Habeas corpus contra ato de autoridade policial que enquadrou, indevidamente, o réu em crime de estelionato.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE .....
....., brasileiro (a), (estado civil), advogado, OAB nº ....., ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., (procuração em anexo
- doc. 01), com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro
....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem
mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência impetrar
ORDEM DE HABEAS CORPUS
em favor de
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., atualmente recolhido no .... Distrito
Policial, por força de prisão em razão de ordem do Dr. delegado de polícia ....,
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
Em razão da iminência da remessa dos autos do inquérito policial à Justiça
Criminal, o que resultaria, ainda mais do que se encontra, no constrangimento do
Paciente, o Impetrante vem requerer, no presente estágio, in limine, a concessão
de Medida Liminar para SUSPENDER o trâmite do Inquérito Policial em estudo.
DOS FATOS
O Paciente fora indiciado nos autos do Inquérito Policial ora acostado, quando,
à luz deste, originou-se pela emissão de cheques sem provisões de fundos em prol
da empresa ...... (vide doc. ....). Portanto, emérito Julgador, a investigação
está ajoujada à ótica da prática de crime de estelionato.
O Impetrante, junto com o Paciente, foram à Delegacia, onde este prestou seus
esclarecimentos e, para espanto daquele, foram detectadas alguma anomalias
jurídicas que, sem sombra de dúvidas, descaracteriza, por completo, a orientação
de ilícito penal.
DO DIREITO
a) Nenhum cheque foi de emissão do Indiciado.
II.01. Para espanto maior do Impetrante, porque não do próprio Paciente,
verificou-se que os cheques, alvo dos debates, ora acostados, não tiveram
emissão por parte do Paciente.
Ora, Excelência, a Legislação Penal é muita clara e precisa ao delinear que
responderá por crime de estelionato, na modalidade fraude no pagamento por meio
de cheque, aquele que emite a cártula. Não é o caso, podemos constatar com
clarividência.
"Fraude no pagamento por meio de cheque
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe
frustra o pagamento."(grifamos)
Tratou-se, pois, de mero endosso, figura jurídica pertinente, matéria esta a ser
cobrada na esfera cível.
b) Operação de Factoring - Eventual descumprimento contratual.
Seguramente, de outro tocante, não houve razão para abertura do investigatório,
posto que se tratou de uma operação, à primeira vista, de fomento mercantil. Se
houve ilícito, pois, deveria ter sido tratado na jurisdição cível, pelos meios
legais que o caso enseja.
"Simples inadimplemento contratual não configura estelionato ou qualquer outro
ilícito penal"(TACRIM-SP-RHC - Rel Juiz Lauro Malheiros JUTACRIM 50/79)
Não há dúvidas quanto a esta orientação, sobretudo quando a noticiante é uma
empresa de factoring e, mais, fez juntar, inclusive, o contrato que originou a
operação em mira, o qual ora carreamos ao presente.
Portanto, ínclito Julgador, a noticiante detinha, e ainda detém, contrato de
origem lícita e vigente, onde poderá, querendo, cobrar pelas vias necessárias.
Inadvertidamente, entretanto, por ser um meio mais `usual´, fez a cobrança
através do aparato policial.
c) Os cheques foram pré-datados - Garantia de dívida - Desconfiguração do crime
de estelionato.
De outro compasso, resta saber que todos os cheques, lógico - por terem sido
originários de uma operação de factoring - foram pré-datados e, mais, como
garantia de uma operação de fomento mercantil.
Indiscutivelmente não há o ilícito criminal.
" Cheque pós-datado ou pré-datado, como é emitido em garantia, não configura o
crime do §2º, VI, nem o do caput do art. 171 do CP ",E1> (STF Pleno, RTJ 110/79;
STJ, RHC 2.285,mv-DJU 16.11.92, p.21151, in RBCCr 1/227)
"A emissão antecipada, para garantia futura, transforma o cheque em mera
garantia de dívida" (STF, RTJ 101/124; STJ, RHC 613, DJU 6.8.90, p7.350)
"O cheque dado como garantia de dívida está desvirtuado de sua função própria e
não configura o delito" (STF, RT 546/451, RTJ 92/611, Pleno - 91/15; TJDF, Ap.
