Contestação à ação declaratória de nulidade de doação,
alegando-se que a doadora reservou a si o usufruto do imóvel.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
AUTOS Nº .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar
CONTESTAÇÃO
à AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DOAÇÃO, interposta por ....., brasileiro (a),
(estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e
do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro
....., Cidade ....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Que consoante se constata da inicial, pretende a sua autora, ...., a decretação
da nulidade de doação de bem imóvel efetuada em favor da ora contestante, com
reserva de usufruto, alegando, sucessivamente, que:
- o citado ato, a doação, teve por suporte a expectativa de que os pais e
responsáveis da donatária auxiliassem-na em suas necessidades, principalmente
quanto as de saúde, o que não logrou se realizar, pois aqueles se mostraram além
de ingratos, negligentes e até insolentes, quando instados, a prestarem auxílio
até financeiro.
Alega ainda estar entregue a asilos, onde tem residido, dado o total ausência de
recursos, pois só tem uma fonte de renda, a dos aluguéis advindos pelo usufruto
do imóvel doado.
Dentro dessa tônica e com o abandono dos pais da menor que gratuitamente
beneficiou, vale-se para o pagamento de tratamentos médicos, inclusive,
geriátricos, de uma irmã;
- acrescente a isso tudo o fato de ter doado o seu único bem, ficando sem
condições de manter a sua subsistência, o que, por si só, acarreta a nulidade do
ato gracioso, consoante previsto pelo art. 548 do Código Civil.
Que, contudo, e como se demonstrará a seguir, nenhuma razão de ordem legal,
moral ou jurídica, tem para obter o pretendido desfazimento do ato, senão
vejamos:
a - quando do falecimento do pai da autora, Sr. ...., a mesma talvez por ser
solteira, necessitou morar com algum parente e não tendo sido aceita pela irmã
de nome ...., acabou por ir residir com uma tia materna de nome .... e a vó
paterna .... da ora contestante, que de bom grado e gratuitamente a recebeu,
isso no ano de ...., aproximadamente;
b - vinte anos após, já em ...., passou, por vontade própria, a residir no lar
de idosos e não em asilo como indicado, de nome ...., situada na Rua .... nº
...., nesta Cidade, pagando-se as despesas com a renda de um imóvel de
propriedade da mesma situado na Rua .... nº ...., Bairro ....;
c - logo após ter passado para aquele lar e ao que se sabe, foi ela, autora,
procurada por sua irmã .... para saber para quem deixaria o imóvel que possuía
na Capital do Estado de ...., isso no final do ano de ....
Assustada, segundo manifestou, procurou a tia materna com quem morava por vinte
anos e disse que efetivamente não tinha herdeiros necessários e, por isso,
doaria o aludido imóvel à neta dessa, o que acabou por concretizar, tendo a
donatária, então, um ano de idade.
Nada pediu, condicionou ou reivindicou na oportunidade, só se reservando o
usufruto;
d - durante todos esses trinta anos, a mesma, independente de qualquer obrigação
ou exigência, foi atendida por todos os membros da família da donatária, sem que
nunca nada lhe faltasse econômica ou moralmente.
As fotografias que acompanham esta bem demonstram que sempre esteve ela junto
com a família da donatária, quer no natal, quer em festas da família e em
diversas ocasiões, nunca lhe faltando companhia;
e - sempre se teve o máximo desvelo com a mesma, até obrigando o pai da
donatária, o falecido ...., com ônus que nem podia suportar, citando-se como
exemplo o atendimento hospitalar que teve no mês de .... de ...., onde por
exigência daquela irmã, internou-se para operar a vesícula, no Hospital ....
Findo o atendimento médico-hospitalar, teve aquele que assumir obrigações acima
de seus recursos, razão pela qual alienou a terceiros uma pintura em óleo sobre
tela de renomado artista ....;
f - já naquele ano de ...., o indicado .... acometido de grave doença, a qual
acabou por vitimá-lo neste ano de ...., após ter se submetido a cinco cirurgias
(no mês de .... e .... de ...., em .... de .... e duas em .... de ....), além de
aplicações, radioterapia e diversas biópsias. Tudo isso lhe causou a perda de
uma vista e da fala, obrigando-o a se alimentar por sonda.
Só por essa sucinta descrição pode-se perceber os problemas atravessados por
toda a família;
g - porém, e apesar disso tudo, continuaram a assistir a autora em todas as suas
necessidades materiais e psicológicas, pagando inclusive suas contas, entre elas
a contribuição à previdência social. A quitação dessa contribuição era efetuada
com recursos do pai da donatária, debitando-se o valor em sua conta-corrente
bancária.
