimentar uma única
voz, no caminhar do feito, que a socorrer-se sua absurda e leviana acusação.
Se for expurgada a palavra da vítima, notoriamente parcial e tendenciosa,
nada mais resta a delatar a autoria do fato, tributado aleatoriamente ao
apelante.
Outrossim, sabido e consabido que a palavra da vítima, deve ser recebida com
reservas, haja vista, possuir em mira incriminar os réu, mesmo que para tanto
deva criar uma realidade fictícia, logo inexistente.
Nesse norte é a mais abalizada jurisprudência, coligida junto aos tribunais
pátrios:
"As declarações da vítima devem ser recebidas com cuidado, considerando-se
que sua atenção expectante pode ser transformadora da realidade, viciando-se
pelo desejo de reconhecer e ocasionando erros judiciários" (JUTACRIM, 71:306)
Demais, é sabido e consabido que cumpre ao órgão reitor da denúncia, provar
pormenorizadamente tudo quanto proclamou na peça pórtica. Fracassando em tal
missão - é a hipótese dos autos - a obra prima pelo mesmo esculpida (denúncia),
marcha, de forma inexorável à morte.
O ônus da prova incumbe a quem alega. Negado os fatos delituosos pelo réu,
cumpriria ao dono da lide, corroborar sua acusação, carreando ao feito prova do
pretenso agir delituoso do apelante, não bastando para tanto, inquirir a vítima,
quando, esta expressamente consignou em seu depoimento policial, que o delito
teria sido presenciado por mais (5) cinco pessoas!(SIC). Vide folha ____ dos
autos.
Assim, como ante dito e aqui repisado a prova colhida no caminhar do feito, é
anêmica e notoriamente sofrível para arrimar um juízo condenatório. O que existe
de concreto nos autos é a palavra serena e harmônica do réu, negando de forma
categórica e convincente o fato, contraposta a palavra da vítima, a qual de
forma tíbia e inconsistente assaca contra o apelante, imputando-lhe o tipo
penal.
Exsurgindo da prova hospedada pela demanda, duas versões dos fatos,
irreconciliáveis e incompatíveis entres si, cumpre dar-se primazia a oferecida
pelo réu, calcado no vetusto, mas sempre atual princípio in dubio pro reu.
Nesse sentido é veicula-se a mais serena e dilúcida jurisprudência, compilada
junto aos pretórios pátrios:
"Inexistindo outro elemento de convicção, o antagonismo entre as versões da
vítima e do réu impõe a decretação do 'non liquet'" (Ap. 182.367, TACrimSP, Rel.
VALENTIN SILVA).
"Sendo conflitante a prova e não se podendo dar prevalência a esta ou àquela
versão, é prudente a decisão que absolve o réu" (Ap. 29.889, TACrimSP, Rel.
CUNHA CAMARGO).
"Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e
convincente, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o
princípio do 'in dubio pro reo', contido no art. 386, VI, do CPP" ( JUTACRIM,
72:26, Rel. ÁLVARO CURY)
Ademais, a condenação na arena penal exige certeza plena e inconcussa quanto
a autoria do fato. Existindo dúvida, ainda que ínfima, deve o julgador optar
pela absolvição do réu. Nesse norte é a mais abalizada e lúcida jurisprudência,
digna de decalque face sua extrema pertinência ao caso submetido a desate:
ESTUPRO - PROVA - PALAVRA DA VÍTIMA - IMPOSSIBILIDADE DE SER RECEBIDA SEM
RESERVAS QUANDO OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS SE APRESENTAM EM CONFLITO COM SUAS
DECLARAÇÕES - DÚVIDA AINDA QUE ÍNFIMA, NO ESPÍRITO DO JULGADOR, DEVE SER
RESOLVIDA EM FAVOR DO RÉU - ABSOLVIÇÃO DECRETADA.
"Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da vítima, em crimes sexuais,
tem relevância especial, não deve, contudo, ser recebida sem reservas, quando
outros elementos probatórios se apresentam em conflito com suas declarações.
"Assim, existindo dúvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve,
naturalmente, ser resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento seu
apelo, para absolvê-lo por falta de provas.(Ap. 112.564-3/6 - 5ª Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 19.2.92, Rel. Desembargador
CELSO LIMONGI, in RT 681/330-332.
ESTUPRO - PROVA
"Embora seja a pedra angular da prova, a palavra da vítima não tem valor
absoluto. Até por ser ela, normalmente, o único condutor do veredicto, qualquer
dúvida, por mínima que seja, deve determinar o non liquet." (Ap. 696128875 - 3ª
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, j.
10.10.96, Rel. Desembargador FERNANDO MOTTOLA, in RJTJRS nº 130, página 128.
"Insuficiente para embasar decreto condenatório simples probabilidade de
autoria de delito, eis que se trata de mera etapa da verdade, não constitutiva,
por si só, de certeza" (Ap. 42.309, TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"O Direito Penal não opera com conjecturas ou probabilidades. Sem certeza
total e plena da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir
condenação" (Ap. 162.055. TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
Aduz-se, que o réu negou o fato que lhe foi imputado desde a aurora da lide.
A tese pelo mesmo argüida, não foi repelida e ou rechaçada pela acusação. Sua
palavra, pois, é digna de crédito, devendo, por imperativo, prevalecer, frente a
versão infecunda declinada (engendrada) pela vítima.
