Ação civil pública para vedar a inclusão de nomes de consumidores em cadastro do serviço de proteção ao crédito.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ............................, ora representado
pelo Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor desta Comarca, ao final
assinado, a ser intimado pessoalmente de todos os atos e termos processuais no
endereço infra, ex vi do disposto no § 2º do artigo 236 do Estatuto Processual
Civil, PROPÕE, com fundamento nos artigos: 129, III, da Constituição da
República; 1º, II, 2º, 3º, 5º, "caput", 11 e 12 da Lei nº 7.347, de 24.07.85
(que disciplina a Ação Civil Pública); e 6º, VI, 81, parágrafo único, I e III,
82, I , 83, 84, "caput" e seus §§ 3º e 4º e 90 e 91 do Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.90), e com base no apurado nos autos do
Inquérito Civil n.o ............................, em anexo, a competente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de
Associação Comercial e Industrial de ............, ....., pessoa jurídica de
direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º
....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste
ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado
civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF
n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
PRELIMINARMENTE
DA LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
A presente "actio" visa assegurar a proteção de direitos de consumidores que
foram e virão a ser incluídos nos bancos de dados do "Serviço de Proteção ao
Crédito - SPC", departamento de serviços mantidos pelas rés, os quais estão
sendo e virão a ser violados pelo descumprimento do disposto no artigo 43,
parágrafo 2º da Lei n.º 8.078/90, como adiante se verá. Visa, outrossim, à
reparação dos danos (patrimoniais e/ou morais) causados a todos os consumidores
que tiveram seus nomes indevidamente incluídos nos bancos de dados ou cadastros
das rés. Atualmente, há milhares de consumidores cujos os nomes estão inscritos
nesses bancos de dados ou cadastros (segundo declarou a ré, há cerca de 12.000
protestos anotados mensalmente - v. Inquérito Civil em anexo, f. 32).
No futuro, outros milhares de consumidores serão incluídos nesses arquivos, não
sendo possível, de antemão, determinar tal universo. No tocante à enorme massa
de consumidores já incluída nos aludidos cadastros, pode-se falar na defesa de
interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que é
titular um grupo ou categoria de pessoas, que o Código de Defesa do Consumidor
denomina de interesses ou direitos coletivos (artigo 81, parágrafo único, inciso
II).
Por outro lado, no que tange ao universo de consumidores que será incluído nesse
banco de dados, pode-se falar na tutela de interesses ou direitos
transindividuais, de natureza indivisível, de que serão titulares pessoas
indeterminadas e ligadas pela circunstância fática de consumo.
O Código de Defesa e Proteção do Consumidor os denomina de interesses ou
direitos difusos (artigo 81, parágrafo único, inciso I).
Por fim, quanto à reparação dos danos causados em decorrência da cadastragem
indevida de consumidores nos arquivos mantidos pelas rés, a ação se dirige à
tutela coletiva dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos,
assim entendidos os decorrentes de origem comum, nos termos do artigo 81,
parágrafo único, inciso III, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
A Constituição Federal, no artigo 129, inciso III, confere legitimidade ao
Ministério Público para "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos" (grifo do Autor da ação).
Ademais, a Lei n.º 7.347/85 atribui legitimidade ao Ministério Público para o
ajuizamento de ação civil pública para a prevenção ou reparação dos danos
causados ao consumidor, em decorrência de violação de interesses ou direitos
difusos e coletivos (v. artigos 1º, II e IV, 5º, "caput", e 21, todos da
referida Lei de Ação Civil Pública).
Por fim, a Lei n.o 8.078/90 (CDC) comete ao Ministério Público legitimação para
a defesa coletiva dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos do consumidor (artigo 82, inciso I).
Quanto a estes últimos, cumpre consignar que o artigo 91 do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor prescreve que "os legitimados de que trata o artigo 82
poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores,
ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos
(...)".
(1)Tal ação encontra disciplina no Capítulo III do Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, que, no dizer de ADA PELLEGRINI GRINOVER "trata de uma ação
específica em defesa de interesses individuais homogêneos, qual seja, a
reparatória dos danos individualmente sofridos pelas vítimas ou seus sucessores,
uma das espécies a que se refere o artigo 81, III, do Código, sob a denominação
de ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos".
