OBRIGAÇÃO DE FAZER - MÚTUO - DINHEIRO PARA AQUISIÇÃO DE MATERIAIS DE
CONSTRUÇÃO - CONTRATO DE CONSTRUÇÃO - EDIFICAÇÃO RUDIMENTAR - QUALIDADE INFERIOR
- INADIMPLÊNCIA - RELAÇÃO DE CONSUMO - TUTELA ANTECIPADA - ART 461 CPC - ART 632
CPC - LEI 8087 90
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE .... - DO ESTADO
DO ....
.... (qualificação), portadora da CI/RG n.º .... e inscrita no CNPF/MF sob o n.º
...., residente e domiciliada na Rua .... n.º ...., bairro ...., na Comarca de
...., por meio de seus advogados (mandato incluso), com escritório profissional
na Av. .... n.º ...., bairro ...., na Comarca de ...., vem respeitosamente à
presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 461, 632 e seguintes do
Código de Processo Civil; Lei n.º 8.087, de 11.09.90 (Código de Defesa do
Consumidor), e demais cominações legais aplicáveis, propor:
EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em relação a ...., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob
n.º ...., com endereço na Av. ...., n.º ...., bairro ...., na Comarca de ....
E o faz nos seguintes termos:
DOS FATOS
1. Em .... de .... de ...., a autora assinou com a ...., através de seu
Escritório de Negócios ...., contrato de mútuo de dinheiro para aquisição de
materiais de construção (doc. ....).
2. A quantia contratada - R$ .... (....), seria integralmente utilizada para
compra de materiais de construção a ser aplicado na construção de uma casa em
alvenaria, com .... m2, no lote de terreno n.º ...., quadra ...., da travessa
...., na Comarca de ...., adquirido pela autora junto à ....
3. Com o contrato já em adiantada fase de elaboração, foi indicado à autora, por
funcionários da .... (docs. .... e ....), que assinasse um outro contrato com a
empresa ...., que ficaria responsável pela obra.
4. Como a autora é pessoa economicamente pobre, que não dispõe de outro meio
para construir sua moradia, assentiu e assinou o dito contrato com a empresa
.... (doc. ....), com data retroativa a .... de .... de ...., nas dependências
da ...., na Rua .... n.º ...., na Comarca de ....
5. Só depois disso, então, pôde assinar seu contrato de mútuo com a ....,
oportunidade em que lhe foi dito que o valor contratado seria depositado
integralmente na conta da Construtora e que a .... acompanharia o andamento da
obra.
6. Isto, porém, não foi o que ocorreu, Meritíssimo Juiz. Desde, então, a senhora
.... iniciou uma luta diuturna, desigual e solitária para ver sua casa
construída.
7. Embora tenha fixado um prazo de .... dias para entregar a casa da autora,
a .... simplesmente ignorou a estipulação, vindo a realizar uma edificação
rudimentar, como denunciam as fotografias anexas (docs. .... e ....).
8. Para isso, empregou apenas parte do material adquirido com os recursos da
.... (da mais inferior qualidade existente no mercado), conforme faz prova a
Nota Fiscal n.º ...., de ..../..../.... (doc. ....).
9. Inconformada com a situação, a autora interpelou inúmeras vezes os
representantes da empresa, que sempre protelaram a satisfação da obrigação,
abrigando-se sob as mais diversas alegações.
10. Diante disso, procurou a ...., através de funcionários e da própria
gerência, que se esquivaram, alegando que a relação era diretamente com a
construtora e que nada a instituição financeira poderia fazer.
11. Em duas dessas ocasiões, a autora esteve acompanhada por testemunhas que,
para colaborar com as atividades da Justiça, firmaram declarações sobre a
veracidade dos fatos narrados, e que se encontram devidamente anexadas (docs.
.... e ....) à presente petição.
12. Frente ao criminoso desrespeito de que vinha sendo vítima, a autora efetuou
reclamação junto à Coordenadora Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor
(doc. ....) e registrou ocorrência junto à Delegacia de Crimes contra a Economia
e Proteção ao Consumidor (doc. ....).
