Contestação à ação de exoneração de fiança.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
O Espólio de ......... e ............, neste ato representado por sua
inventariante, ..........., qualificada na inclusa procuração, por seus
advogados, infra assinados, com o devido respeito e acatamento, vêm à presença
de V. Exa. para apresentar
CONTESTAÇÃO
à ação de exoneração de fiança movida por ...., pelos motivos de fato e de
direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Inicialmente, cabe informar a este MM. Juízo que ........... e ......... são
falecidos. Por esse motivo, e consoante a norma do art. 43, do Código de
Processo Civil, seu espólio vem se defender, representado por sua inventariante,
..........., protestando pela juntada de cópia da competente certidão de
inventariante.
Um fato extintivo diz respeito ao fato de que a ação declaratória visa,
meramente, a uma declaração quanto a incerteza de uma relação jurídica. Nesse
contexto, na forma do art. 4º do Código de Processo Civil, a prestação
jurisdicional se limita a declarar existente ou inexistente uma relação
jurídica. Assim, o interesse de agir consistiria somente na obtenção desse tipo
de provimento. Entretanto, no presente caso, não há nenhuma incerteza quanto à
relação jurídica existente. Os autores assinaram - e são confessos - na
qualidade de fiadores da .........., conforme comprova o contrato de locação em
anexo. Isso leva à forçosa conclusão de que lhes falta interesse de agir, na
medida em que nenhuma incerteza existe a ser sanada em Juízo. Assim, impõe-se a
extinção do processo, por carência da ação, na forma do art. 267, VI do Código
de Processo Civil, por falta da condição que exige o art. 3º do mesmo diploma
legal.
Outro fato extintivo do presente processo é a falta de citação da afiançada,
posto que neste caso deve existir litisconsórcio necessário, na forma do art. 47
do Código de Processo Civil, já que o contrato de fiança envolve três pessoas:
locador, devedor-afiançado e fiador. A sentença que se der a esta causa afetará
a todos os participantes do contrato, podendo gerar-lhes obrigação, causar-lhes
prejuízo ou, ainda, afetar-lhes seus direitos subjetivos. Será, então, da
validade do processo, sem o que impor-se-á a sua extinção, sem julgamento do
mérito. Em notas ao art. 47 do Código de Processo Civil, Theotonio Negrão
lembra, conforme decisão do STF, que "o litisconsórcio necessário tem lugar se a
decisão da causa propende a acarretar obrigação direta para o terceiro, a
prejudicá-lo ou a afetar seu direito subjetivo" (STF - RT 594/248, em Código de
Processo Civil e Legislação processual em Vigor, Saraiva, nota 3c ao art. 47,
pág. 112).
O presente processo não pode prosperar, também, em virtude de que o contrato de
locação foi extinto por força da decretação do despejo da afiançada, com
condenação em aluguéis e encargos, dada por sentença pelo MM. Juízo da 7ª Vara
Cível do Foro Central, nos autos do processo nº 557/97, em ação de despejo por
falta de pagamento. Daí decorre que falta aos autores interesse de agir, posto
que pretendem exonerar-se de fiança cujo contrato principal foi rescindido pela
sentença proferida naqueles autos.
Por esse motivo, estando a locação já rescindida, inútil será o provimento
jurisdicional pretendido pelos autores, uma vez que buscam, em última análise, a
rescisão de um contrato que já está rescindido. Em suma, a presente ação busca a
desconstituição da fiança prestada, com pedido formulado nesse sentido, de modo
que o Juiz não poderá prestar tutela jurisdicional diversa daquela que foi
reclamada, devendo ser extinto o processo, na forma do art. 267, VI do Código de
Processo Civil.
Por outro lado, os autores, ao assinarem o contrato de locação, formalizaram
espontânea e expressamente sua vontade de garantir a afiançada-locatária
......., conforme resta comprovado pela cláusula 20ª do referido contrato, onde
se obrigaram como fiadores solidários e principais pagadores, até a real e
efetiva entrega das chaves.