(2) A propósito da legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação
civil pública para obviar danos que possam ser causados ao consumidor pela sua
indevida inclusão em banco de dados ou cadastros de empresa prestadora de
serviço ao crédito, assim se pronunciou o egrégio Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul
(3): (...) a defesa coletiva dos consumidores, permitida pelo artigo 81 da mesma
Lei n.º 8.078/90, pode ser promovida pelo Ministério Público (artigo 82, I).
A única condição é que os interesses a proteger sejam difusos, ou coletivos ou
individuais homogêneos. Ora, o direito ou o interesse dos consumidores em
relação ao cancelamento de informações abusivamente mantidas pelos bancos de
dados ou cadastros de consumidores, bem assim em relação à divulgação de tais
informações, é claramente coletivo. BARBOSA MOREIRA ensinou que, apesar de certa
imprecisão oriunda da recentidade dos conceitos, poderiam ser considerados
interesses difusos, dentre outros, aqueles orientados para a proteção do
consumidor consistentes na regularidade e eficiência da prestação de serviços ao
público (REVISTA DA AJURIS, v. 32, p. 82/83).
E os serviços de proteção ao crédito são definidos na Lei n.º 8.078/90 como
entidades de caráter público (artigo 43, parágrafo 4º), não podendo conter
informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos (...).
(...)
A ação civil pública intentada pelo Ministério Público, no caso, não se esgota
na defesa do interesse daquelas pessoas cujos nomes já constam dos cadastros do
SPC (...).
Ao contrário, além de atuar na defesa do interesse dos consumidores em geral,
todos os que mesmo potencialmente, possam vir a enquadrar-se na condição de
cadastrados.
Por isso, são indeterminados os titulares desse interesse e por isso é cabível a
sua defesa coletiva" (destaques feitos pelo Autor desta petição).
DO MÉRITO
DOS FATOS
As rés são responsáveis pelo SPC, pois, como dito, mantêm esse serviço, que tem
como objetivo a concepção, organização e execução de um sistema central de
cadastro de informações, para prestação de serviços exclusivamente a seus
associados, servindo, para tanto, apenas como fonte de consulta para a obtenção
de informações, bem como dados necessários ao estudo e deferimento das operações
de crédito usualmente praticadas.
Esses dados, compilados, confidenciais e sigilosos, são obtidos através de
fontes apropriadas e pertinentes (de regra empresas associadas), sem qualquer
juízo de valor ou mérito. São divulgados diariamente pela ré aos associados,
embora não tenha ela certeza da sua exatidão.
Os autos de inquérito civil que acompanham a presente inicial revelam casos de
divulgação de informações desabonadoras e equivocadas sobre consumidores,
extraídas do banco de dados mantido pela ré.
O representante da Associação Comercial e Industrial de
............................ fez um acordo com o Ministério Público, no sentido
de passar suas responsabilidades para seus associados, mas esse acordo não
restou cumprido, dado que os consumidores continuaram a não saber de lançamento
de seus nomes nos bancos de dados do SPC, bem como lançamentos indevidos
continuaram a acontecer.
É de conhecimento público de que, com a inclusão dos nomes dos consumidores
idôneos na lista negra, há impedimento do acesso desses consumidores ao crédito
e exposição deles a situações vexatórias.
Os autos de inquérito civil dão conta ainda da não exclusão dos bancos de dados
do SPC de registros ali feitos por tempo superior a 5 anos e da inclusão de nome
de consumidores que, comprovadamente, estão discutindo suas dívidas em juízo.
DO DIREITO
A Lei n.º 8.078/90, de 11 de setembro de 1.990, conhecida como Código de Defesa
do Consumidor, no Capítulo V, Seção VI, que cuida dos bancos de dados e
cadastros de consumidores, dispõe expressamente que "o consumidor, sem prejuízo
do disposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros,
fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como
sobre as suas respectivas fontes" (artigo 43, caput).
Estatui, ainda, que "Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos,
claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter
informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos." (Artigo
43, parágrafo 1o). e que "a abertura de cadastro, ficha, registro e dados
pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor quando não
solicitada por ele" (artigo 43, parágrafo 2º), e, finalmente, que "o consumidor,
sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua
imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de 5 (cinco) dias úteis,
comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas"
(artigo 43, parágrafo 3º).