13. Foram infrutíferas as providências, pois a .... não cumpriu sua obrigação,
perpetrando considerável dano contra a autora que, também, restou sem qualquer
assistência por parte da ...., que efetuou a totalidade dos repasses relativos
ao referido mútuo, sem verificar in loco o andamento da obra.
14. Mais recentemente, uma parte daquilo que foi construído pela .... acabou
sendo levantada por um terceiro que se dirigiu ao terreno da autora e,
identificando-se como proprietário da loja de materiais de construção onde o
material fora adquirido, retirou portas e vitrôs, levando-os sob a alegação de
"falta de pagamento".
15. Atualmente residindo num imóvel cedido gratuitamente, a autora deveria
desocupá-lo até o último dia .... de ...., a fim de que a proprietária pudesse
utilizá-lo para sua moradia (doc. .... e ....).
16. Trabalhando como ...., a autora percebe mensalmente a quantia de R$ ....
(....) e paga R$ .... (....) a título de prestação mensal pelo mútuo contraído
junto à .... Assim, não dispõe de meios para concluir a construção da casa pela
qual já está pagando, nem tampouco para alugar um novo imóvel, o que a coloca na
iminência do desabrigo.
DO DIREITO
Dispõe a cláusula primeira do "Contrato de Prestação de Serviço" (assim
erroneamente denominado - eis que pressupunha também o fornecimento de
produtos):
"O prazo de entrega é de .... dias, a começar em ..../..../.... e a terminar em
..../..../...., data em que o comprador se obriga a assinar o boletim de
inspeção, se estiver de acordo com o serviço prestado, devendo estar em ótimas
condições de higiene e limpeza, tudo o que foi neste averbado, não sendo o
vendedor responsável por outras benfeitorias realizadas pelo comprador e não
realizadas pela primeira parte, ainda que necessárias, as quais ficarão
incorporadas ao bem em epígrafe."
Não obstante o estipulado, a Incorporadora conseguiu o levantamento da
totalidade do valor contratado (R$ ....) junto à ...., sem realizar a obrigação
acordada: construir uma casa em alvenaria, de .... m2, contendo sala, quarto,
cozinha, banheiro e varanda (doc. ....).
É mais do que evidente que o comportamento da requerida caracteriza
inadimplemento contratual e autoriza a requerente a ajuizar a presente Ação,
visando obter a tutela jurisdicional prevista no artigo 632 do Código de
Processo Civil, a seguir transcrito:
"Quando o objeto da execução for obrigação de fazer, o devedor será citado para
satisfazê-la no prazo que o juiz lhe assinar, se outro não estiver determinado
no título executivo."
Conquanto tenha sido erroneamente denominado o instrumento contratual, sobre a
natureza da obrigação não resta dúvida, é "de fazer", como bem esclarece o
Professor Washington de Barros Monteiro (in Curso de Direito Civil, Editora
Saraiva, 27 Ed., São Paulo, 1994):
"Se o devedor, primeiramente tem de confeccionar a coisa, para depois
entregá-la, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de
dar, tecnicamente, a obrigação é de fazer."
Ocorre, porém, que ao fazer, a Incorporadora fica obrigada a utilizar-se dos
materiais descritos na nota fiscal n.º .... (doc. ....), emitida em
..../..../...., com o fim de levantar os recursos junto à .... O que já não se
verifica na parte da construção que "jaz" sobre o terreno da requerente.
Isto nos reporta ao chamado cumprimento imperfeito das obrigações, que:
"ocorre sempre com o devedor realiza a prestação sem que a parcela corresponda
totalmente ao devido. Em outras palavras, há violação da pontualidade
contratual."
(Paulo Roberto Ribeiro Nalin, in Descumprimento do Contrato e Dano
Extrapatrimonial, Juruá, 1ª ed., 1996, Curitiba).
