CONTRATO DE ADESÃO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ
E CERTEZA - COMISSÃO DE ENCARGOS - MULTA - JUROS DE MORA - COMISSÃO DE
PERMANÊNCIA
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ....ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE .... - ESTADO DO
....
(Distribuição por dependência aos autos nº .../...)
...., .... e ...., por seus advogados ao final subscritos, instrumento
procuratório em anexo, vem respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com
fulcro no art. 736 e demais dispositivos aplicáveis do Código de Processo Civil,
oferecer
EMBARGOS DO DEVEDOR
contra...., pessoa jurídica de direito privado, com sede na Comarca de ....,
inscrita no CNPJ sob o nº ...., pelas razões de fato e fundamentos de direito a
seguir expostos.
DOS FATOS
1. Os autos em epígrafe tratam de ação de execução de título extrajudicial em
que o banco exeqüente, ora embargado, pretende reaver quantia decorrente de
Contrato de Abertura de Crédito, celebrado entre a embargante e o Banco
embargado em .... de .... de ...., garantido por Nota Promissória assinada pela
embargante e avalizada pelos sócios, além da constituição de alienação
fiduciária em garantia sobre os bens móveis descrito às fls. ....
2. Ocorre porém que, o contrato apresenta irregularidades que desrespeitam
dispositivos legais de ordem pública, tais como:
i) comissão de encargos e acréscimos de despesas que obrigam os autores a
ressarcir custos de cobrança cumulados com multas e juros moratórios;
ii) cumulação de verbas compensatórias e moratórias;
iii) verbas compensatórias acima do limite legal;
iv) cumulação de verbas compensatórias e comissão de permanência.
3. Inadmissível a exigência destes valores no processo executivo, eis que,
conforme restará demonstrado, infringem abertamente dispositivos de ordem
constitucional e legal.
4. Ademais, o embargado é carecedor da ação executiva, pois o valor apresentado
não possui a liquidez e certeza exigidas, uma vez que envolve índices cujas
formas de cálculo não são extraídas do contrato.
PRELIMINARMENTE
A AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE
5. De início cumpre salientar que o valor apresentado como devido não se reveste
da liquidez nem da certeza necessária para que possa ser exigido pela via
executiva.
6. Este montante envolve comissões cujos índices, ou forma de cálculo, não se
encontram expressos no contrato. Veja-se a cláusula contratual, a qual prevê a
cobrança de comissão de permanência, nos seguintes termos:
"Cláusula Terceira. (...) pagar (em), durante todo o período de atraso, ao BMC,
além de juros de mora à razão de 1% a.m. (hum por cento ao mês), uma 'comissão
de permanência' calculada segundo um dos critérios abaixo, do qual resultar o
maior valor:"
7. Pois bem, se o contrato não expressa com clareza todo o montante que se
pretende executar, se o cálculo deste não depende de simples operação
aritmética, fica patente a incerteza e a falta de liquidez do título,
acarretando a nulidade da execução, nos termos do artigo 618, I, do Código de
Processo Civil.
8. A jurisprudência, neste sentido, já se pronunciou de forma inequívoca:
"Em princípio, deve o próprio título fornecer todos os elementos para que se
possa aferir a certeza e liquidez do débito." (STJ - 3ª Turma, Resp.
32.875-9-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro,
v.u., DJU 17.05.93, p. 9337, 1ª col., em.).
"Título executivo extrajudicial, previsto no artigo 585, II, do CPC, é o
documento que contém a obrigação incondicionada de pagamento de quantia
determinada (ou entrega de coisa fungível) em momento certo. Os requisitos da
certeza, liquidez e exigibilidade devem estar ínsitos no título. A apuração de
fatos, a atribuição de responsabilidades, a exegese de cláusulas contratuais
tornam necessário o processo de conhecimento, e descaracterizam o documento como
título executivo." (RSTJ 8/371).
