Contestação à ação de abstenção de ato ilícito, sob alegação de inépcia da inicial e inexistência de contrafação.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº .....
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., por intermédio de seu advogado (a) e bastante
procurador (a) (procuração em anexo - doc. 01), com escritório profissional sito
à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., onde recebe
notificações e intimações, vem mui respeitosamente à presença de Vossa
Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
À AÇÃO ORDINÁRIA DE ABSTENÇÃO DE ATOS ILÍCITOS COM PRECEITO COMINATÓRIO C/C
PERDAS E DANOS proposta por ...., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
PRELIMINARMENTE
Inépcia da inicial
Num extenso e confuso arrazoado, o Autor imputa às Rés três acusações, com
diferentes fundamentos: usurpação de Patentes de Modelo de ...... (depositados
junto ao INPI); de projetos (publicados no livro ......); e, de equipamentos
(constantes nas obras enumeradas às fls. ...).
É impossível, pela narrativa, chegar a uma conclusão lógica em relação aos
produtos que, na ótica do Autor, estariam sendo objeto de contrafação. A
confusão é ainda maior quando o Autor faz uma "descrição detalhada e minudente"
(sic) dos produtos fabricados pela empresa - ...... - (fls. ...).
A confusão impede a exata percepção dos fatos submetidos à apreciação
jurisdicional, com isto inviabilizando a defesa.
Quando a ação tem por objeto a contrafação, como no caso, impõe-se um cotejo
detalhado dos produtos (inventado e imitado), a fim de demonstrar claramente
onde, porque, e em que extensão ocorre a imitação fraudulenta do contrafator. No
caso, isto não ocorre. Daí porque, acertadamente, indeferido de plano o pedido
de liminar.
Tendo em vista que da narração dos fatos não decorre logicamente qualquer
conclusão, impedindo, assim, a articulação de defesa eficaz, impõe-se o
acolhimento da preliminar, a fim de - com base no artigo 295, § Único, inc. II,
c/c art. 301, III, e art. 267, I, do Código de Processo Civil -, julgar extinto
o processo sem exame do mérito.
O nomem juris empregado - AÇÃO ORDINÁRIA DE ABSTENÇÃO DE ATOS ILÍCITOS COM
PRECEITO COMINATÓRIO C/C PERDAS E DANOS COM PEDIDO LIMINAR, revela outra
impropriedade técnica do Autor, que reúne sob o mesmo manto procedimental
pleitos de natureza diversa, entre si inconciliáveis (cautelar e cognitiva,
preceito cominatório e indenização, tutela antecipatória e liminar).
O pedido de liminar em procedimento ordinário não encontra amparo na lei. A
menos que o Autor pretenda enfeixá-lo no novel instituto da tutela
antecipatória, prevista no ordenamento processual a partir de 13 de dezembro de
1994, pela edição da Lei n.º 8.952. Neste caso, o pedido deveria conformar-se às
hipóteses contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil, o que é
impossível, vez que o caso não ostenta o fumus boni juris e periculum in mora,
requisitos inafastáveis para a concessão da tutela antecipada.
De mais a mais, a concessão de liminar - em sede cautelar ou cognitiva (tutela
antecipada) - não prescinde da comprovação da plausibilidade do direito
invocado. Esta plausibilidade, no caso, estaria consubstanciada na apresentação
da carta-patente e na demonstração, ainda que superficial, da ocorrência de
contrafação. Nenhum dos requisitos foram atendidos e este fato não passou
despercebido à argúcia de V. Exa que, prudentemente, conteve o insistente pedido
de liminar.
Individualmente considerados, os pedidos são incabíveis. Reunidos, reclamam
procedimentos diversos, razão porque é de ser acolhida, também, esta preliminar,
julgando extinto o processo sem exame do mérito. A propósito, "A defesa
processual peremptória, quando acolhida, põe fim ao processo por
inadmissibilidade da prestação jurisdicional pedida pelo autor" (MARQUES, José
Frederico; Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, 1977; 3ª Edição, p. 77).
DO MÉRITO
As Requeridas, segundo sustenta o Autor, "dentre outras ilicitudes, estão
utilizando-se, de modo indevido e ilícito, de Patente de Modelo de Utilidade de
...... e ....., depositadas junto ao Instituto Nacional de Propriedade
Industrial - INPI, conforme Depósitos n.ºs ........ e ......... os quais
asseguram ao autor-proprietário todos os direitos decorrentes desse registro,
inclusive garantindo-lhe a exclusividade de exploração, ex vi artigo 5º da Lei
n.º 5.772, de 21 de dezembro de 1971..... " (fls. .... - grifos no original).
