Isenção do ICMS sobre importação de veículo para uso
próprio.
PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE ____________
Excelentíssimo Senhor Desembargador _________________, Relator da Ação
Rescisória n. __________
O ESTADO _________, pessoa jurídica de direito público, demandado nesta ação
rescisória por (AUTOR), comparece ante V. Exa., respeitosamente, por seu
Procurador signatário, para oferecer CONTESTAÇÃO, nos seguintes termos.
INDEFERIMENTO DA INICIAL
De acordo com o disposto no art. 488, II, do Código de Processo Civil, deve o
autor "depositar a importância de cinco por cento (5%) sobre o valor da causa, a
título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada
inadmissível ou improcedente."
Tal exigência encontra-se alçada ao patamar de requisito da petição inicial, a
qual, desatendida, leva ao indeferimento dessa, a teor da regra do CPC, art.
490, II.
E nem se diga que seria possível que o depósito fosse feito a posteriori, ou
complementado, ressalvado o prazo de emenda previsto no art. 284 do CPC. É que a
exigência do depósito é condição procedimental, impossível de ser suprida,
quando se vê a prevalência da regra especial (arts. 488, II, e 490 II), sobre a
regra geral (art. 283).
Nestes autos, trata-se de ação rescisória de acórdão desse E. Tribunal, em que o
autor teve denegado pedido de segurança, impetrada no sentido de eximi-lo do
pagamento de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, devido quando da
importação de veículo, para uso próprio.
O pedido de rescisão contempla, pois, valor econômico perfeitamente mensurável,
que é o do imposto cujo não pagamento é buscado. Assim, tem valor certo e
conteúdo econômico imediato (CPC, art. 258).
O autor não informa, em nenhuma passagem da inicial, ou nos documentos
acostados, quanto teria pago de imposto, ou ao menos quanto deveria a tal
título. O único indicativo do valor devido está em fls. ___, na forma de carta
de fiança de R$ _______ (______), passada em favor do autor por terceiro, onde
se diz que tal quantia é "...bastante à garantia de referida obrigação."
Quando atribui o valor da causa, contudo, o autor limita-se a fazê-lo na
irrisória quantia de R$ ______ (______). Evidentemente, não o fez na medida do
negócio jurídico em lide. E, pior, levou a que o depósito fosse feito na
irrisória quantia de R$ _______ (______), claramente desconforme com o teor
econômico da lide.
Por isso mesmo, o peticionante está a impugnar o valor da causa, em procedimento
próprio, o que servirá, dentre outras coisas, para a inevitável fixação de
sucumbência do autor.
Para fins de aferição da regularidade do depósito, contudo, é certo que ressalta
a sua incompletude.
Assim é que pede-se seja determinado ao autor que complemente o depósito, no
prazo de ____ dias, para o percentual de __% (____ por cento) do valor de R$
_____ (________), conteúdo econômico por ele mesmo estimado, por via transversa,
sob pena de indeferimento da inicial, o que de logo se requer, cabendo, nesse
caso, a condenação em sucumbência, inclusive na forma de honorários
advocatícios.
DO INDEFERIMENTO DA INICIAL
Evidentemente que, para propor a ação rescisória, o mínimo a se exigir do autor,
ao basear seu pleito no CPC, art. 485, VII, é que trouxesse aos autos o
documento novo, ou seja, a decisão do STF.
A inicial e a procuração estão em fls. 2/17; Da fls. 18 usque 152, há cópia do
mandamus originário. Em fls. 154/155, há cópias de acompanhamento de processo no
E. Supremo Tribunal Federal, tiradas via site da Internet, onde se dá notícia da
tramitação processual de um Recurso Extraordinário, com a informação de que não
foi conhecido, por maioria (RE 203075-9).
Não há cópia do acórdão, nem sequer indicação de sua publicação (a menção que se
faz é à publicação da ata do julgamento).
Já no texto da petição inicial (fls. 5), dá-se como fundamento da rescisória a
posição do STF no RE 191346-1-RS, e cita-se o que seria a ementa do referido RE
203075-9.
Ora, como a ação funda-se na superveniência de documento novo, e esse documento
seria exatamente o acórdão (ou acórdãos, admita-se) do STF, não era de se
esperar senão que a própria decisão tivesse vindo aos autos, certamente por
reprodução xerográfica.
No equivocado entender do autor, a simples menção a um acórdão significaria o
atendimento da demanda processual, de juntada à rescisória de documento novo.