Mesmo, admitindo-se, apenas a título de mera e surrealista argumentação, a
existência, na prova produzida pela demanda, de duas versões dos fatos,
irreconciliáveis e incompatíveis entres si, cumpre dar-se primazia a oferecida
pelo réu, calcado no vetusto, mas sempre atual princípio in dubio pro reu.
Nesse momento é a mais nitescente jurisprudência, parida dos tribunais
pátrios:
"Ainda que plausível, em tese, a versão dada pela acusação aos fatos, deve
prevalecer a presunção de inocência que milita em favor do réu quando o Estado
não prova, estreme de dúvidas, o fato criminoso imputado na ação penal" (Ap.
126.465, TACrimSP, Rel. GERALDO FERRARI).
"Sendo conflitante a prova e não se podendo dar prevalência a esta ou àquela
versão, é prudente a decisão que absolve o réu" (Ap. 29.889, TACrimSP, Rel.
CUNHA CAMARGO).
"Inexistindo outro elemento de convicção, o antagonismo, entre as versões da
vítima e do réu impõe a decretação do non liquet". (Ap. 182.367, TACrimSP, Rel.
VALENTIM SILVA).
Não obstante, o apelante ter plena certeza de sua inocência, insurge-se e
rebela-se quando ao concurso material conferido pela sentença, aos delitos de
estupro e atentado violento ao pudor, o que redundou na indevida exasperação da
pena, balizada que foi em 14 (quatorze) anos de reclusão.
Nesse passo, a denodada sentenciante, deveria - em optando pela condenação do
réu - ter reconhecido por imperativo e inexorável a continuidade delitiva,
contemplada pelo artigo 71 do Código Penal, visto que, ambos os pretensos
delitos imputados ao réu, são da mesma espécie, tendo como bem jurídico tutelado
a liberdade sexual, de uma única vítima.
Nessa senda é a mais candente e alvinitente jurisprudência, que jorra do
tribunais pátrios, digna de transcrição, face sua extrema pertinência ao tema em
discussão:
"Estupro e atentado violento ao pudor têm motivos determinantes e caracteres
comuns. São crimes contra os costumes e visam à satisfação do instinto sexual
mediante violência. A prática de ambos contra a mesma vítima configura, pois,
crime continuado, e não concurso material" (RT 581/289)
"Pratica um crime continuado, e não um concurso material de delitos, aquele
que com um só desígnio, no mesmo momento e local, depois de haver constrangido a
vítima a conjunção carnal, pratica com a mesma o coito anal" (RT 438/358)
"O estupro e o atentado violento ao pudor inseridos no mesmo contexto fático
e tendo por vítima a mesma pessoa comportam enquadramento nos lindes do crime
continuado. São ambos crimes da mesma espécie. Ofendem a liberdade sexual,
objeto de tutela jurídica. ( RT 575/352)
"O fato de o estupro constar no art. 213 e o atentado violento ao pudor no
art. 214, ambos do Código Penal, não constitui óbice ao reconhecimento da
continuidade delitiva" (RT 695/315)
Registre-se, en passant, por oportuno e cabível, que o réu encontra-se na
amarga e contristadora circunstância de responder por um delito que não
praticou; e, o que é mais grave e deletério, está confiado à seja na, tal qual
um semovente, experimentado, toda sorte de infortúnios, vicissitudes e
contratempos, propiciados pelo nefasto confinamento forçado, o qual é execrado
pela jurisprudência, pois importa no cumprimento antecipado da pena (RT
479/298), violando-se, aqui, de forma flagrante e figadal o princípio da
inocência, insculpido no artigo 5º, LVII, da Carta Magna.
Ante, pois, a tal contexto, a desconstituição da sentença, assoma
impreterível, conquanto, a mesma priorizou de forma aleatória a versão esposada
pela vítima, lançando ao anátema a versão testilhada pelo réu. Tal inversão,
contristadoramente, deu azo a condenação, em primeiro grau, do apelante, o qual
busca a rescisão do decisum, eis ancorado na falsa e fantasmagórica versão
oferecida pela sedizente vítima.
Conseqüentemente, a sentença guerreada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama por sua reforma, missão,
esta, reservada aos Insignes e Cultos Sobre juízes, que compõem essa Augusta
Câmara Criminal.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja, num primeiro plano, cassada a sentença judiciosamente buscada
desconstituir, face a manifesta e notória deficiência probatória que jaz reunida
à demanda, impotente em si e por si, para gerar qualquer veredicto condenatório,
absolvendo-se o réu (apelante), forte no artigo 386, inciso VI, do Código de
Processo Penal, não olvidando-se da tese de negativa da autoria, argüida pelo
réu, desde a natividade da lide - em seu depoimento policial e judicial - a
merecer trânsito, pelo artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal.
II.- Na remotíssima hipótese, de não vingar a absolvição, seja reputado como
continuado os delitos a que subjugado indevidamente o apelante pela sentença,
amputando-se da condenação o apenamento relativo ao atentado violento ao pudor,
fazendo-se, incidir, à espécie, a norma do artigo 71 do Código Penal.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Preclaro e Culto Doutor
Desembargador Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de
acordo com o direito, e, sobretudo, restabelecendo, perfazendo e restaurando, na
gênese do verbo, o primado da JUSTIÇA!
_________, ____ de _________ de _____.
DEFENSOR
OAB/