Assim, como se denota, inexistiu a citada ingratidão, entendendo-se que o
interesse no desfazimento, em verdade, é de terceiros, que teriam sido
prejudicados em suas expectativas de herdarem alguma coisa quando do falecimento
da autora.
E, note-se, a doação em nada ficou condicionada. Nada se exigiu da donatária ou
de seus pais.
DO DIREITO
a - Inicialmente é de se fazer ver, que por quaisquer dos dois motivos
invocados, a pretensão é de ficar reconhecida a nulidade da citada doação, razão
porque se impõe que se verifique tal possibilidade, em caso da efetiva
ocorrência de ingratidão.
O ato de liberalidade praticado pela autora em favor da menor ora contestante,
pode ser conceituado, se indicando a princípio pois e dado a se ter preservado o
usufruto, não veste todas as características dessa classe, como pura, segundo a
classificação de Orlando Gomes na 8ª ed. de sua obra "Contratos" (Forense, pág.
250).
"Sendo pura poderá vir a ser revogada e não decretada nula, na hipótese de se
ter ingratidão do donatário."
E o pretendido é que seja decretada como nula.
A doação efetivamente se classifica como pura, efetuada por "espírito de
liberdade, sem subordinação a qualquer acontecimento futuro e incerto" (segundo
Orlando Gomes, op. cit.), necessário que ficasse comprovada a ingratidão, para
ser revogada.
Contudo e como já evidenciado, ingratidão não houve quer por parte da menor
donatária (que pela sua pouca idade pouco ou nada poderia fazer), quer por seus
pais, (os quais nem estavam obrigados, já que o ato foi sem encargo). Ninguém
atentou contra a sua vida, nem cometeu ofensa física, injúria, calúnia, ou
deixou de ministrar os alimentos de que necessitava, (isso ela nem aponta).
Os pais da donatária, como já aduzido, sempre empregaram os melhores de seus
esforços nos seus cuidados com a autora, inclusive, arcando com dispêndio que
não podiam. Onde a ingratidão?
b - por outro lado é de se destacar que, a reserva de usufruto, além de subtrair
a qualidade de doação conceituada como pura, não acarreta a implicação à questão
do previsto pelo art. 548 do Código Civil, indicando ser nula a doação de todos
os bens, sem reserva de parte ou de renda suficiente para a subsistência da
doadora.
Essa questão já foi enfrentada por nossas Cortês de Justiça, vindo a se
entender, como bem se lê na ementa do acórdão unânime juntado a esta, proferido
pela 2º Câmara Cível do TJ-PR, na apel. cível. 1617/90 e onde votaram os
ilustres desembargadores Negi Calixto, Sydney Zappa e Oswaldo Espíndola:
"Para anular a doação por infringir o art. 548 do Código Civil, é mister provar
que o doador ficou sem recursos ou haveres para sua subsistência."
Do corpo desse acórdão se destacam os seguintes trechos referentes ao Código
Civil de 1916, que norteavam no sentido do Código vigente:
"Ora, ao fazer a doação do imóvel a doadora reservou para si o direito do
usufruto, circunstância, que conforme franco entendimento da jurisprudência,
afasta a hipótese de nulidade decretada pelo art. 1.175, como já expressamente
acentuado: Doação do Imóvel, com reserva de usufruto para o doador, não infringe
o art. 1.175 do Código Civil." (RT - 522/159)
"Embora minguados os meios de subsistência dos pais que doaram imóvel aos
filhos, não podem eles alegar que não os têm para viver e, assim fundamentar
pedido de decretação de nulidade da respectiva doação." (RT - 530/199)
"A doação, na espécie, atendeu todos os requisitos do contrato perfeito e
acabado, e era onerosa em razão do usufruto em favor da doadora, circunstância
obedecida pela donatária."
Dentro dessa tônica aquela Egrégia Câmara negou procedência ao pleito com
objetivo de se decretar a nulidade da doação. Esse caso, como se percebe, tem
perfeita identidade com a questão aqui tratada.
Consequentemente, também, por este ângulo, a pretensão não pode ser endossada.
DOS PEDIDOS
Face ao exposto, resultando demonstrado não poder prosperar a ação, requer
digne-se, afinal, dar pela sua improcedência, com as cominações de estilo.
Protesta pela produção de todas as provas em direito admitidas, caso de plano e
pela outorga de julgamento antecipado, não se afaste o pleito.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]