Alega, ainda, que na condição de professor licenciado de Física pela .........,
autor de livros e projetos, e de sócio-gerente da empresa ........., idealizou
diversos projetos e equipamentos técnico-científicos, revestidos de
originalidade. Alega ter sido "desagradavelmente surpreendido, a partir da
veiculação de publicidade por parte das requeridas, da violação de seus direitos
[....] e também da participação destas "em inúmeros procedimentos licitatórios
promovidos por diversos entes governamentais, tudo com a veiculação das idéias
por ele projetadas" (fls. ....).
Por atuar no mesmo segmento de mercado, as Requeridas, prossegue o Autor, acabam
praticando concorrência desleal, capitulado como crime no art. 178, do
Decreto-Lei n.º 7.903/45.
Pede, ao final, a concessão de liminar inaudita altera parte, para o fim de
obrigar as Rés a se absterem de fabricar e vender os produtos por ele
idealizados e patenteados, sob pena de pagarem multa diária no valor de R$
........, mais perdas e danos, tudo, sem prejuízo das sanções criminais.
Indeferido o pedido de liminar, ao Autor foi facultado emendar a inicial para o
fim de apresentar: (a) a versão original dos documentos juntados por fac simile,
(b) a certidão expedida pelo órgão competente acusando a inexistência de
duplicidade de pedido de privilégio temporário, (c) as notificações noticiadas
na peça vestibular, bem como adequar o valor da causa "ao real conteúdo
econômico perseguido com a demanda". (fls. ...., in fine).
Malsatisfeito, o Autor pede reconsideração do despacho (....), insistindo na
tutela antecipada, sob pena de se ver despojado do amparo da futura eficácia
definitiva, já que esta na atual situação é inócua, acarretando iminente perigo
grave irreparável. (fls. ...). Ao final do petitório, eleva o valor da causa
para R$ ..........
Convencido da permanência dos fundamentos que levaram ao indeferimento da medida
liminar pretendida e da ausência do fumus boni juris e do periculum in mora, V.
Exa., às fls. ...., indeferiu o pedido de reconsideração.
Os pedidos contidos na inicial, sem exceção, fundam-se no privilégio e na
contrafação.
Analisemos, primeiramente, o privilégio.
Segundo acusa o Autor, "As requeridas, dentre outras ilicitudes, estão
utilizando-se, de modo indevido e ilícito, de Patente de Modelo de Utilidade [
...] depositadas junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI,
conforme Depósitos n.ºs ........... e .........., consoante documentação
inclusa" (fls. ...., sem grifo no original).
O Autor pretende conferir a um simples pedido de privilégio o status de patente.
Neste sentido, afirma: "estes produtos, encontrando-se devidamente depositados
junto ao INPI - INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, asseguram ao
autor-proprietário todos os direitos decorrentes desse registro, garantindo-lhe
a exclusividade de exploração, ex vi, artigo 5º da Lei n.º 5.772, de 21 de
dezembro de 1971...." (fls. ....).
Ora, Exa., o depósito, segundo dispõe o item 3 do Ato Normativo n.º 17, de 11 de
maio de 1976, "é o ato pelo qual o INPI, após proceder ao exame preliminar,
protocola a entrega de um pedido de privilégio" (Coletânea de Atos Normativos e
Resoluções. Brasília: Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo/
Instituto Nacional da Propriedade Industrial, agosto de 1995. p. 13, em anexo,
grifos nossos).
Assim, o depósito nada mais é que o passo inaugural do processo administrativo
voltado para a outorga da carta-patente. Estes extremos (ato de depósito e
expedição da carta-patente) são intercalados por incontáveis providências
(análise da documentação, exame técnico do produto e do relatório descritivo
para aferir a originalidade e inventividade, busca nos arquivos, julgamento,
etc.).
Ainda de acordo com a dicção legal, o privilégio somente é considerado deferido
"a) na data da publicação do despacho concessivo quando não tenha havido
interposição de recurso, ou,
b) na data da publicação do despacho favorável à manutenção da concessão de
privilégio, nos casos em que tenha havido interposição de recurso" (item 9.1, do
referido Ato Normativo n.º 17/76, in Coletâneas, ob. cit., p. 18/9);
Somente depois de vencidas todas estas etapas o privilégio é considerado
concedido, após o que, é "publicada a respectiva notificação para expedição de
carta-patente" (Coletânea, ob. cit., p. 18/19 - grifos nossos).
Diante destas considerações fica evidente que o Autor não possui o justo título
do privilégio que pretende exercitar. O que possui e prova, é um mero recibo de
depósito, incapaz de garantir os direitos decorrentes de uma carta-patente.
Inexistente o privilégio, impossível a tipificação de contrafação. Não obstante,
vejamos:
Consabido, contrafação é o "ato fraudulento, em virtude do qual se procura
imitar ou falsificar coisa que se deseja inculcar como legítima .... usurpação
dolosa, ou a apresentação, como nossa, de obra literária ou artística, ou marca
de 'fabrica de outrem" ( SILVA, De Plácido .Vocabulário Jurídico. Vol. I. 7ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 546).