Não pode ser assim. O documento há que vir acompanhando a ação, como (documento)
indispensável à sua propositura.
Assim, é caso de indeferimento da inicial, por faltar documento indispensável à
propositura da ação (CPC, arts. 283 e 490), o que de logo se requer,
cominando-se ao autor o ônus sucumbencial próprio.
DA INADMISSIBILIDADE DESTA AÇÃO RESCISÓRIA
Trata-se de ação rescisória de acórdão do E. Tribunal de Justiça do Estado, que,
em dezembro de 1995 (acórdão publicado em agosto de 1996), decidiu por denegar
mandado de segurança impetrado - dentre outros - pelo ora autor, que dizia
malferidora de direito líquido e certo a exigência de pagamento de Imposto sobre
a Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, quando da importação de veículo,
mesmo que para uso próprio. O acórdão, confirmado no C. Superior Tribunal de
Justiça, entraria em confronto com decisões muito posteriores em contrário,
adotadas pelo STF.
As rescisórias, como se sabe, têm seu cabimento balizado por regras postas de
forma exaustiva, no art. 485 do Código de Processo Civil. A segurança das
relações jurídicas impede que tal via seja utilizada para pura e simples revisão
de julgados, como se se tratasse de mais um recurso, ou de mais uma instância
que o seu autor, antes já derrotado, pudesse palmilhar.
Assim é que é imposição ao autor demonstrar que sua pretensão rescisória
enquadra-se, sem malabarismos intepretativos, nos dispositivos que regem a
matéria, i.e., em algum ou alguns dos incisos que limitam a utilização da ação.
No caso, o autor pugna pelo cabimento da rescisória apontando violação de
literal disposição de lei (CPC, art. 485, V), e a existência de documento novo
(art. 485, VII). Não logra provar que nem uma, nem outra, estejam presentes. E
nem poderia, pelo fato de que não estão. Veja-se.
Ausência de violação de literal disposição de lei
Como será visto no mérito, o acórdão rescindendo não violou qualquer disposição
literal de lei, ao dar cumprimento às normas que regem a exigência de ICMS,
quando da importação de veículo, desimportando a sua finalidade (Lei n. 11530,
Decreto n. 21219/91 e Convênio n. 66/88).
A primeira condição de cabimento da rescisória sob resposta, art. 485, V, é a de
que a lei tenha sido violada em sua literalidade. Isto suscita abordagem em mais
de um prisma.
Para ficar na literalidade, de que fala o texto legal, admitir-se esta
rescisória significaria, necessariamente, reconhecer que o acórdão teria sido
proferido em desacordo expresso com os termos da lei que rege a matéria de
mérito. Em outras palavras, haveria lei dizendo que não era exigível ICMS na
importação de veículos para uso do próprio importador pessoa jurídica, e o
acórdão teria dito o contrário, isto é, que o dito imposto seria exigível.
Obviamente que tal não ocorreu. Inexistia lei literal que dissesse em contrário
aos fundamentos da decisão dessa E. Corte, no acórdão rescindendo.
É certo, no entanto, que seria impensável apegar-se tão-somente ao texto da lei
em si, para dizer que não caberia rescisória, e pronto. Não é dado desconhecer
que a interpretação da lei também pode implicar, ainda que implicitamente, em
violação de texto legal, de lege ferenda, ou, mais especificamente, como
resultante da exegese a que se submeta dado dispositivo.
Seria o caso de considerar como rescindível, também, o acórdão que teria ferido
o direito, e não só a lei. Mas, esse acórdão sub oculis, ao ser prolatado, que,
como já se viu, não ofendeu à lei, teria violado o direito?
A resposta é não!
O acórdão deu tratos à questão dentro de interpretação perfeitamente consentânea
e razoável, de acordo com o que foi posto em discussão e julgamento. As normas
postas receberam exegese adequada, perfeitamente sintonizada, inclusive, com a
jurisprudência que já se firmara, à época, no STJ, mencionado um seu aresto,
inclusive, no parecer da d. Procuradora de Justiça com assento no Pleno dessa
Corte (fls. 80/96), ainda em abril de 1995.
Tanto era assim que a matéria veio a ser cristalizada no Enunciado da Súmula do
STJ, de n. 198, assim posta: "na importação de veículo por pessoa física,
destinado a uso próprio, incide o ICMS."