O Manual de Normas Técnicas dos Serviço de Proteção ao Crédito, em seu Artigo
18o prescreve que "Será suspensa a informação de registro, desde que comprovada
a existência de litígio judicial".
A ré não vem obedecendo ao disposto nos parágrafos 1o e 2º do artigo 43 do
Código de Defesa do Consumidor, pois não vem excluindo do SPC informações
negativas referentes a período superior a 5 ano, bem como vem procedendo à
abertura de cadastros, fichas, registros e dados pessoais de consumidores sem
comunicar-lhes, por escrito, essa abertura e mesmo que estejam discutindo seus
débitos em juízo, como exigem os citados dispositivos legais, de modo que eles
tenham gravames maiores do que admite a lei e que sejam impedidos de ter acesso
a esses arquivos de consumo e a correção de eventual inexatidão dos dados neles
registrados a seu respeito.
Em audiência realizada na Promotoria de Justiça do Consumidor desta Capital, a
ré informou que, na prática, não efetua a comunicação escrita exigida pela lei
de defesa do consumidor, alegando que tal prática é de competência das empresas
associadas ao SPC. A ré afirmou, ainda, não possuir espaço físico, bem como
recursos humanos para atender a demanda (12.000 clientes negativados ao mês).
Essa comunicação escrita é essencial aos consumidores e a responsabilidade de
fazê-la é das rés e ela se destina não só a que, por meio dela, os consumidores
tomem conhecimento de informações existentes em cadastros, fichas, registros,
etc. abertos em seu nome, como também para que possam exigir a correção de dados
inexatos presentes nesses arquivos, como lhes faculta o Código de Defesa do
Consumidor (artigo 43, parágrafo 3º), a tempo de evitar transtornos e danos
patrimoniais e morais que lhes possam advir dessas informações incorretas.
Não raro, são encontrados consumidores que tiveram créditos negados em
decorrência de informações inexatas que constam em bancos de dados ou cadastros
abertos em seu nome. Via de regra, somente depois de haverem sofrido dano -
principalmente moral, pois a negativa de crédito, quando da realização de
negócios jurídicos, normalmente os expõem a situações vexatórias, ofensivas à
sua honra - é que a inexatidão dos dados negativos registrados a seu respeito
são detectados e corrigidos - a correção nem sempre é feita pela empresa
responsável pelo banco de dados, obrigando o prejudicado a bater às portas do
Judiciário, com os dispêndios decorrentes.
Como exemplo prático dessas situações, pode-se citar a existência de algumas
ações individuais já propostas pela Defensoria Pública de Defesa do Consumidor,
por danos morais e patrimoniais causados a consumidores por empresas que fazem
lançar indevidamente o nome de seus clientes no banco de dados mantido pelas
rés, entre elas as registrada sob os números: 95.0010578-0, que tramitou pela 7a
Vara Cível e que houve recurso, pelo fato de que a autora não concordou com o
pequeno valor fixado para a indenização; e 96.0024831-1, em curso pela 3a Vara
Cível. Discorrendo sobre a necessidade de controle dos arquivos de consumo,
ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN, um dos destacados redatores do Código
de Defesa do Consumidor, assim pontifica:
"A sociedade de consumo tem quatro características: o 'anonimato' de seus
autores, a complexidade de seus bens, o papel essencial do marketing e do
crédito, e também a velocidade de suas transações. Três desses traços da
sociedade de consumo estão diretamente ligados aos arquivos de consumo. Tais
entidades, a um só tempo, superam o anonimato do consumidor (o fornecedor não
conhece, mas alguém está a par de sua vida), auxiliam na utilização do crédito
(por receber informações de terceiros sobre o consumidor, a instituição
financeira, mesmo sem conhecê-lo, lhe concede o crédito), e, por derradeiro,
permitem que os negócios de consumo sejam feitos sem delongas (se o crédito é
rápido, o consumidor pode aproveitar essa economia de tempo para adquirir outros
produtos ou serviços de fornecedores diversos). Conseqüentemente, os arquivos de
consumo desempenham uma função positiva na sociedade de consumo. Mas, como toda
a atividade humana, estão sujeitas a abusos, e, por isso, devem ser controlados.