9. Somando-se a isso, em momento algum foi apresentada pelo embargado, nos autos
da execução embargada, um demonstrativo de cálculo com minuciosa descrição do
suposto débito.
A descrição do cálculo efetuado bem como dos índices de atualização e acréscimos
utilizados, são imprescindíveis na seara do processo de execução.
Foi tão somente trazido na inicial de execução um "demonstrativo" (fls. ....)
que aleatoriamente indica alguns valores e sua respectiva soma - quantum
debeatur -, nada mais que isso. Desta forma, é inconteste a total ausência de
exigibilidade, liquidez e certeza do montante correspondente ao valor exeqüendo.
10. Vale dizer, ainda, que o demonstrativo apresentado com a inicial, como prova
documental, é insuficiente para a comprovação do débito, o que enseja a
obrigatória realização de perícia contábil no referido demonstrativo, o que
desde já se requer.
DO DIREITO
A QUESTÃO VISTA SOB O ÂNGULO DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR
11. Os elementos que integram a relação de consumo fazem-se presentes no
instrumento contratual que é objeto de análise, o que implica na aplicação do
Código de Defesa do Consumidor.
O embargado enquadra-se na definição do art. 3º do CDC ao subsumir-se à condição
de comerciante de produtos e prestador de serviços. As instituições financeiras
são comerciantes de produtos por força de disposição do art. 119 do Código
Comercial e art. 2º, § 1º da Lei das Sociedades Anônimas. Dos produtos que a
instituição financeira comercializa - o dinheiro -, tem especial relevância
enquanto bem juridicamente consumível, como o são as demais mercadorias em
geral. Quanto à natureza dos serviços prestados pelo requerido na situação em
exame, o legislador foi expresso ao incluir como objeto da relação de consumo a
expressão "natureza bancária" ao conceituar serviço no § 2º, do art. 3º, do CDC.
É nesse sentido a primorosa lição do eminente professor paulista Nelson Nery
Júnior.
"Os bancos são comerciantes de produtos (art. 119, do Código Comercial; art. 2º,
§ 1º da Lei das S/A) e também prestadores de serviços, de sorte que sempre são
considerados fornecedores para o CDC (art. 3º, caput, para o BANCO COMERCIANTE
DE PRODUTOS, e art. 3º, § 2º, para o BANCO PRESTADOR DE SERVIÇOS. Dos 'produtos'
vendidos pelo banco, o dinheiro tem relevância como bem juridicamente consumível
(art. 51 do Código Civil), como o são as mercadorias em geral." (in Os
Princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Revista de
Direito do Consumidor nº 3. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1992).
12. No outro polo da relação encontram-se a embargante, na qualidade de
mutuária, e os sócios como consumidores, nos termos da definição do art. 2º, do
CDC. A embargante é pessoa jurídica, tendo adquirido os produtos e serviços da
instituição financeira como destinatária final, para o incremento de suas
atividades produtivas. Está presente, pois, o requisito finalístico contido na
norma. A atividade da requerente impede que repasse os produtos e serviços
obtidos junto ao fornecedor para terceiros estranhos à relação de consumo.
13. Assim sendo, as irregularidades apontadas deverão ser consideradas sob a
ótica do Código de Defesa do Consumidor, a fim de que se dê a efetiva e adequada
tutela que se faz merecedora a requerente em razão do pólo em que ocupa na
relação jurídica "sub judice", sendo-lhe devidos todos os direitos e garantias
de ordem material e processual propiciados pelo Código de Defesa do Consumidor.
14. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça , em recente
julgamento:
"CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Bancos. Cláusula penal. Limitação em 10%.
1. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo
3º, § 2º, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A
circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária,
transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o
descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco.
2. A limitação da cláusula penal em 10% já era do nosso sistema (DEC.
22.926/33), e tem sido usada pela jurisprudência quando da aplicação da regra do
artigo 924 do CC, o que mostra o acerto da regra do artigo 52, parágrafo 1º, do
CODECON, que se aplica aos casos de mora, nos contratos bancários.