O que teria que ter havido, pois, era error in judicando, quando a matéria foi
julgada, e o acórdão proferido. Mas seria erro de julgamento decidir segundo a
lei, mesmo que de forma dela interpretativa, sem desbordar da ratio legis?
De novo, claro que não!
Assim, vê-se que não houve nem violação à lei, nem malferimento ao direito,
posto que o acórdão rescindendo valeu-se de interpretação correta, adequada, e
perfeitamente consonante com o que se decidia a respeito, quando prolatado.
A respeito, confira-se o que já decidiu o STJ, em acórdão relatado pelo Min.
SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA:
"Adotado na decisão rescindenda entendimento relativo a interpretação de texto
legal, que, ao tempo em que foi proferida, era acolhido pelo maioria dos órgãos
judicantes do país, inclusive pelo STF, inadmissível se afigura desconstituir
tal decisão, em sede de rescisória, pela só circunstância de, posteriormente,
haver-se firmado orientação jurisprudencial em sentido diverso." (REsp
19992-3-SP)(RSTJ 74/230)
O aresto é auto-explicativo, e nem mesmo inovou, eis que, já em 1984, o STF
decidira, pelo voto do Min. FRANCISCO REZEK:
" O pedido rescisório não é meio idôneo para nova abordagem interpretativa de
prescrições legais, a cujo respeito a jurisprudência não seja unívoca." (AR
1124-SP)(RTJ 110/487)
Insta afirmar que a uma das últimas decisões do STJ é exatamente nesse sentido.
Senão veja-se a que publicada no DJU de 31/05/1999, relatada pelo Min. GILSON
DIPP:
"Inexiste violação literal à disposição da lei quando, à época do julgamento do
acórdão rescindendo, a matéria era controvertida no âmbito dos tribunais, mesmo
que, mais tarde, a jurisprudência viesse a se pacificar em sentido contrário.
Aplicabilidade da Súmula 343, do STF. Precedentes do STJ" (AR 768-SE, AC.
disponível na Internet)
Ora, se não há falar em rescisória quando a interpretação foi dada em período no
qual a jurisprudência não convergia, o que dizer da mesma possibilidade quando a
jurisprudência convergia, em perfeita consonância com o que posto no acórdão?
Na mesma linha de raciocínio segue a interpretação, a contrario sensu, e com
tanto mais razão, do teor da Súmula n. 343, do STF, que diz: "Não cabe ação
rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda
se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais."
Ora, mutatis mutandis, se já não caberia rescisória por interpretação
divergente, muito menos caberia por interpretação convergente. Nada autoriza a
dizer que assim não seria, pelo fato de que o alcance da súmula é manter íntegro
o poder de dizer o direito, ínsito a cada órgão jurisdicional, sem que mera
interpretação autorize a quebra da coisa julgada, representada pela rescisória.
Outro não é o entendimento do STF, revelado em acórdão relatado pelo Min.
MAURÍCIO CORREA:
"(...) Ação rescisória proposta contra este julgado, fundada em violação de
literal disposição de lei, para restabelecer o entendimento do Tribunal de
Justiça.
2. À época desta decisão, era controvertida a interpretação do texto legal
invocado, vindo, posteriormente, a se fixar em sentido contrário; entretanto, em
tais casos, aplica-se a jurisprudência desta Corte, segundo a qual "não cabe
ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão
rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos
Tribunais" (Súmula 343), "ainda que a jurisprudência do STF venha,
posteriormente, a fixar-se em sentido contrário." (RE nº 89.924-SP, Rel. Min.
MOREIRA ALVES, in RTJ 91/312). Ação julgada improcedente." (AR 1326-RJ) (DJU
06/06/97, p. 24867. Ac. disponível na Internet)
Há mais, contudo. Ainda no STF, existe interpretação contrária à já suscitada,
no sentido de que, se a divergência jurisprudencial não autoriza a rescisória, a
convergência jurisprudencial é que não o faz. Veja-se parte relevante do aresto,
relatado pelo Min. SEPÚLVEDA PERTENCE:
"(...) Ação rescisória: descabimento se conforme a decisão rescindenda à
jurisprudência dominante ao tempo da sua prolação: aplicação a fortiori da
Súmula 343." (AGRAG 185257-SP) (DJ de 13/02/98, p. 5, Ac. disponível na
Internet)
Resulta, então, que a real pretensão do autor é rever a questão sob o só pálio
de que a jurisprudência mudou. Tal pensar coloca em confronto, assim,
jurisprudência sumulada no STJ, com decisões isoladas do STF, i.e., reconhece
que sobre o tema foi dada mais de uma das interpretações possíveis.