Nada interessa, pois, à Requerente aceitar a conclusão da obra ora reclamada,
nas condições em que se iniciou, sem observância aos critérios de qualidade do
material e perícia profissional.
A respeito, alinhavamos outra importante lição do autor supramencionado:
"a satisfação do interesse do credor decorre do cumprimento pontual da
prestação, tomando-se a pontualidade não só pelo tempo, mais ainda pelo local e
modo de cumprimento, nos precisos limites do contratado. A pontualidade no
cumprimento da prestação indica a observância, pelo devedor, ao Princípio da
Boa-fé."
E a prática da Incorporadora, eximindo-se de realizar o objeto obrigacional,
ataca frontalmente esse princípio, que é basilar no Contratualismo Moderno. O
"Princípio da Boa-Fé" impõe que, em prol do interesse social de segurança das
relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas,
auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato.
A situação ora posta sob exame da Justiça tem as características de relação de
consumo, disciplinando-se pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90)
e demais normas de ordem pública e interesse social.
Dispõe o Código de Defesa do Consumidor:
"Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou
não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento.
(...)
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do procedimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a
obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º. Para tutela específica ou para a obtenção do resultado prático
equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e
apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de
atividade nociva, além de requisição de força policial."
Assim, Meritíssimo Julgador, entendemos como bem devida a prestação da tutela
jurisdicional de execução de obrigação de fazer, devida por parte da Requerida.
Como a obrigação de fazer assumida pela Executada não lhe priva da liberdade, em
caso desta ser executada, porque não foi cumprida no modo e tempo ajustado, Sua
Excelência poderá determinar a realização, consoante o autorizado no artigo 634
do Diploma Processual Civil, à custa do devedor.
Todavia, é preciso tomar medidas cautelares para assegurar a efetividade da
tutela, escopo maior do processo. Em razão disso, mister se faz que a Requerida
seja condenada a concluir a obra contratada pela Requerente, no local indicado e
utilizando-se dos materiais especificados na Nota Fiscal anexa (doc. ....).
Registre-se, porém, que decorre naturalmente desse pedido, a cominação de
astreinte, para o caso de descumprimento da decisão a ser adotada, já de forma
antecipada, tal como será requerido adiante.
Tendo como substrato o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Processual Civil
(art. 273, caput, e inciso I do CPC), impõe-se a antecipação dos efeitos da
tutela de mérito. Milita em favor da pretendente, ainda, o art. 83 da Lei n.º
8.078/90, que transcrevemos a seguir:
"Art. 83. Para a defesa os direitos e interesses protegidos por este Código, são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e
efetiva tutela."
Pela oportunidade, trasladamos esclarecimentos do festejado processualista
pátrio Nelson Nery Júnior (in Código de Processo Civil Comentado, Ed. Revista
dos Tribunais, 2ª ed., revista e ampliada, São Paulo, 1996, Nota, p. 1710):
"A norma sob comentário (Art. 83 CDC) torna admissível a dedução de qualquer
espécie de pretensão, capaz de propiciar a adequada e efetiva tutela de direito
do consumidor previsto no CDC. Caso a hipótese concreta enseje concessão de
tutela que antecipe a providência de mérito, como forma de propiciar a adequada
e efetiva tutela do consumidor, deve ser concedida pelo juiz com base na
autorização legal da norma comentada. Para tanto, devem concorrer,
cumulativamente, os dois requisitos previstos no CDC 84, § 3º: a) ser relevante
o fundamento da demanda; b) haver fundado receio de ineficácia do provimento
final, caso seja observado o procedimento normal da ação civil. A tutela
antecipatória, portanto, não é restrita apenas à hipótese de obrigação de fazer
ou não fazer. A ampliação do cabimento da antecipação da tutela de mérito foi
expressamente adotada pelo CPC 273, com a redação dada pela Lei 8.952/94,
sistema aplicável às ações coletivas fundadas no CDC e LACP."