Recurso não conhecido." (Resp. nº 57974-0/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Rosado de
Aguiar, p. em 29/05/95, DJU I, p. 15.524).
NORMAS DE ORDEM PÚBLICA
15. As disposições exaradas no Código de Defesa do Consumidor são normas de
ordem pública impedindo, portanto, que as partes disciplinem relações de forma
diversa aos princípios e comandos dispostos no aludido diploma.
16. A definição do que sejam normas imperativas ou de ordem pública nos é dada
pela inigualável clareza e erudição de Miguel Reale.
"Ordem pública aqui está para traduzir a ascendência ou primado de um interesse
que a regra tutela, o que implica a exigência irrefragável do seu cumprimento,
quaisquer que sejam as intenções ou desejos das partes contratantes ou dos
indivíduos a que se destinam. O Estado não subsistiria, nem a sociedade poderia
lograr seus fins, se não existissem certas regras dotadas de conteúdo estável,
cuja obrigatoriedade não fosse insuscetível de alteração pela vontade dos
obrigados." (Lições preliminares de direito, 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 1988,
p. 131).
17. A principal conseqüência de uma norma jurídica de ordem pública é a
impossibilidade das partes contratantes afastarem sua incidência Segundo o
citado mestre:
"Quando certas regras amparam altos interesses sociais, os chamados interesses
de ordem pública, não é lícito às partes contratantes dispor de maneira
diversa." (Idem, p. 131).
18. É exatamente o que pretende o embargado, ao estipular cláusulas contratuais
que desrespeitam regras constitucionais, ordinárias, entre outras, o Código de
Defesa do Consumidor e instruções do Banco Central do Brasil, como adiante se
verá.
CONTRATOS DE ADESÃO
19. O contrato executado, como a maior parte dos contratos bancários, se
constitui em contrato de adesão, que segundo a conceituação do artigo 54, da Lei
nº 8.078/90, são aqueles cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o
consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
20. A embargante, enquanto consumidora, por força da extensão conceitual feita
pelo artigo 29, da Lei nº 8.087/90, segundo o qual, para fins do Capítulo V do
CPC (Das Práticas Comerciais) e do Capítulo seguinte (Capítulo VI - Da Proteção
Contratual), possui proteção especial em se tratando de relação de consumo
ajustada através de contrato de adesão.
Normalmente quando o consumidor procura um estabelecimento de crédito,
pretendendo a contratação de qualquer serviço ou obtenção de financiamento, o
faz por necessitar muito do crédito pretendido.
21. Nesta situação, não se pode dar ao luxo de discutir as cláusulas da avença,
especialmente quando o banco fornecedor, já apresenta o instrumento contratual
elaborado, restando ao consumidor, aderir a ele ou não. O fato do tomador de
dinheiro aderir a este contrato, não significa que tenha tomado conhecimento
integral do seu conteúdo, nem que esteja de acordo com as cláusulas ajustadas.
Raras as vezes, sequer é propiciado ao empresário ler atentamente as condições
contratuais.
22. Desta forma, a cláusula inserida em contrato de adesão, que desatenda os
parâmetros ditados pelo CDC, é nula de pleno direito, conforme expressamente
dispõe o art. 51 desta lei.
23. Portanto, tem sido utilizado pelo Banco o contrato de adesão, não resta
dúvida de que, evidenciada qualquer cláusula ou condição que afronte o Sistema
de Proteção ao Consumidor, restará ao embargante, na qualidade de consumidor da
instituição financeira, a revisão de tais condições, com o intuito de adequá-la
para o restabelecimento do equilíbrio contratual, ou, até, pleitear a declaração
de nulidade da mesma, dependendo do caso.