A pergunta que surge é se é cabível rescisória, com base em violação literal de
lei (ou mesmo do direito, admita-se), quando o acórdão rescindendo simplesmente
perfilou-se em uma fileira jurisprudencial, já então puxada pelo próprio STJ.
A resposta é negativa, é claro, como já se viu. Nada impede, porém, que, contra
ela, acresçam-se mais argumentos.
A propósito da matéria agora abordada, tenha-se como princípio básico que o bem
maior a ser resguardado é o da segurança das relações jurídicas, a partir da
prevalência da coisa julgada, como baliza de que as instituições serão, por ela,
protegidas.
Assim é que era mesmo necessário responder-se à pergunta do antepenúltimo
parágrafo, com um sonoro não! Não, não se autoriza o uso da rescisória quando a
interpretação jurisprudencial muda, depois que consolidada a situação jurídica
que se busca rescindir.
Veja-se, bem a propósito, decisão recentíssima do STJ, relatada pelo Min.
ADHEMAR MACIEL, que enfoca a questão com peculiar pertinência, referindo-se,
inclusive, á matéria suscitada precedentemente, nesta peça:
"I - O respeito à coisa julgada não pode ficar condicionado a futuro e incerto
julgamento do STF sobre a matéria, não tendo o ulterior pronunciamento daquela
Corte, ao exercer o controle difuso na estreita via do recurso extraordinário, o
condão de possibilitar a desconstituição dos julgados, proferidos pelos
tribunais de apelação à luz da jurisprudência prevalecente antes do julgamento
proferido pelo STF.
II - Como qualquer norma jurídica, as regras insertas na Constituição Federal
não estão isentas de interpretação divergente, seja por parte da doutrina, seja
por parte dos tribunais. Quando isso ocorre, a tese rejeitada pelo STF, ao
exercer o controle difuso em recurso extraordinário, não pode ser tida como
absurda a ponto de abrir a angusta via da ação rescisória aos insatisfeitos.
Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário
que a interpretação dada pelo "decisum" rescindendo seja de tal modo aberrante
que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão
rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a
melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero
"recurso" com prazo de "interposição" de dois anos.
III - Recurso especial não conhecido, prestigiando-se os acórdãos proferidos no
Tribunal Regional Federal." (RESP 168836-CE, não conheceram, unânime)(DJ
01/02/99, p. 156, AC. disponível na Internet)
Refere-se a catalogação do julgado, na base de dados do STJ disponível na
Internet, também aos REsp 63090-RJ, 49809-SP, 23204-PR e 9086-SP, em igual
sentido.
Insta comentar, ainda, a direção que o autor deu ao julgado - isolado - do STJ,
transcrito em fls. 7
Primeiro de tudo, a palmar que o acórdão não violou diretamente norma
constitucional (art. 155, CF/88), nem a disse incabível. Apenas interpretou-a,
incompleta, not self executing que era, à luz do que nela se continha, e dos
suprimentos de normas ordinárias que recebeu. Não dizia a regra constitucional
que a pessoa física, ou o destinatário final de mercadoria importada para
consumo próprio, não deveria pagar dado imposto.
Não se perca de vista, pois, que a Constituição é carta política, que dá a todo
o ordenamento base de validade, mas que das normas que lhe são inferiores não
prescinde, para que se executem as suas disposições lacunosas. Ademais, o
caráter político de que se reveste torna prescindível o apuro técnico em relação
à terminologia, pois que escrita de forma mais acessível, sem juridicismos ou
termos inúteis.
Quanto ao trecho em que o acórdão menciona o necessário tratamento isonômico,
cede em seu cabimento, ante o que leciona HUMBERTO THEODORO JUNIOR, verbis:
"Costuma-se supervalorizar a função da ação rescisória, quando utilizada em
situações como a de restabelecer a sujeição tributária, com a invocação dos
princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, que, sem a revisão das
sentenças impugnadas seriam ofendidos graças à prevalência do julgado que
beneficiou um ou alguns contribuintes, ao afastar a incidência da lei mais tarde
declarada constitucional pela Suprema Corte. (...)