Com relação à afiançada, é notório que a personalidade da pessoa jurídica
devidamente constituída é distinta da personalidade de seus sócios, sendo por si
só plenamente capaz de contrair direitos e obrigações. Sua personalidade e
existência legal independem dos sócios que a integram. Por isso, mesmo que se
alegue que houve mudança de sócios, a garantia prestada deve subsistir, na
medida em que não fora ela condicionada à pessoa de nenhum dos sócios então
integrantes da sociedade. Não houve nenhuma mudança na sociedade, não houve
perda da identidade original da empresa afiançada. Sua personalidade jurídica
continua a mesma, continua a mesma pessoa.
Se, por outro lado, tivesse a afiançada sofrido mudança de denominação social,
da finalidade, etc., que importassem em transformação subjetiva, até se
justificaria eventual destituição da garantia prestada pelos autores. Mas não
foi o que aconteceu no presente caso, pois, no contrato de locação, restou bem
determinado quem é a afiançada, qual seu gênero de negócio e quais as obrigações
por ela e seus fiadores assumidas, que em nenhum momento sofreram mudança.
Justamente por isso, é equivocada a jurisprudência em que se fundamentam os
autores, posto que não foi "cedido" o contrato de locação, como pretendem fazer
crer. Continuaram contrato, locador, locatária e fiadores os mesmos durante todo
o período de locação; não houve mudança subjetiva que pudesse justificar a
pretensão dos autores.
Por esses motivos, a fiança concedida deve continuar sendo plenamente eficaz,
eis que a alteração de sócio não têm a força de fazer perder a identidade
original da afiançada.
DO DIREITO
É pacífica na doutrina que a substituição de sócios e a alteração dos estatutos
não determinam necessariamente a extinção da pessoa jurídica, que se mantém
intacta. Até porque não existiu transferência do contrato de locação, nem
modificação na afiançada que pudessem justificar que a fiança concedida não
poderia subsistir. O contrato e as partes nele envolvidas continuam as mesmas.
Outro aspecto importante é que os autores renunciaram expressamente à faculdade
de exoneração do Código Civil, convencionando expressamente que a garantia
prestada seria até a entrega das chaves, como dispõe a cláusula 20ª do referido
contrato, e consoante o que estabelece o art. 39 da Lei 8.245/91. Como o art.
1.500 do Código Civil de 1016 e 835 do Novo Código Civil insere-se no campo das
obrigações, em matéria de direito privado - então norma de direito disponível -
o entendimento majoritário e predominante é de que é renunciável, desde que por
expressa manifestação de vontade, como de fato aconteceu no referido contrato. E
esse entendimento está presente na jurisprudência, em especial na Apelação sem
revisão nº 328.380/3-00, da 3.ª Câmara, julgado de 11/05/93, relator Juiz
Oswaldo Breviglieri, do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:
"Essa norma (art. 1.500 do CC), além de não proibir a renúncia ao poder que
confere, dirige-se às avenças de Direito Privado, como o é o próprio instituto
da fiança. Só não é lícito às partes contratantes disporem de maneira diversa se
as normas ampararem interesses sociais, os chamados interesses de ordem pública.
O art. 1.500 é norma de conduta dispositiva que deixa ao destinatário o direito
de dispor de maneira diversa, até de renúncia às faculdades que confere. A todo
o direito está ínsita a faculdade de disposição e, por conseguinte, se a isto
não se opõem motivos de ordem pública, persiste o poder de abandono ou de
abdicação do próprio direito (ap. 170.268-SP, declaração de voto do e. Juiz
Mello Junqueira)" (JTACSP-RT, 103/300).
E frente à renúncia, consubstanciada na cláusula 10.ª da avença, está a fiadora
impedida de retirar por iniciativa unilateral a caução espontaneamente
oferecida, em consonância com a orientação jurisprudencial segundo a qual:
"Fiadores que voluntariamente assumem a obrigação até a entrega real e efetiva
das chaves não podem socorrer-se da regra do art. 1.500 do CC" (ap. c/ rev.
62.999, 2.ª C., Rel. Juiz Batista Lopes, j. 3.9.90). No mesmo sentido: JTA (RT)
95/258, 103/300, 106/367, 124/269; RT 482/162, 521/184, 593/155, 612/247; ap.
sum. 160.527, 9.ª C., Rel. Juiz Flávio Pinheiro, j. 17.8.83; ap. 166.606, 9.ª
C., Rel. Juiz Marcello Motta, j. 4.4.84; ap. 194.217, 6.ª C., Rel. Juiz Soares
Lima, j. 5.8.86; ap. 197.435, 3.ª C., Rel. Juiz Ferreira de Carvalho, j.