24. As cláusulas a seguir enumeradas mostram-se excessivamente onerosas à
requerente, caracterizando abusividade por parte da Instituição Financeira - Ré,
consubstanciando desrespeito pelas seguintes normas cogentes do CDC:
* COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - possibilidade de cobrança de taxas por fator
estabelecido unilateralmente pelo Banco (inciso X, art. 51, c/c inciso III, do §
1º do art. 51);
* JUROS MORATÓRIOS ILEGAIS - estabelece juros de mora acima do limite legal
(art. 52, § 1º);
* COMISSÃO DE ENCARGOS, ACRÉSCIMOS E DESPESA PARA LIQUIDAÇÃO DO CRÉDITO - obriga
a requerente a ressarcir custos de cobrança cumulados com os estipulados como
mora e multa contratual (inciso XII, art. 51);
25. Ao lado destas cláusulas que afrontam as normas de ordem pública enumeradas
soma-se a falta de cláusulas com caracteres ostensivos, legíveis e com destaque
(§§ 3º e 4º, do art. 54, do CDC), e multa superior a 10% (§ 1º, do art. 52) pela
cumulação dos encargos.
ILEGALIDADE DA COBRANÇA COM CUMULAÇÃO DE VERBAS, COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E
ANATOCISMO
26. As cláusulas do contrato firmado entre as partes contêm ilegalidade que
deverão ser declaradas a fim de não lesar a embargante, que contratou com
boa-fé.
27. A comissão de permanência nada mais é do que correção monetária acrescida de
juros superiores aos normalmente praticados no mercado. A cobrança de comissão
de permanência cumulada com correção monetária do débito ou com outras taxas de
juros configura, pois, prática ilegal.
28. Veja-se, por exemplo, trechos extraídos do voto do Ilustre Ministro Sálvio
de Figueiredo nos Embargos de Divergência nº 4.909 - MG, julgado em 09/09/91 (in
LEX - 29 JSTJ e TRF, p. 46).
"Como salientei anteriormente, se resoluções do Banco Central autorizam os
Bancos 'cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação
de seus débitos além dos juros de mora na forma da legislação em vigor, comissão
de permanência, que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato
original ou à taxa de mercado do dia de pagamento', evidencia-se que a comissão
de permanência não apenas constitui meio de pressão sobre o mutuário para a
quitação pontual do débito, mas também mecanismo de atualização do crédito, de
acordo com as taxas de mercado. Em síntese, a comissão de permanência, ao lado
de seu aspecto remuneratório, acentuado nos v. acórdãos do Pretório Excelso,
também contempla o aspecto atualizador da moeda, razão pela qual, ao meu juízo,
ressalvando posicionamento mais lúcido, a indiscriminada cumulação dessa
comissão com a correção monetária, destinada à atualização da nossa moeda,
constitui injustificável abuso, que o Direito não pode abrigar, sobretudo quando
se conhece a realidade econômica brasileira, na qual a população se mostra cada
vez mais pobre e as instituições financeiras apresentam anualmente balanços com
superavits cada vez mais opulentos."
Impossível, pois, cobrar-se o débito com a cumulação pretendida, sendo
necessário a vedação de sua aplicação ao presente caso, pelo controle
jurisdicional.
29. Por sua vez, na forma como está prevista no contrato, não poderá ser
utilizada como verba remuneratória, uma vez que a fixação de sua taxa ficou
exclusivamente a critério do Banco, infringindo o inciso X, do artigo 51, bem
como o inciso II do artigo 52, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
"Art. 52 - No fornecimento de produtos ou serviços que envolva a outorga de
crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá entre
outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
(...)
II - montante de juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;"
30. Portanto, inexiste permissivo legal que contemple a possibilidade de
cobrança de taxa de comissão de permanência da forma exigida pelo Banco.