Quanto ao princípio da isonomia entre as partes que se costuma invocar para
justificar a quebra da res iudicata, principalmente em matéria de direito
tributário, onde se argüi a necessidade de tratar uniformemente todos os
contribuintes, o problema não pode ser enfocado de maneira assim tão singela."
Daí parte o douto professor para considerar um ponto que é fundamental, para que
se delimite até onde pode ir o alcance da rescisória:
"Se a isonomia já estava em jogo nos próprios termos da lide e contra ele se
formulou a sentença, é evidente que a coisa julgada se revelará rescindível. Mas
se a demanda se travou sobre questão jurídica diversa e se limitou a definir a
existência, ou não, de obrigação tributária apenas do demandante, claro é que a
coisa julgada se formou sobre terreno totalmente estranho às indagações
pertinentes ao princípio da isonomia. Trazê-lo ao palco da ação rescisória,
então, consistiria em inovar a causa de decidir posteriormente à definitividade
da res iudicata, o que se nos afigura um fator de desnecessário e inaceitável
atrito com o princípio da segurança jurídica, este sim específico à hipótese."
O que THEODORO JUNIOR segue ensinando é também da maior importância. Ele
assevera, com total propriedade, que os princípios da intangibilidade da coisa
julgada, e da isonomia, não se superpõem, pois um não é mais importante do que o
outro, diante do fato de que ambos "...emergem das garantias básicas da ordem
constitucional." Daí, conclui com invejável maestria:
"Se houvesse uma natural valoração da isonomia acima da coisa julgada, este
instituto, que a Constituição quis colocar em patamar tão alto que restou
protegido até da força legislativa do Estado, restaria enormemente esvaziado.
Bastava uma das naturais oscilações da jurisprudência para que todas as
sentenças trânsitas em julgado perdessem a sua estabilidade. A rescindibilidade,
em vez de exceção, tornar-se-ia a regra nos pretórios, gerando avalanchas
intermináveis de ações rescisórias que, fatalmente, acabariam por provocar
rescisórias de rescisórias num moto perpétuo intolerável e inconcebível. Não é,
obviamente, com tal propósito que se concebeu a ação rescisória. (...)
Não cabe, a partir de então, cogitar de uma melhor ou mais perfeita
interpretação que o julgador poderia ter dado eventualmente à lei aplicada por
meio da sentença. Daí em diante, o valor maior é o da estabilidade e segurança
da relação jurídica, definitivamente declarada pelo aresto." (Revista de
Processo 79/158 e ss.)
Imprestável o acórdão para o fim colimado, pois.
Diante do exposto, tem-se que simplesmente não cabe ação rescisória, in casu,
por não configurada a hipótese de violação a literal disposição de lei, nem do
direito. Esta ação, assim, não é de ser sequer conhecida.
Da inexistência válida de documento novo
Para a hipótese de que a inicial não tenha sido indeferida, por falta de
apresentação de documento indispensável à propositura da ação (ausência do
documento dito novo), tenha-se que, mesmo se ele (documento) estivesse nos
autos, não serviria para ensejar o deferimento da rescisória.
Como já se adiantou, outro ponto em que o autor se arrima, para propor a
rescisória, é a existência de documento novo, que diz ser decisão do STF, de
forma divergente daquela adotada no acórdão rescindendo. Uma vez mais, não tem
razão, como se verá.
A regra do CPC, art. 485, VII, diz que é rescindível a sentença, se apresentado
documento novo, que, cumulativamente, a) tenha sido obtido depois da sentença,
cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, b) e que, por si só,
pudesse lhe assegurar pronunciamento favorável.
Neste ponto, deve-se principiar pelo que se entende como documento, para ser
verificado se uma decisão, proferida em processo de terceiros, pode ser adotado
como tal, para valer como prova em juízo, em prol de direito alegado.
Documento, processualmente falando, é definido por MARIA HELENA DINIZ como sendo
"(...) a) qualquer escrito oferecido em juízo que forneça prova da alegação do
litigante; b) qualquer fato que possa comprovar ou testemunhar algo; c) prova
documental; d) qualquer escrito que tenha relevância jurídica (...)."
(Dicionário Jurídico, 2º vol., SP, Saraiva, 1998, p. 224)
O documento, portanto, é prova instrumental, que se vincula à alegação dos fatos
feita em juízo. Adéqua-se uma decisão judicial a esse figurino? Não, não se
adéqua.