9.792, DJU 21.8.91, p. 19557)
"A garantia desnatura o cheque, mesmo no caso de frustração do pagamento" (STF,
RTJ 54/82)
d) Justificativas da atipicidade penal da conduta investigada.
Inexiste, portanto, justa causa que autorize o prosseguimento do inquérito
policial, visto que, sobejamente, não apresentam os componentes básicos
imprescindíveis à configuração do estelionato: 1º) ardil ou qualquer outro meio
fraudulento; 2º) induzimento da vítima em erro; 3º) obtenção de vantagem ilícita
pelo agente; 4º) prejuízo alheio.
Em verdade, o que houve entre o Paciente e a suposta vítima, à luz do inquérito,
nada mais foi do que um negócio comercial malsucedido. Não há, portanto, a
figura do estelionato.
"O inadimplemento contratual, mesmo doloso, é mero ilícito civil, não tendo
força para caracterizar o crime de estelionato, simples negócio mal sucedido,
que se resolve no âmbito do direito privado"(TAMG-AC 9.306 - rel. Juiz Ruben
Miranda)"
Dito, pois, que o fato narrado sequer é tipificado como crime em nosso
ordenamento penal, inexiste razão para o prosseguimento do Inquérito. O seu
trancamento deve ser imediato, especialmente para evitar constrangimentos à
pessoa do Paciente.
"De acordo com o disposto no art. 648, I do Código de Processo Penal, a coação
considerar-se-á ilegal, quando não houver justa causa. Tal coação, uma vez
inexistente, autorizará a concessão de habeas corpus para que seja cessada tal
coação, mediante o trancamento da ação penal, ou do inquérito, com o seu
respectivo arquivamento"( in, DO HABEAS CORPUS, pag. 23, 1ª edição, 1991, Aíde
Editora)
É o presente remédio jurídico, neste caso, meio idôneo para o trancamento do
investigatório policial, instaurado contra o Paciente.
"Tem-se decidido que a instauração de inquérito policial por fato absolutamente
carente de criminalidade (RT 518/327 e 518/359, Ac. HC194847, 1ª Câm. Crim. do
TASP em 06.10.77); por fato de sequer em tese configura delito (RT 523/325 e RT
352/278-9); por fato onde o Paciente não teve participação criminosa (Ac 1ª
Turma do STF em 26.06.79 no RHC 57112-3, in Jurisprudência Brasileira 32/176 e
RT 362/248); por fato onde haja ausência de ilícito criminal, não configurando
em tese a infração penal (Ac. 1ª Turma do STF em 18/11/86 no RHC 64373-6-SP, DJU
de 12.12.86, RT 620/367, Ac. 1ª Câm. Crim. do TACRIMSP em 29.11.73 no HC 78525 e
RT 421/238-9) e por fato onde haja flagrante ilegalidade, constatável à primeira
vista (Ac. 6ª Câm. Crim. do TACRIMSP em 18.09.79 no 221809), autoriza a
concessão de HABEAS CORPUS para ter TRANCADO O INQUÉRITO POLICIAL, evitando-se,
assim, gravames à pessoa do indiciado. " (grifo nosso)
DOS PEDIDOS
O Paciente, sereno quanto à aplicação do direito, ao que expressa pela habitual
pertinência jurídica dos julgados desta Jurisdição, espera deste respeitável
Magistrado a concessão da ordem ora pleiteada, quando falta justa causa ao
prosseguimento do investigatório, onde, por via reflexa, PEDE que seja TRANCADO
O INQUÉRITO POLICIAL ORA ACOSTADO, o qual instaurado pelo ilustre Delegado de
Polícia do ... Distrito Policial de .........
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]