Ação civil pública proposta para interdição de hotel
que não observa regras mínimas de segurança.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
(PROCESSO Nº .....)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ...., pelo Promotor de Justiça de Defesa do
Consumidor ao final assinado, com fundamento no artigo 129, incisos III e IX, da
Constituição Federal, no artigo 5º, caput, da Lei Federal nº7.347/85, no artigo
25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, nos
artigos 81, parágrafo único, 82, inciso I, e 91 da Lei Federal nº8.078/90, vem
propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Inicialmente, mister mencionar que o Promotoria de Defesa do Consumidor de ....
está verificando a regularidade das atividades de estabelecimentos como hotéis,
clubes e casas noturnas, tendo sido instaurado um procedimento investigatório
para cada fornecedora de serviços.
A empresa .... com atividade na cidade de ...., atua no ramo hoteleiro e, como
tal, é fornecedora de serviços para os efeitos do artigo 3º, caput e parágrafo
2º, do Código de Defesa do Consumidor. Suas atividades são desenvolvidas na rua
.....
Após representação encaminhada pelo Comandante dos Postos de Bombeiros de .... e
regular procedimento investigatório, foi constatado que o hotel não apresenta
condições de segurança para receber consumidores, sejam eles hóspedes ou
freqüentadores dos eventos sociais. Aliás, até o momento, nem mesmo o novo
projeto de segurança do local foi aprovado.
Veja-se que o hotel nem mesmo possui aprovado o projeto de segurança, atual e
regular, consoante informação do Corpo de Bombeiros de fls....... Aliás, a
própria empresa admitiu a ausência da aprovação do projeto no documento de
fls...., ao se referir ao “Projeto Técnico em andamento para aprovação junto” ao
Corpo de Bombeiros. Ademais, também confessou que existe irregularidade,
apontando a ausência de sensores de fumaça a fls....... Mister mencionar que,
anteriormente, o hotel teve projeto aprovado. Entretanto, consoante esclareceu o
Corpo de Bombeiros, o local passou por “modificações estruturais” e, assim, “há
a necessidade da adequação do projeto de proteção contra incêndio do prédio”
(fls.26). As aludidas modificações ocorridas no prédio foram confirmadas pela
própria suplicada no documento de fls....., apontando que houve “uma pequena
alteração na ala direita... no 1º Pavimento e no 2º Pavimento da edificação”.
Dessa forma, agora, são imprescindíveis a apresentação e aprovação de novo
projeto. Ainda que parte das irregularidades tenha sido sanada (consoante
alegação da empresa a fls......), o novo projeto não foi devidamente aprovado e,
após a aprovação (se houver aprovação, diga-se), as medidas/obras nele previstas
ainda deverão ser executadas. A vida e a segurança dos consumidores não podem
esperar!
DO DIREITO
O artigo 3°, § 2°, CDC, define o que seja serviço: “serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista”.
Analisando tal dispositivo, Toshio Mukai leciona que:
“Já o § 2° deste artigo define o que seja serviço, fazendo-o também de modo
amplo. É sempre atividade que seja fornecida no mercado de consumo mediante
remuneração. Portanto, a atividade será não só aquela prestada
profissionalmente, com habitualidade, como aquela que, embora esporádica, o seja
mediante pagamento de uma remuneração”. (in Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor - Coordenador Juarez de Oliveira, 1991, p.09).
A atividade prestada pelo hotel suplicado se faz mediante remuneração direta, o
que o caracteriza como prestador de serviços.
O Código de Defesa do Consumidor confere proteção à saúde e à integridade física
do consumidor frente aos serviços defeituosos e perigosos, permitindo a
prevenção de danos difusos e individuais.
O artigo 6° da Lei nº8.078/90 expressamente estatui que:
“São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança
contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos; VI – a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Em complementação a tal regra, tem-se o disposto no artigo 8° do aludido Diploma
Legal:
“Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à
saúde ou segurança dos consumidores... obrigando-se os fornecedores, em qualquer
hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”
Para os casos de evento danoso, prevê o artigo 14 que “o fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. §
1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele
pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que
razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido.”
O Decreto Estadual nº38.069/93 e a conseqüente normatização administrativa
mencionada, apresentavam os requisitos mínimos para que os serviços de promoção
de eventos possam ser considerados seguros aos usuários. Posteriormente,
tratando do mesmo assunto, foi publicado o Decreto Estadual nº46.076/01, de
31.08.01, agora vigente.