Quando se ajuíza uma ação, qualquer que seja, o documento colacionado aos autos
deve servir para sustentar os fatos alegados pelo autor. No caso, serviria para
dizer que ele, por algum motivo, não deveria recolher ICMS, na importação de
veículo para uso próprio.
Juntando uma decisão judicial aos autos, então, que tipo de prova o autor
poderia fazer? Nenhuma. A cópia do extrato de um acórdão (nem seu inteiro teor
veio), juntada a uma petição inicial, pode indicar precedentes, ou vetores de
julgamento de determinada matéria, mas nunca será prova de qualquer outro fato,
afora o de que já teria havido decisão análoga em outro pretório.
Conclusivamente, pois, o documento só será novo, para fins de rescisória, pelo
fato de que não era conhecido, ou não pôde ser utilizado, à época da ação. Isto
é, se existisse, ou fosse conhecido, deveria ter sido utilizado, sob pena de
precluir o direito de utilizá-lo.
Tocante à expressão por si só, que a lei exige como condição para que o
documento tenha poder rescindente, significa que o suposto documento novo teria
que ser determinante para a rescisão do julgado.
Daí nasce a pergunta: uma decisão de um tribunal é suficiente para determinar
que outra corte rescinda um julgado seu? Uma vez mais, a resposta é não, até
pelo fato de se levar em conta que, mesmo se o julgamento do STF existisse
quando da propositura da ação originária, o só fato de abonar a posição do autor
sequer vincularia o julgamento em outra instância.
Demais disso, há exigências de caráter processual inafastáveis, como as que
observadas em decisão do STJ, relatada pelo Min. EDUARDO RIBEIRO:
"Documentos novos. Necessário que a inicial da rescisória explicite por que
seriam capazes, por si, de assegurar pronunciamento favorável, esclarecendo,
outrossim, o que teria impedido a parte de apresentá-los na instrução do
processo em que proferida a sentença rescindenda." (AR 05-SP) (DJU de 05.02.90,
p. 448, cf. THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e legislação processual
civil em vigor, 30ed., atual., SP, Saraiva, 1999, p. 477)
Por último, no particular ora tratado, tenha-se em vista que a ação originária,
onde foi proferido o acórdão rescindendo, era mandado de segurança, onde toda a
prova deveria ser necessariamente produzida com a inicial. Nesse caso, só se
aceitaria documento que não estivesse em poder do autor, quando da sua
propositura, se se valesse da regra que permite ao juiz requisitar documentos em
poder de terceiros, posta na Lei do Mandado de Segurança.
Ficou bem claro que o documento dito novo não o é, para os fins de rescisória.
Infeliz, isolada e inservível, a decisão transcrita na inicial, do E. Tribunal
Regional Federal da 5ª Região.
Admita-se, contudo, ad argumentandum, que uma decisão judicial seja documento
válido, para ensejar rescisória. Nem assim o autor teria razão.
Avulta o problema de que seria documento novo, para os fins de rescisória.
Pretende o autor que assim se considere um documento simplesmente inexistente, à
época do acórdão. Não será possível.
Veja-se com J. C. BARBOSA MOREIRA;
" Por "documento novo" não se deve entender aqui o constituído posteriormente. O
adjetivo "novo" expressa o fato de só agora ser ele utilizado, não a ocasião em
que veio a formar-se. Ao contrário: em princípio, para admitir-se a rescisória,
é preciso que o documento já existisse ao tempo do processo em que se proferiu a
sentença. Documento "cuja existência" a parte ignorava é, obviamente, documento
que existia, documento de que ela "não pôde fazer uso" é, também, documento que
noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado, e portanto existia."
(Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 6ª ed. rev. atual. Rio,
Forense, 1994, p. 122)
Agora, com PONTES DE MIRANDA:
" A regra jurídica do art. 485, VII, supõe que, depois da sentença, o autor haja
obtido documento cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, e esse
documento basta para que se dê pronunciamento favorável. (...) A referência a
ser novo o documento é um tanto ambígua, porque, no tempo, tal documento pode
ter sido anterior a algum, ou alguns, ou a todos os documentos que serviram à
produção da prova. Ou o documento era ignorado, ou não no era mas não pudera ser
usado no processo. A novidade, portanto, é apenas a posterioridade da produção,
resultante de causa que a lei prevê (ser ignorado pela parte, autora da ação
rescisória, ou não produzido como prova por ter sido impossível fazê-lo). DE
MODO ALGUM CABE PENSAR-SE EM ACONTECIMENTO NOVO, EM FATO NOVO." ( Tratado da
Ação Rescisória, Campinas, Bookseller, 1998, p. 327)
Não discrepa da melhor doutrina o entendimento do pretórios, a começar do STF,
em aresto relatado pelo Min. NÉRI DA SILVEIRA:
"(...) 3. Para os efeitos do inciso VII do art. 485 do C.P.C., por documento
novo não se deve entender aquele que, só posteriormente a sentença, veio a
formar-se, mas o documento já constituído cuja existência o autor da ação
rescisória ignorava ou do qual não pode fazer uso, no curso do processo de que
resultou o aresto rescindendo. (...) 5. Ação rescisória julgada improcedente.