A deficiente documentação juntada pelo autor impede o cotejo entre os produtos
idealizados e ditos imitados.
Não obstante, as Requeridas juntam provas cabais de que não apenas inexiste
imitação entre um e outro produto, mas também que os produtos fabricados pelo
Autor não foram e jamais serão patenteados, porque encontram-se no domínio
público.
Vejamos os equipamentos ditos imitados.
O ......, como sugere o nome, constitui-se num plano destinado a estudar as
forças atuantes no sistema e que podem ser indicadas por intermédio de um
dinamômetro fixo na inclinação. É um aparelho de estudo da decomposição de
forças. Já o Conjunto de Roldanas ....... se constitui num aparelho que, formado
por duas ou mais roldanas (polias), é empregado no estudo da aplicação da força
de forma racional e mais proveitosa.
Ao referir-se a estes equipamentos a petição é vaga, pois não esclarece se a
contrafação estaria fundada na invenção (produto da capacidade criativa,
inédito, não teórico e susceptível de utilização industrial) ou no modelo de
utilidade (modificação introduzida em objeto conhecido como ferramenta,
instrumento de trabalho ou utensílio).
Se estiver se referindo à invenção, o pleito do Autor poderia ser equiparado a
alguém tentar patentear geladeira ou aparelho de televisão. A concepção e
fundamentos físicos do ...... são universalmente idênticos, a despeito da
diferença de modelos (tamanho, cor, potência, etc). Um singelo exame dos
documentos juntados pelas Requeridas demonstram à saciedade que tais
equipamentos caíram no domínio público.
Se, por outro lado, o Autor estiver se referindo ao modelo de utilidade, aí sim,
a inépcia estaria ainda mais flagrante, posto que não fornece qualquer
indicativo da nova forma ou disposição dada aos equipamentos com vistas à
melhoria do fim a que se destinam.
De qualquer forma, através de um simples exame do relatório descritivo dos
produtos depositados no INPI (fls. .... e ....) percebe-se a impossibilidade dos
mesmos serem patenteados, pelo fato de serem inéditos ou originais. Trata-se de
equipamentos similares a tantos outros (nacionais ou importados), que há décadas
encontram-se à disposição no mercado.
Os projetos e material didático "idealizados" (sic) pelo Requerente nada têm de
original ou inventivo. E ainda se tivessem, livros e prospectos não são
documentos hábeis para o exercício de qualquer privilégio, como pretendido.
Saliente-se, por fim, que o fundamento jurídico que o Autor utiliza para
sustentar suas razões e pedido encontra-se expressamente revogado pelo art. 244,
da Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996: "Art. 244 - Revogam-se a Lei n.º 5.772,
de 21 de dezembro de 1971, a Lei n.º 6.348, de 7 de julho de 1976, os arts. 187
a 196 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, os arts. 169 a 189 do
Decreto-lei n.º 7.903, de 27 de agosto de 1945, e as demais disposições em
contrário".
Finalizando, despiciendo qualquer consideração a respeito da concorrência
desleal, vez que o Autor a alicerça exatamente sobre o privilégio e a
contrafação, como visto, esta inocorrente e aquele inexistente.
A rigor, Exa., a presente ação contém um pano de fundo não confessado pelo
Autor. Este vem sendo sistematicamente vencido nas concorrências abertas para a
aquisição de material destinado a alunos da rede pública de ensino. A investida
judicial busca intimidar as Rés, para que o Autor mantenha o monopólio do
mercado.
Isto sim, configura concorrência desleal. Trata-se de um expediente utilizado
com relativa freqüência, como bem alertado na doutrina:
"Certamente o mundo de hoje é fecundo em inovações engenhosas que se sucedem em
um 'crescendo' ininterrupto, de vez que a cada idéia nova dá lugar a série e as
múltiplas outras idéias, que derivam da primeira: justifica-se o encorajamento e
outorga de maior proteção aos autores, de forma eqüitativa. Mas este universo é
fecundo em especulações e em desejos de monopólios, que recorrem a todos os
pretextos, e é preciso frear isto mais rigorosamente, Moralizar o campo das
invenções tornou-se hoje uma exigência imperiosa" (apud P.R. Tavares Paes, Nova
Lei da Propriedade Industrial, RT 1996, p. 39).
DOS PEDIDOS
Isto posto, requer-se:
a) sejam acolhidas as preliminares, para o fim de julgar extinto o processo sem
exame do mérito (CPC - arts. 295, Parágrafo Único, II, III e IV, 267, I, 301,
II) e, no mérito, seja julgada improcedente a ação, condenando o Autor no
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios nas bases usuais;
b) a produção de todas as provas em direito admitidas, em especial depoimento
pessoal do Autor, pericial e documental;
c) a intimação do Autor para, querendo, manifestar-se sobre a presente
contestação.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]