Como precisamente alerta a exposição de motivos da Fair Credit Reporting Act,
conhecido como FCRA, e promulgado em 1.970 pelo Congresso Americano, como Título
VI do Consumer Credit Protection Act, 'os serviços de proteção ao crédito vêm
assumindo um papel vital no reunir e avaliar o crédito de consumidores e outras
informações sobre estes'. E conclui:
'há uma necessidade de assegurar que esses serviços de proteção ao crédito
exercitem suas graves responsabilidades com eqüidade, imparcialidade e respeito
pelo direito à privacidade do consumidor'. É uma tarefa para o direito. E ele,
aqui, tem uma função tripla: garantir a privacidade do consumidor, assim como a
transparência e veracidade das informações arquivadas(4). Mais adiante, o mesmo
autor preleciona que:
"O DIREITO A SER INFORMADO DA ABERTURA DE CADASTRO - O primeiro direito do
consumidor, em sede de arquivos de consumo, é tomar conhecimento de que alguém
começou a estocar informações a seu respeito, independentemente de sua
solicitação ou mesmo aprovação. Em decorrência disso, o consumidor, sempre que
não solicitar ele próprio a abertura do arquivo, tem direito a ser devidamente
informado sobre este fato. Assim ocorre para que ele possa exercer dois outros
direito que se lhe asseguram: direito de acesso aos dados recolhidos e o direito
à retificação das informações incorretas"(5) (destaques do Autor desta Petição).
E arremata o consagrado especialista em Direito do Consumidor: "Os arquivos de
consumo podem ser abertos de três formas principais: por solicitação do próprio
consumidor, por determinação da empresa interessada na realização do negócio de
consumo e por decisão espontânea de um banco de dados. (...) Finalmente, o
terceiro tipo de arquivo não se forma no interior do estabelecimento do
fornecedor. Não é utilizado por ele com exclusividade. Ao contrário, está à
disposição de todos os fornecedores ou de certos fornecedores de um mesmo ramo.
O titular do arquivo não contrata diretamente com o consumidor.
Simplesmente coleta, armazena e atualiza informações sobre ele, passando-as a
outros que, estes sim, fundam-se nelas para contratar ou não contratar com o
consumidor. Para este caso - com até mais razão que para os outros - aplica-se o
dever de levar ao consumidor a notícia sobre a abertura do arquivo. A
comunicação ao consumidor tem que ser 'por escrito'. Ou seja, não cumpre o
ditame da lei um telefonema ou um recado oral. A forma escrita não exige maiores
formalidades. Não se trata de 'intimação'. É uma simples carta, telex, telegrama
ou mesmo fax.Sempre com demonstrativo de recebimento, como cautela para o
arquivista" (6) (grifos nossos).
Indubitavelmente, a inscrição indevida de consumidores nos bancos de dados ou
cadastros da ré é suscetível de lhes causar abalo de crédito e, por
conseqüência, danos patrimoniais e/ou morais. Com já aduzido linhas atrás, no
universo de pessoas que compõem os arquivos de consumo mantidos pelas rés,
muitas delas neles foram incluídas indevidamente, por incúria das requeridas,
uma vez que ela se limita a coligir dados negativos de consumidores juntos aos
seus associados sem, antes de incluí-los em seus cadastros, certificar-se da sua
exatidão.
Em caso de inexatidão da informação negativa sobre o consumidor, sua divulgação
a uma das associadas das rés termina por afetar seu direito de crédito,
impedindo a realização de negócios e denegrindo a sua imagem, pois ele passa a
ser visto, no meio social, como um mau pagador, como uma pessoa que não honra
seus compromissos e, por isso, não é merecedora de crédito. Sofre, assim,
vexames e constrangimentos perante os empregados da loja onde seu crédito foi
recusado, os seus amigos, familiares, etc.
Não bastasse isso, para voltar a ter crédito na praça, encontra inúmeras
dificuldades, pois, normalmente, só consegue eliminar os dados negativos
existentes a seu respeito, nos bancos de dados, mediante ação judicial, cuja
tramitação, como se sabe, em decorrência de vários fatores, é lenta e o
resultado, incerto. Assim, a "negativação" de seu nome nesses arquivos acaba
protraindo-se no tempo, com sérios transtornos a sua pessoa, quer na esfera
patrimonial, quer na moral. A inscrição, sem nenhum critério, do consumidor
nesses bancos de dados não pode continuar.