Com o fito de fazer fluir o Princípio da Efetividade Jurisdicional sediado na
Constituição Federal, urge a imediata intervenção do Poder Judiciário,
observados os requisitos impostos pelo Diploma Processual Civil, deferindo-se o
pedido de antecipação de tutela, conquanto não ouvida a Requerida, mas, evitando
que se torne inútil - porque tardio demais - o provimento definitivo do mérito.
Afinal, é preocupante a saúde financeira da Requerida. Conforme foi possível
verificar, somente junto ao Cartório do ....º Ofício do Distribuidor da Comarca
de ...., há .... títulos protestados em nome de .... (doc. ....), totalizando
débitos da ordem de R$ .... (....).
Como sabemos, o Decreto-lei 7661, de 21.06.45, autoriza qualquer um dos credores
a requerer declaração de Falência da Executada, o que dificultaria (ou até
impossibilitaria) o atendimento à pretensão da Requerente.
São outras provas inequívocas e suficientes para o provimento: os contratos
anexos e as declarações testemunhais apensadas, adstritas ao compromisso legal
de serem ratificadas em juízo.
Por não ter conseguido construir sua casa, a autora vê-se na iminência de ser
desabrigada pela proprietária do imóvel atualmente ocupado (por empréstimos e
com entrega já sucessivamente postergada) que dele necessita para sua própria
moradia, conforme fazem prova os docs. .... e .... E, ainda, como é pobre e já
está pagando as parcelas - por demais onerosas - do mútuo em questão, a autora
não tem meios para alugar um imóvel, ainda que simplório.
Além disto, pesa a favor da concessão da medida, a obrigação que a autora já
tem, perante a ..../...., de edificar sobre o lote adquirido, sob pena de, não o
fazendo, inadimplir um terceiro e anterior contrato que recai sobre o imóvel.
DO PEDIDO
Diante do exposto, requer-se a Vossa Excelência:
a) com fundamento no art. 273 do CPC, a antecipação da tutela jurisdicional
postulada, initio litis et inaudita altera parte, para considerar a Executada
devedora da obrigação de construir no terreno da Autora uma casa em alvenaria de
.... metros quadrados, contendo sala, quarto, cozinha, banheiro e varanda;
b) seja cominada pena pecuniária de R$ .... (....) por dia, em caso de
descumprimento dos termos da tutela, a fim de que a autora possa transferir-se -
imediatamente - para estabelecimento hoteleiro, afastando-se do iminente
desabrigo;
c) que a Requerida seja citada, na pessoa de seu representante legal e no
endereço constante no início da presente petição, para - querendo - contestar a
presente ação, sob pena de revelia e confissão contra matéria de fato;
d) benefício da assistência judiciária gratuita à Autora, por ser pessoa pobre
na acepção jurídica do termo (doc. ....);
e) a procedência do pedido, em todos os seus termos, a fim de que a Requerida
seja compelida, através de todos os meios judiciais autorizados, a realizar a
obrigação objeto da presente Execução;
f) desconsideração da personalidade jurídica de ...., conforme autorizado pelo
art. 28 da Lei n.º 8.078/90, para tornar indisponíveis todos os bens
patrimoniais dos sócios proprietários;
g)condenação da Requerida ao pagamento da multa de 20% (vinte por cento) do
valor do contrato, conforme convencionado na cláusula sétima do respectivo
instrumento, além de custas processuais, honorários advocatícios e demais
cominações legais.
Mas, caso Vossa Excelência, por melhor juízo, entenda diversamente da pretendida
tutela antecipada (CPC, art. 330, I), - em que pese todo o material probatório
carreado - pede-se:
a) produção de todos os meios de provas em Direito admissíveis especificamente
depoimento pessoal do representante legal da Executada, juntada de novos
documentos, oitiva de testemunhas, perícia no local da obra, e o que mais se
fizer necessário para bem instruir o feito;
b) prosseguimento da Execução de acordo com o disposto no artigo 632 e seguintes
do Código de Processo Civil.
Dá-se à presente causa o valor de R$ .... (....), unicamente para efeitos
fiscais e de alçada.
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
.................
Advogado