31. Além da enumeração destas cláusulas, que são nulas de pleno direito, por
cominarem exações vedadas por lei de ordem pública, o Banco está fazendo incidir
na cobrança dos valores em atraso, taxas de juros de forma cumulativa, o que
constitui-se em prática defesa pela Resolução nº 1.129 do BACEN, a qual veda a
cobrança de qualquer outra taxa de remuneração além da comissão de permanência e
dos juros de mora.
32. Prepondera, no Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que é vedada
a cumulação inclusive de multa contratual, no caso de 10%, com os juros legais
de mora, declarado na seguinte decisão:
"EXECUÇÃO PROMOVIDA POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - MULTA CONTRATUAL -
INEXIGIBILIDADE CUMULATIVAMENTE COM A COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.
Nas execuções promovidas por instituições financeiras, a multa contratual não
pode ser exigida conjuntamente com a comissão de permanência e com os juros
legais de mora. Resolução 1.129 do Banco Central, editando decisão do Conselho
Monetário Nacional, proferido nos termos do art. 4º, VI e XI, da Lei nº 4.595,
de 31.12.64.
Recurso especial provido em parte." (Resp. nº 90.0010584-1; Rel.: Athos
Carneiro; p. DJU 09.09.91).
33. Esta situação configura, ainda, anatocismo por parte do Banco,
proporcionando seu enriquecimento ilícito em detrimento da embargante.
Como sabemos, o anatocismo é vedado no ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei
de Usura, pela Resolução 1.129 do Banco Central e pela Constituição Federal.
34. O anatocismo está expressamente proibido pelo teor do art. 4º, do Decreto nº
22.626/33. Inobstante o "nomen iuris", o referido veículo normativo, pelo
fenômeno da recepção, tem eficácia de Lei Ordinária. O seu conteúdo está
reconhecido na Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, ao declarar a
impossibilidade da cobrança de juros sobre juros. Esposando este entendimento
trazendo a colação recente julgado no Superior Tribunal de Justiça que assim
decidiu a respeito da matéria:
"... súmula 121 não está superada pela de número 596. Na verdade, embora
relacionada ambas com juros e com o Decreto nº 22.626/33, apresentam nítida
distinção.
(... omissis ...)
Enquanto o enunciado nº 596 se refere ao art. 1º, do Decreto 22.626/33, o
verbete 121 se apoia no art. 4º do mesmo diploma, guardando sintonia com a regra
que veda o anatocismo, ou seja, a cobrança de juros sobre juros." (RE nº
1.285-GO. 4ª Turma. Unânime. 04/11/89).
DAS TAXAS DE JUROS ABUSIVAS
35. O contrato estabelece juros reais exorbitantes, muitas vezes acima dos
limites aceitos pelo sistema financeiro instituído pela Constituição Federal.
Sobre o tema da nocividade de juros reais elevados e aplicabilidade imediata do
dispositivo constitucional, o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal
Paulo Brossard teve oportunidade de assinalar:
"Por maiores que sejam as referências dadas às autoridades monetárias, não posso
fechar os olhos para o fato certo e irremovível que está diante de nós e que a
todos envolve e atormenta: não é de hoje que se pretende combater a inflação
tornando o dinheiro mais caro. O expediente tem sido recomendado e praticado em
toda parte. Mas creio que em nenhuma parte ele tenha sido usado nas doses
brutais aqui empregadas - em meia dúzia de semanas as taxas subiram a 4.000%. O
mais grave não determina lhe é supérfluo o auxílio supletivo da lei, para
exprimir tudo de que o intenta, e realizar tudo que exprime ... Quando essa
regulamentação normativa é tal que se pode saber, com precisão, qual a conduta
positiva ou negativa a seguir, relativamente ao interesse descrito na norma, é
possível afirmar-se que está completa e juridicamente dotada de eficácia plena,
embora possa não ser socialmente eficaz. Isso se reconhece pela própria
linguagem do texto, porque a norma de eficácia plena dispõe peremptoriamente
sobre os interesses regulados." (Artigo in Jornal Zero Hora, edição de
04.11.1991, p. 04. Tb. LEX JSTJ e TRF, vol. 41, p. 13).