É uma manifesta agressão aos interesses e direitos dos cidadãos, que ficam
totalmente desprotegidos diante de serviços que mais denigrem do que
efetivamente protegem o crédito das pessoas. E o que é pior: as entidades
prestadoras desses serviços violam os direitos do consumidor contando com a
simpatia da política econômico-financeira do Governo, que nada faz para evitar
que essa violação continue a ocorrer. Urge, assim, fazer com que um órgão do
estado, o Poder Judiciário, reconheça a flagrante violação desses direitos pela
ré e os proteja, mediante a exigência do cumprimento da obrigação imposta pelo
parágrafo 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor e a fixação da
responsabilidade da requerida pela reparação dos danos causados a um sem-número
de cidadãos que tiveram seus nomes indevidamente lançados nos seus cadastros.
A indenização, in casu, além de servir para compensar as vítimas do dano causado
pelo cadastramento indevido no serviço de proteção do crédito, apresenta, sem
dúvida, um aspecto pedagógico, pois serve de advertência para que o causador do
dano e seus congêneres venha a se abster de praticar os atos geradores desse
dano.
Como ensina o emitente civilista CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, quando se cuida de
dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a
convergência de duas forças: 'caráter punitivo', para que o causador do dano,
pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o
'caráter compensatório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione
prazeres como contrapartida do mal sofrido" (7) (destaque do Autor). Esse
posicionamento sobre o caráter compensatório (compenso morale), satisfatório da
reparação do dano extrapatrimonial (ou moral), que vem sendo proclamado pelas
nossas cortes de Justiça, foi haurido na doutrina alienígena, na qual está
assentado há várias décadas, conforme demonstra a lição de TRABUCCHI, segundo a
qual "negli ultimi casi ora ricordati si sostituisce al concetto di equivalenza
(propria del risarcimento) quello della compensazione, che si ofiene cercando di
fare attenuare in modo indiretto de conseguenze di chi há subito una lesione".
(8) É exatamente isso que se pretende com a presente ação coletiva, ao lado dos
provimentos cominatórios deduzidos, ou seja, dar aos lesados pela prática
abusiva que vem sendo desenvolvida pelas rés (cadastramento indevido de
consumidores em seus bancos de dados), uma satisfação, uma compensação pelo
sofrimento que experimentaram com o abalo indevido e inconseqüente de seu
crédito. Tal nada mais é do que uma contrapartida do mal sofrido, com caráter
satisfativo para os lesados e punitivo para a rés, causadoras do dano, para que
se abstenham de realizar essa conduta lesiva. Recentemente, a colenda Sexta
Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão (9)
relatado pelo eminente Desembargador Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira,
patentou que o abalo de crédito, causado por indevida inscrição no SPC, pode
ensejar duplicidade de danos, pois é capaz de atingir a esfera patrimonial e a
moral do indivíduo. Do corpo do v. aresto pode ser extraído o seguinte
ensinamento, que bem se ajusta à espécie vertente: "Efetivamente, o abalo de
crédito pode ocasionar duas espécies de danos: morais e patrimoniais.
O crédito, conforme lição de Yussef Said Cahali, em sua obra "Dano e
Indenização", Ed. Rev. dos Tribunais, pág. 93, representa um bem imaterial que
integra o patrimônio econômico e moral das pessoas. A respeito da duplicidade e
coexistência de efeitos, pontifica o Aguiar Dias, citado na obra mencionada, que
é possível existir ao lado do abalo de crédito, traduzido na diminuição ou
supressão dos proveitos patrimoniais que trazem a boas reputação e a
consideração, o dano moral.