(AR 1063-PR) (DJU25/08/95, p. 26138, Ac. disponível na Internet)
Do STJ, decisum relatado pelo Min. VICENTE LEAL, publicado há menos de seis
meses:
"(...) - O documento novo que autoriza o exercício da ação rescisória é aquele
já existente à época em que proferida a decisão rescindenda, não obstante sua
obtenção seja posterior, por desconhecer o autor sua existência ou dele não
poder ter feito uso, capaz de assegurar, por si só, a procedência do
pronunciamento jurisdicional. (...) - Recurso especial não conhecido." (REsp
74853/BA) (DJU de 14/12/1998, p. 311, Ac. disponível na Internet)
Mais especificamente ainda é o seguinte acórdão, relatado pelo Min. JOSÉ ARNALDO
DA FONSECA, em que a matéria posta era a de - infrutífera - tentativa de
rescisão de decisão proferida em consonância com Súmula do próprio STJ, que
pulveriza a decisão do Regional:
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DE LEI.
POSTERIOR DECISÃO EM SENTIDO CONTRÁRIO AO JULGADO RESCINDENDO. DOCUMENTO NOVO.
INCONSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS. A decisão que se pretende rescindir
foi proferida com base na Súmula 149, do STJ, ou seja, a prova exclusivamente
testemunhal não se presta a comprovar a atividade rurícola para efeito de
benefício previdenciário.
ACÓRDÃO PROFERIDO "A POSTERIORI", EM SENTIDO OPOSTO, NÃO CONSTITUI DOCUMENTO
NOVO A ENSEJAR A PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA. Improcedência da ação." (AR
554/SP) (DJU de 14/12/1998, p. 89, Ac. disponível na Internet)
Poderiam ser mencionadas diversas outras decisões, recentes e antigas, tanto do
STF quanto do STJ, que vão no mesmo sentido. As transcritas, no entanto,
resumem, e bem, a posição jurisprudencial pertinente.
Tem-se, do exposto, que é inadmissível a ação rescisória sob resposta, também
por não caber sua sustentação no CPC, art. 485, VII.
MÉRITO
A ação rescisória, como se sabe, não é um recurso que tenha o prazo de dois
anos. Logo, não se presta o seu processamento a rediscutir a matéria de mérito,
decidida no acórdão rescindendo, e confirmada, aliás, pelo STJ.
Para julgamento de rescisória, há que se conter o conhecimento nos limites de
cabimento da ação, que estão postos de forma exaustiva, no art. 485, do CPC. No
caso, é de decidir se houve violação a literal (ou a interpretação de) texto de
lei, ou se o alegado documento novo teria o condão de desfazer o decisum
originário.
Como restou provado, não houve violação a texto de lei. Houve interpretação
consentânea com a jurisprudência vigente à época do julgamento; também não
autoriza a rescisão do julgado a pura e simples adoção de entendimento diverso,
por outro tribunal.
Não havendo como conhecer a rescisória, inexiste possibilidade jurídica de ser
proferido novo julgamento, no qual se desconstitua a decisão de origem. Se se o
fizesse, estar-se-ia dando à rescisória o tratamento de recurso, o que, como se
sabe, e como já se disse, não tem sustentáculo legal.
Por isso mesmo é que o mérito desta ação cinge-se à discussão sobre é cabível,
ou não, a rescisória. Não o é, já se viu. Logo, se não é de ser conhecida, resta
prejudicado o julgamento de mérito.
Admita-se como mera forma de seguir raciocinando, contudo, que se chegue ao
mérito não desta rescisória, mas do próprio mandado de segurança, de forma a
julgar-se a possibilidade de alteração de seus termos.