16.9.86; ap. c/ rev. 254.744, 5.ª C., Rel. Juiz Sebastião Amorim, j. 13.2.90;
ap. c/ rev. 268.942, 2.ª C., Rel. Juiz Batista Lopes, j. 21.5.90; ap. c/ rev.
268.039, 5.ª C., Rel. Juiz Sebastião Amorim, j. 8.8.90."
Na doutrina, Nilton da Silva Combre (Teoria e Prática da Locação de Imóveis, Ed.
Saraiva, 4ª ed., pág. 433) lembra que para usar da faculdade do art. 1.500 do
Código Civil "é necessário, todavia, que o fiador não se tenha obrigado como
principal pagador ou devedor solidário, nem tenha renunciado expressamente ao
benefício."
XIII - Na jurisprudência, inúmeros acórdãos confirmam a responsabilidade do
fiador até a entrega das chaves. O 2º Tribunal de Alçada Civil tem entendido
que:
"FIANÇA - Locação - Contrato prorrogado - Subsistência da garantia até efetiva
devolução do imóvel - Aplicação do art. 39 da Lei 8.245/91. Nos termos do
contrato de fiança, e pelo que dispõe o art. 39 da Lei 8.245/91, subsiste a
responsabilidade do fiador pelos débitos subseqüentes ao vencimento do contrato,
até a efetiva desocupação e entrega das chaves do imóvel locado (Ap.s/REV.
430.105, 10ª Câm., rel. Juiz Euclides de Oliveira, j.17-5-95). (2º TACiv São
Paulo -Lei 8.245/91 Anotada, 1996, Saraiva, pág. 48)."
"FIANÇA - Locação - Renovação por tempo indeterminado - Responsabilidade
solidária do fiador que permanece - Encargo que só desaparece com a entrega das
chaves. (Pesquisa jurisprudencial feita no "site" da Revista dos Tribunais -
http://www.rt.com.br)."
"LOCAÇÃO -- Fiança -- Exoneração -- Cláusula de renúncia desse direito que não é
nula -- Manutenção da responsabilidade do fiador como conseqüência da livre
manifestação de sua vontade -- Inteligência do art. 1.500 do CC. (Pesquisa
jurisprudencial feita no "site" da Revista dos Tribunais -
http://www.rt.com.br)."
"Fiadores que voluntariamente assumem a obrigação até a entrega real e efetiva
das chaves não podem socorrer-se da regra do art. 1.500 do CC" (ap. c/ rev.
62.999, 2.ª C., Rel. Juiz Batista Lopes, j. 3.9.90). No mesmo sentido: JTA (RT)
95/258, 103/300, 106/367, 124/269; RT 482/162, 521/184, 593/155, 612/247; ap.
sum. 160.527, 9.ª C., Rel. Juiz Flávio Pinheiro, j. 17.8.83; ap. 166.606, 9.ª
C., Rel. Juiz Marcello Motta, j. 4.4.84; ap. 194.217, 6.ª C., Rel. Juiz Soares
Lima, j. 5.8.86; ap. 197.435, 3.ª C., Rel. Juiz Ferreira de Carvalho, j.
16.9.86; ap. c/ rev. 254.744, 5.ª C., Rel. Juiz Sebastião Amorim, j. 13.2.90;
ap. c/ rev. 268.942, 2.ª C., Rel. Juiz Batista Lopes, j. 21.5.90; ap. c/ rev.
268.039, 5.ª C., Rel. Juiz Sebastião Amorim, j. 8.8.90). Extraído do voto do
Exmo. Juiz França Carvalho, nos autos da Ap.-rev. 328.380/3-00, 3ª Câm., J.
11.05.93, relator Juiz Oswaldo Breviglieri. RT 704/140. (Pesquisa
jurisprudencial feita no "site" da Revista dos Tribunais -
http://www.rt.com.br).