E como coloca o ilustre Des. Adroaldo Furtado Fabrício, por ocasião do
julgamento da ap. cível 584028823, pela Terceira Câmara Cível deste Tribunal, de
cujo acórdão foi relator, o abalo de crédito constitui-se em modalidade difusa e
polimorfa de dano, moral na sua origem, mas sempre produtora de inevitáveis
repercussões materiais. Ressalta, o emitente desembargador, acerca da 'negativação'
em instituições tipo o SPC, que 'tenha de suportar o bom pagador, que se acha
rigorosamente em dia com seus compromissos, é violência inominável, que repugna
ao senso comum do justo e clama reparação adequada. O indevido cadastramento
negativo é ato ilícito perfeitamente configurado, quer decorra de dolo, quer de
culpa, mesmo levíssima, de quem o promove e de quem o exagera'. E segue:
'Ora, a conseqüência imediata da assim chamada negativação do nome de alguém por
uma entidade do tipo SPC é o estancamento de todas essas fontes de crédito, nas
suas inumeráveis modalidades. E dessa situação decorrerá inevitavelmente uma
série de transtornos também da mais variada espécie à pessoa atingida, no
sentido de que as facilidades e vantagens inerentes à utilização do crédito lhe
são subtraídas. Mas nem só nessa perspectiva: também do ponto de vista da boa
fama e do acatamento social o indivíduo cadastrado negativamente sofre os
vexames e constrangimentos usualmente ligados à tacha de mau pagador, sobretudo
em sociedade eminentemente mercantilista, o que erige em suprema virtude o
pontual pagamento dos débitos. O negativado converte-se em sorte de pária,
excluído do convívio das pessoas de bem. E mais: a própria auto-estima fica
comprometida, com o sofrimento moral decorrente de tal condição'. (...)
A quantificação do dano moral deve atender a critérios como a extensão do dano,
a condição do causador do dano e a da vítima, bem como atentar para o aspecto
pedagógico da indenização, isto é, deve ser tal que sirva de advertência para
que o causador do dano e seus congêneres se abstenham de praticar tais atos.
Impõe-se, no caso sub examine, a concessão de medida liminar, nos termos do
artigo 12 da Lei n.o 7.347, de 24 de julho de 1.985 - Lei da Ação Civil Pública,
uma vez que estão perfeitamente caracterizados os seus pressupostos jurídicos,
quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora. O fumus boni juris
traduz-se no direito do consumidor de ser informado, por escrito, sobre a
abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo sobre ele,
correspondendo esse direito ao dever imposto às requeridas pelo artigo 43,
parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor.
Tal direito e seu correspondente dever estão sendo flagrantemente violados pelas
rés, na medida em que, conforme já se assinalou, colhem armazenam, atualizam
dados pessoais e de consumo sobre milhares de consumidores deste Estado e os
divulgam aos seus associados e interessados, sem antes comunicarem a esses
consumidores a abertura dos cadastros em seu nome, impedindo-os de exercitar o
direito de acesso a esses arquivos e o direito de corrigir as informações
inexatas que deles constam e são suscetíveis de abalar seu crédito no mercado de
consumo e lhes causar danos, morais e patrimoniais.
O periculum in mora está patenteado no abalo do crédito e nos conseqüentes
prejuízos (patrimoniais e/ou morais) que os consumidores vêm sofrendo em
decorrência da inclusão indevida de seus nomes nos arquivos da rés e a sua
divulgação aos seus associados e a outros interessados, informações estas que
eles não têm como obstar, ante o não cumprimento, pelas requeridas, da obrigação
imposta pelo artigo 43, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor.
Impõe-se, pois, a imediata cessação dessa prática abusiva e ilícita, como única
forma de se prevenir, até o julgamento definitivo da lide, que os consumidores
indevidamente cadastrados nos arquivos de consumo mantidos pelas rés continuem
sendo impedidos de obter crédito no mercado em face das informações inexatas
constantes dos cadastros das rés e, em decorrência, prossigam experimentando
danos morais e patrimoniais, o que repugna ao senso de Justiça.
Em razão da inviabilidade ou até mesmo da impossibilidade de se processar a
intimação pessoal no caso da demanda coletiva, torna-se necessária a divulgação
da ação proposta, para possibilitar a intervenção voluntária de eventuais
interessados no processo, na condição de litisconsortes. Por isso, no artigo 94,
o legislador estatuiu que "proposta a ação, será publicado edital no órgão
oficial a fim de que os interessados possam intervir no processo como
litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação
social por parte dos órgãos de defesa do consumidor".