Sendo assim, e como já suscitado na negativa de cabimento, a questão foi
decidida em consonância com a jurisprudência que se apresentava unívoca, à
época, a ponto de ser consolidada na Súmula n. 198, do STJ.
Assentaram-se sobre bases sólidas os bem lançados argumentos da fundamentação do
acórdão, da lavra do Des. JOSÉ EVANDRO NOGUEIRA LIMA. Sendo despicienda a
transcrição do decisum, na sua íntegra, posto copiado nestes autos (v. fls.
___/___), insta referir o seguinte.
Tratava-se de exação com base na aplicação combinada do art. 155, II, da CF/88,
e dos dispositivos pertinentes do Convênio n. 66/88 (com força de lei
complementar), da Lei n. 11530/89, e do Decreto n. 21219/91, vigentes à época da
impetração da segurança originária.
Aplicando a melhor exegese, e com base em jurisprudência já firmada à época da
decisão, o acórdão mostrou que não havia inconstitucionalidade na formação do
referido convênio, que tinha pé em regras do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, e que não feria à Constituição a exigência de pagamento de ICMS,
quando da importação de veículo, desimportando o fim da operação. De forma muito
bem posta, fundou o convencimento em sólidas decisões do STJ, do Tribunal de
Justiça de São Paulo, e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. E concluiu:
" (...) Desse modo, consagrou-se a lúcida orientação que o Convênio ICMS 66/88
tem força de lei complementar, encontrando-se derrogada qualquer disposição do
Decreto-lei n. 406/68, que não fosse com ele compatível, prevalecendo apenas as
normas não conflitantes, nos precisos termos do § 5º , art. 34, do ADCT.
Considerando as definições constantes do já mencionado convênio, o fato gerador
do ICMS é o recebimento pelo importador das mercadorias, bens ou coisas, que
pode ser tanto pessoa física, como jurídica, sendo bastante e necessário como
local de operações o domicílio do adquirente, quando a mercadoria é importada do
exterior, regras repetidas pela Lei Estadual n. 11530/89."
A decisão encontrava, e encontra, ressonância em jurisprudência do STJ,
devidamente sumulada. Dela destoa, data maxima venia, sem razão, o STF, ainda
que em posições restritas a casos isolados. Tal não autoriza, contudo, que as
relações jurídicas sejam abaladas, com a rescisão de coisa julgada, quando a lei
foi observada em sua adoção.
Também é de se observar, com pertinência, que as decisões do STF não têm o
condão vinculante, que o autor nelas divisa. Elas sequer obrigam ao próprio STF,
pois não se tem notícia de que tenham sido sumuladas. Logo, mesmo se essa E.
Corte estivesse sendo confrontada com quaestio da espécie, por competência
originária, ou em grau recursal, não seria dado obedecer cegamente ao que
decidido no STF. Muito menos em sede de rescisória, é bem de se dizer.
Aliás, é bom que se veja não ter o autor sequer trazido os acórdãos que refere
como documentos novos (?), tornando impossível até mesmo o confronto de teses
entre a que adotada no acórdão rescindendo, e aquelas eventualmente acolhidas no
âmbito do STF.
E possível, então, rescindir o acórdão, se não se sabe sequer o que
juridicamente motiva o pedido? Cabe, aqui, um último, e enfático, NÃO!
PEDIDO
Diante do exposto, requer-se o acolhimento das preliminares, sucessivamente,
pelo indeferimento da petição inicial por falta de depósito válido, e de
documento indispensável à propositura da ação. Se daí se passar, diz-se ad
argumentandum tantum, pede-se o não conhecimento da ação rescisória, por falta
de embasamento jurídico para as hipóteses de cabimento suscitadas pelo autor,
eis que não houve violação de texto legal, nem é válida a existência nem cabível
juridicamente a argüição de existência de documento novo. Ainda para argumentar,
caso conhecida a ação, para julgamento de meritis, que se lhe negue provimento,
por faltar amparo fático, jurídico e legal ao pedido. Em qualquer caso, pede-se
a condenação do autor em custas e honorários advocatícios, estes no seu plus.
Esta ação pede julgamento antecipado, por ser questão unicamente de direito.
Caso seja decidido pela necessidade de instrução, diretamente ou via carta de
ordem, fica requerida a produção de todas as provas processualmente admissíveis,
especialmente juntada posterior de documentos.
P. deferimento
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