"Não tem direito à exoneração o fiador que renuncia à faculdade prevista no art.
1.500 do Código Civil, pois mesmo sendo o contrato benéfico e de interpretação
restritiva, a fiança deve ser respeitada, persistindo até a entrega das chaves
(Ap. c/ Rev. 256.346, 3ª Cam., relator Juiz Correa Vianna, j. 06.02.90. No mesmo
sentido: RT 482/162, 593/155, 612/147, TACivSP - RT 95/258, 103/300, 106/36.
(Pesquisa jurisprudencial feita no "site" da Revista dos Tribunais -
http://www.rt.com.br)."
"A norma do art. 1.500 do CC é de caráter privado, exclusivamente, sendo válida
a renúncia à faculdade de exoneração do encargo (Ap. s/ Rev. 236.626, 4 ª Cam,
relator Juiz Ferreira Conti, j. 01.08.89).No mesmo sentido: Ap.166.6069ª Cam.,
rel. Juiz Marcello Motta, j. 4.4.84; Ap. sum. 165.405, 5ª Cam., rel. Juiz
Menezes Gomes, j. 30.11.83; Lex 20/34, 37/329, 60/217. (Pesquisa jurisprudencial
feita no "site" da Revista dos Tribunais - http://www.rt.com.br)."
Ademais, nenhuma circunstância ocorreu que pudesse desnaturar a fiança prestada;
não houve novação, confusão, compensação, transação nem remissão que
descaracterizassem a fiança. Continuam, isso sim, os autores responsáveis pelos
locativos e encargos, na qualidade de devedores solidários e principais
pagadores, como estipulado no contrato de locação e na conformidade da Lei do
Inquilinato e demais disposições aplicáveis, e na forma como sentenciado na ação
de despejo por falta de pagamento.
E a fiança assinada não foi sem limitação de tempo, como pretendem fazer crer os
autores, ao se dizerem "escravizados". No caso do contrato o tempo está
limitado, não se estabeleceu uma obrigação perpétua; ali se estabeleceu que sua
responsabilidade ia até a real e efetiva devolução das chaves do imóvel locado à
afiançada. O termo é certo: entrega das chaves, restrito ao tempo de ocupação do
imóvel. Isso fica patente, inclusive em decisão do 2º Tribunal de Alçada Civil
de São Paulo, na apelação s/ revisão nº 328.380/3-00, da 3.ª Câmara, julgado de
11/05/93, relator Juiz Oswaldo Breviglieri: "...Acresça-se que a obrigação tem
prazo certo e não indefinido. O prazo é o do evento de uma determinada condição
contratual perfeitamente definida, ou seja, a entrega, real e efetiva, das
chaves do imóvel locado. E não se conhece da alegação de conluio entre locador e
locatário, porque não invocado na petição inicial, fundada em mera conveniência
da fiadora em exonerar-se da obrigação, frente à prorrogação do contrato de
locação por tempo indeterminado."
Neste processo, o motivo do pedido dos autores é - confessam na inicial - o
inadimplemento da afiançada; daí pretenderem safar-se antes de serem chamados,
por via executiva, a responder, como principais devedores, pelos aluguéis e
encargos, como expressamente se obrigaram no contrato de locação.
E, mesmo que se admita a exoneração dos autores, devem eles responder pelos
aluguéis e encargos, pois os efeitos da fiança permanecem intactos até a
sentença que os exonerar, como determina o art. 1.500 do Código Civil de 1916 e
art. 835 do Novo Código Civil. A sentença não pode produzir efeitos retroativos,
como querem no presente caso.
DOS PEDIDOS
Diante de tudo que foi exposto e pelos documentos anexados, o réu requer a
improcedência total da ação, cominando-se aos autores a condenação nas despesas
de praxe e em honorários advocatícios.
Requer, outrossim, a produção de provas por todos os meios em direito
permitidos, em especial pela juntada de documentos, e outras que se fizerem
necessárias, que desde já ficam expressamente requeridas.
Por fim, requer, para efeito de intimação pela Imprensa Oficial, sejam
observados os nomes de ambos os subscritores, consoante ítem 62, do Capítulo IV,
da Norma de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, no endereço indicado,
anotando-os na contracapa dos autos.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]