36. Nesse sentido citamos trecho de um artigo do eminente jurista Adriano
Kalfelz Martins:
"Em nenhum momento da história econômica e jurídica do Brasil houve tão
expressamente determinada a limitação da taxa de juros reais, como na atual
Constituição. O art. 192, § 3º, não excetua ninguém de seu espectro de eficácia,
não deixa lacunas e, muito menos, cria expectativas de exceção. Pelo contrário,
é taxativo e deve-se conceder-lhe um mínimo de eficácia, pois senão é melhor que
o risquemos da Carta Magna, sob pena de nós, estudantes dos fatos jurídicos,
compactuarmos com a hipocrisia e a imoralidade que se assentou em alguns setores
da sociedade." (in LEX JSTJ e TRF, vol. 41. p. 7-34).
37. Portanto, a norma citada tem eficácia plena, posto que seus efeitos estão
claramente colocados, regulando uma conduta que pode ou não ocorrer. A eficácia
imediata da norma constitucional é regra, necessitando de Lei Complementar
apenas aquelas disposições que por seu conteúdo são insuficientes, o que não vem
ao caso. O referido preceito contém uma proibição, esta é imperativa, sendo
totalmente ilógico que argumente-se a necessidade de Lei Complementar que o
regule.
38. Tal é o entendimento do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, através de sua
3ª Câmara Cível:
"É auto-aplicável o § 3º, da Constituição da República, que proíbe cobrança de
juros acima de 12% do valor atualizado do débito, pelo que exerce agiotagem que
infringe a regra." (Apelação Cível nº 115947-7, Relator Ximenes Carneiro).
39. Também assim já o entendeu a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do
Paraná:
"JUROS - Limite Constitucional. Art. 192, § 3º da CF. Norma auto-aplicável.
Necessidade de regulamentação somente no tocante à definição da ilicitude penal,
naturalmente em respeito ao princípio da reserva legal." (Apelação Cível nº
43000-4, Relator Walter Borges Carneiro).
40. Conclui-se que a referida norma possui aplicabilidade imediata devido ao seu
caráter limitativo e impositivo, por menos que queiram alguns setores da nossa
sociedade, como os banqueiros, que desejam continuar cobrando taxas de juros
imorais e exorbitantes.
O PEDIDO
41. Diante do exposto, presentes os requisitos legais, respeitosamente na
presença de Vossa Excelência, a presente ação consubstancia o pedido de que seja
declarada nula a execução promovida pelo Banco embargado, nos termos do artigo
608, I, do Código de Processo Civil, eis que não estão presentes os requisitos
da liquidez e certeza do crédito executado.
Caso este não seja o entendimento de Vossa Excelência, requer-se seja declarada:
a) a nulidade das cláusulas contratuais que infringem normas de ordem pública,
assim como a inexigibilidade dos valores delas recorrentes;
b) a impossibilidade de cobrança cumulativa e capitalizada de juros legais,
moratórios, comissão de permanência e multa contratual; e
c) a impossibilidade de cobrança de juros acima do limite constitucionalmente
imposto.
Requer-se, outrossim:
a) a citação do embargado na pessoa de seu representante legal, no endereço
acima indicado, para que, querendo, apresente a defesa que tiver, sob pena de
revelia;
b) decorridos os trâmites legais do presente processo, digne-se Vossa Excelência
a julgar totalmente procedente o pedido do embargante, condenando o embargado ao
pagamento de honorários advocatícios e custas processuais, bem como as despesas
gerais do processo.
Protesta-se pela produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente
a perícia no demonstrativo apresentado como prova documental na execução
embargada.
Dá-se à presente, para os devidos fins, o valor da execução embargada.
N. Termos,
P. Deferimento.
...., .... de .... de ....
...............
Advogado