Assim, a observância de tais normas implica em tutela do consumidor, difusamente
considerado, tendo em vista o fato de que os eventos são ofertados ao público em
geral.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao consagrar o “princípio da proteção
integral”, estabelece que a menores de 18 anos deverão ser proporcionadas e
garantidas, invariavelmente, e particularmente ao usufruírem bens e serviços,
todas as garantias de que sua segurança, saúde e integridade permanecerão
preservadas. Nesse sentido nota-se a presença de dispositivos no referido
diploma legal, nos âmbitos administrativo, civil e penal que procuram assegurar
tal proteção. Assim, por exemplo, os artigos 1º, 3º, 4º, 7º, 70 e 71, 242 e
seguintes, 252. Como se sabe, crianças e adolescentes também freqüentam hotéis e
estão sujeitos aos riscos da atividade da ré.
Restou patente que o hotel não oferece a segurança necessária aos consumidores.
Claro está, portanto, que a legislação em vigor tutela os interesses relativos à
integridade dos consumidores de serviços e produtos, estando o Ministério
Público legitimado a defender em Juízo tais interesses.
Tal situação está a reclamar uma pronta e enérgica resposta do Poder Judiciário,
evitando danos maiores. Evidente o flagrante desrespeito ao consumidor, devendo,
portanto, o Poder Judiciário coibir tal conduta, a fim de que a vontade concreta
da Lei seja atuada.
Consoante o artigo 12 da Lei nº7.347/85, é cabível a concessão de medida
liminar, com ou sem justificação prévia, nos próprios autos da ação civil
pública, sem a necessidade de se ajuizar ação cautelar (neste sentido, veja-se
RJTJSP 113/312).
Como ensinam os modernos processualistas, o processo é instrumento de
pacificação social, devendo proporcionar tudo aquilo que o autor receberia não
fosse a pretensão resistida do réu.
Ou, no dizer do Grande Mestre Cândido Rangel Dinamarco, em sua magistral obra “A
Instrumentalidade do Processo”, “a função jurisdicional e a legislação estão
ligadas pela unidade do escopo fundamental de ambas: a paz social.” (p.159 - 3ª
edição - Malheiros Editores).
Emerge da situação fática que a tutela liminar é a única hábil e capaz de evitar
danos irreparáveis ou de difícil reparação.
A liminar que ora se pleiteia vem prevista no artigo 12 da Lei n°7.347/85.
Pertinente é o magistério de José Carlos Barbosa Moreira, ao se referir à tutela
preventiva dos interesses coletivos ou difusos:
“Se a Justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de
prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de
fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição; nunca do de
simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização que de
modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível
de medir-se com o metro da pecúnia”. (in Temas de Direito Processual, 1988,
p.24).
No mesmo diapasão, Rodolfo Camargo Mancuso:
“Cabe ressaltar, desde logo, que o art. 4° contém uma particularidade: a
acautela não é apenas preventiva, como seria curial, mas pode conter um facere,
tudo em ordem a “evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor...” etc., quer
dizer: a nível preventivo, já se pode obter um provimento de conteúdo
executório, v.g.; ...o industrial cuja empresa lança poluentes na atmosfera,
será constrangido, desde logo, a instalar os equipamentos antipoluentes;” (in
Ação Civil Pública, Revista dos Tribunais, 4ª edição, p.137).
Ambos os requisitos reclamados para a concessão da liminar estão presentes, a
saber, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
No que tange ao primeiro pressuposto, sem um prejulgamento do mérito,
consubstancia-se em um juízo de probabilidade, razoavelmente demonstrado, da
irregularidade e abusividade das condutas praticadas pela ré. Pelos documentos
que instruem esta petição inicial, bem como pela abordagem que se fez nesta peça
processual, percebe-se que existe não só a aparência do bom direito, mas sim
prova inequívoca dos fatos aqui articulados.
Pela simples leitura dos documentos juntados aos autos, percebe-se que a empresa
requerida está descumprindo as normas mais comezinhas de proteção ao consumidor,
na medida em que exerce sua atividade de maneira insegura, o que por si só leva
à conclusão inarredável da verossimilhança das alegações feitas pelo autor.
Conforme ressaltado, o hotel apresenta irregularidades, constatadas pelo Corpo
de Bombeiros local, que ensejam aos freqüentadores do local riscos iminentes à
saúde e à integridade física. Com efeito, várias normas de direito material
estabelecem a absoluta necessidade do oferecimento de condições mínimas de
segurança como direito do consumidor, difusamente considerado, sendo que, no
caso presente, conforme já ressaltado e apurado pelo Corpo de Bombeiros, tais
normas e regulamentos não têm sido observadas pelo fornecedor. Presente,
portanto, o fumus boni iuris.