DOS PEDIDOS
Em face do exposto, requer o Ministério Público:
1. a concessão de MEDIDA LIMINAR, "inaudita altera pars", com fundamento no
artigo 12 da Lei n.o 7.347, de 24 de julho de 1.985, a fim de se determinar às
rés que, em cumprimento à obrigação imposta pelo artigo 43, parágrafo 2º, da Lei
n.o 8.078/90, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência da ordem
liminar, comuniquem, por escrito, aos consumidores, a abertura de cadastro,
ficha, registro e dados pessoais e de consumo em nome deles - inclusive aos que
já constam de seus bancos de dados -, bem ainda que se abstenham de divulgar aos
seus associados ou a outros interessados os registros desses consumidores até a
concretização da predita comunicação, sob pena de pagamento de multa de R$
5.000,00 (cinco mil Reais), sujeita à atualização monetária, para cada
comunicação escrita não efetuada ou para cada divulgação realizada sem a prévia
comunicação escrita ao consumidor; multa esta que deverá ser revertida ao Fundo
Estadual de Defesa dos Direitos do Consumidor - FEDDC, criado pelo artigo 8º, da
Lei Estadual n.º 1.627, de 24.11.95;
2. seja determinada a citação das rés, na pessoa de seus representantes legais,
a fim de que, advertida da sujeição aos efeitos da revelia, a teor do artigo
285, última parte, do Código de Processo Civil, apresente, querendo, resposta ao
pedido ora deduzido, no prazo de 15 (quinze) dias;
3. seja proferida sentença, tornando-se definitiva a medida liminar concedida e
condenando-se as rés ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em
comunicar, por escrito, aos consumidores a abertura de cadastro, ficha, registro
e dados pessoais e de consumo em nome deles - inclusive aos que já constam de
seus bancos de dados -, como exige o artigo 43, parágrafo 2º da Lei n.o
8.078/90, bem ainda que se abstenham de divulgar aos seus associados ou a outros
interessados os registros desses consumidores até a concretização da predita
comunicação, sob pena do pagamento de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil Reais),
sujeita à atualização monetária, para cada comunicação escrita que não for
realizada ou para cada divulgação efetuada sem a prévia comunicação escrita ao
consumidor, a ser revertida para o fundo mencionado anteriormente (subítem "a",
supra);
4. sejam as rés condenadas, também, ao cumprimento da obrigação de fazerem
consistente em excluírem dos seus bancos de dados ou cadastros os nomes de
consumidores cujos os endereços sejam desconhecidos e daqueles que tiveram
lançadas informações negativas referentes a sua pessoa por período superior a 5
(cinco) anos, bem como daqueles que estejam discutindo suas dívidas em juízo; e
à obrigação de não fazerem consistente em se abster de inserir nesses mesmos
cadastros os nomes de consumidores cujos endereços elas não detenham, bem como
daqueles que estejam discutindo suas dívidas em juízo, sob pena de pagamento de
multa de R$ ....., sujeita à atualização monetária, para cada nome que deixar de
ser excluído ou for incluído nos arquivos do SPC em descumprimento às obrigações
a que se refere o presente pedido, a reverter para o Fundo acima referido;
5.seja, ainda, nos termos do artigo 95 da Lei n.o 8.078, de 11 de setembro de
1.990, condenada a, genericamente (10), reparar os danos (patrimoniais e morais)
causados aos consumidores em virtude da inclusão indevida de seus nomes nos
bancos de dados ou cadastros da requerida e respectiva divulgação aos seus
associados ou a outros interessados, danos estes a serem apurados e
quantificados, ressalvado o disposto no artigo 100, "caput" e parágrafo único,
do mesmo diploma legal. Requer, outrossim:
6. a publicação de edital no órgão oficial, nos termos do artigo 94 da Lei n.o
8.078/90;
7. a condenação das rés ao pagamento das custas processuais e honorários;
8. a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo,
a teor do artigo 18 da Lei n.o 7.347/85 e do artigo 87 da Lei n.º 8.078/90;
9. sejam as intimações do autor feitas pessoalmente, mediante a entrega dos
autos na Promotoria de Justiça do Consumidor, com vista, em face do disposto no
artigo 236, parágrafo 2º do Código de Processo Civil. Protestada por provar o
alegado por todos os meios de prova admitidos em direito, especialmente pela
produção de prova oral e, caso necessário, pela juntada de documentos, e por
tudo o mais que se fizer necessário à cabal demonstração dos fatos articulados
na presente inicial, bem ainda pelo benefício do artigo 6º, inciso VIII, do
Código de Defesa do Consumidor (invasão do ônus da prova, em favor dos
consumidores substituídos pelo autor).
Acompanham a inicial os autos de Inquérito Civil nº ......
Dá à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]