Quanto ao segundo requisito, isto é, o risco de dano irreparável ou de difícil
reparação em caso de demora na prestação jurisdicional, restou igualmente
demonstrado.
O perigo da demora na solução da lide é manifesto, já que diariamente o hotel
recebe hóspedes, funcionários e outros freqüentadores, os quais estão sujeitos
diretamente à sua atividade perigosa. Assim sendo, configurado está o chamado
periculum in mora, na medida em que seus freqüentadores estarão sob risco de
ocorrência de acidentes, incêndios, etc.
Como ensina Betina Rizzato Lara, em sua obra “Liminares no Processo Civil”: “a
primeira característica da liminar é a urgência, pois visa solucionar o problema
da demora na finalização do processo” (p.200 - Editora Revista dos Tribunais).
Os consumidores estão sendo expostos a riscos à vida e à saúde e assim
continuarão se não for suspensa a atividade, podendo ocorrer uma verdadeira
tragédia, como já se passou alhures.
Há que se impedir que tais riscos ocorram, sob pena de ocorrer danos
irreparáveis ou de difícil reparação.
Para tanto, mister se faz a imediata suspensão dos serviços, até que as
providências ventiladas pelo Corpo de Bombeiros sejam adotadas, especialmente a
obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (o qual somente será expedido
se assegurada a integridade física e a saúde dos usuários).
Aludida providência não pode e não deve aguardar o julgamento final do feito,
sob pena do provimento jurisdicional tornar-se imprestável diante de uma
situação consumada de dano irreparável e de difícil reparação.
Convém lembrar que, para a concessão da liminar, o Julgador lança mão de uma
cognição sumária, visto que não analisa de forma profunda a questão posta,
raciocinando em termos de plausibilidade.
À vista disso, com abrigo no artigo 12 da Lei n°7.347/85, requer o Ministério
Público, inaudita altera parte, seja interditado o hotel ou, ao menos, sejam
suspensas suas atividades, impedindo-se a entrada e permanência de consumidores
em suas dependências, até julgamento do pedido principal.
Nos termos do artigo 11 da mesma lei, requer-se a pena de multa diária de
R$10.000,00, pelo descumprimento da liminar, sem prejuízo de caracterização de
crime de desobediência.
DOS PEDIDOS
Face ao exposto, é a presente para requerer :
I – concessão de medida liminar inaudita altera parte, nos termos do disposto no
artigo 12 da Lei nº7.347/85, a fim de que, desde já, seja interditado o hotel
ou, ao menos, sejam suspensas suas atividades, impedindo-se a entrada e
permanência de consumidores em suas dependências, até julgamento do pedido
principal, sob pena de multa diária de R$.....;
II – a publicação de edital no órgão oficial e em jornal de circulação nesta
Comarca, a fim de que os interessados possam intervir no feito como
litisconsortes, conforme dispõe o artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor;
III – a citação da empresa requerida no endereço mencionado no preâmbulo, com os
benefícios do artigo 172, § 2º, do Código de Processo Civil, para, querendo,
apresentar contestação, sob pena de revelia;
IV – ao final, seja julgada integralmente procedente a ação, para que a empresa
suplicada seja condenada em obrigação de não-fazer consistente em se abster de
realizar suas atividades de fornecedora de serviços no local (na rua .....), por
si ou por terceiros, até completa adequação às exigências formuladas pelo Corpo
de Bombeiros de ...., a ser comprovada por meio de documentos que atestem sua
aprovação, inclusive com a prévia apresentação do Auto de Vistoria do Corpo de
Bombeiros;
V – que, para o caso de descumprimento da r. decisão judicial, seja fixada multa
diária no valor de R$....., nos termos do artigo 13 da Lei n°7.347/87, a qual
deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Despesas e Reparação dos Interesses
Difusos, com a devida atualização monetária até a data do efetivo pagamento, sem
prejuízo do ressarcimento individual do consumidor lesado.
VI – o benefício legal da inversão do ônus da prova em prejuízo da ré, quanto à
matéria fática a ser debatida, em razão da verossimilhança dos fatos alegados
(artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor).
VII – seja a requerida condenada ao pagamento das custas e demais despesas
processuais.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, sem
exceção, especialmente depoimento pessoal, oitiva de testemunhas, inspeção
judicial e provas pericial e documental.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]