Impetração de mandado de segurança ante à cobrança de
COFINS de sociedade simples.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA ..... VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DA
SUBSEÇÃO DE .... - SEÇÃO JUDICIÁRIA DO .....
...., sociedade de advogados, com sede na Rua .... nº ...., em ...., inscrita no
CGC/MF sob nº ...., por seu advogado, infra-assinado, inscrito na OAB, Seção do
.... sob nº ...., vem mui respeitosamente perante Vossa Excelência impetrar
MANDADO DE SEGURANÇA
em face de
ato do Sr. Delegado da Receita Federal em ...., ou quem lhe faça as vezes no
exercício da coação impugnada, requerendo a concessão de medida liminar, pelos
motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
A Impetrante, consoante se verifica dos seus atos constitutivos, (doc. ....), é
sociedade de advogados, devidamente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil,
Secção do .... sob nº ....
Até .../.../..., por estar sujeita ao que dispõe o artigo 1º do Decreto-Lei nº
2.397/87, a ora Impetrante se encontrava excluída da imposição ao recolhimento
da Contribuição Social sobre o Faturamento (COFINS), e ainda por força do que
preceituava a Lei Complementar nº 70/91, em seu artigo 6º, inciso II:
"Art. 6º. São isentas da contribuição:
I - ....
II - as sociedades civis de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21
de dezembro de 1987...".
Com o advento da Lei nº 9.430, publicada no D.O. em 30.12.1996, as sociedades
civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada, as
chamadas uniprofissionais, tais como a Impetrante, passaram a ser obrigadas ao
recolhimento da questionada contribuição, por força do que preceitua o artigo 56
do referido diploma legal:
"Art. 56. As sociedades civis e prestação de serviços de profissão legal
regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita
bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70,
de 30 de dezembro de 1991.
Parágrafo único. Para efeito da incidência da contribuição de que trata este
artigo, serão consideradas as receitas auferidas a partir do mês de abril de
1997...".
Contudo, entende a Impetrante que tal exigência, baseada no que dispõe a Lei nº
9.430/96, colide com a Constituição Federal, em razão dos argumentos que adiante
aduzidas. Não obstante, encontra-se presente o justo e fundado receio de que a
Autoridade Impetrada faça aludida exigência, em face dos termos da legislação
citada.
Daí a razão da presente segurança, com pedido de concessão de medida liminar,
para que a Impetrante possa deixar de cumprir a referida exigência.
DO DIREITO
A isenção da Lei Complementar nº 70/91.
A Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991, instituiu a Contribuição Social para o
Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com o propósito de substituir a
antiga contribuição ao FINSOCIAL, cujas majorações de alíquotas foram
consideradas inconstitucionais pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.
Convém ressaltar, que essa posição se deu pelo fato de que o antigo FINSOCIAL
foi recepcionado provisoriamente pela Constituição Federal de 1988, por força do
artigo 56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, até que fosse
editada outra lei regulamentando a exação nos termos do artigo 195, inciso I, da
Carta Magna. Nesse contexto, a Corte Suprema entendeu que a Lei nº 7.689/88 não
podia continuar estabelecendo a contribuição, por conta da natureza jurídica que
esta possuía frente à antiga Constituição Federal.
Com isso, foi editada a Lei Complementar 70/91, que instituiu o COFINS que, na
verdade, não passa de mera reedição da antiga contribuição ao FINSOCIAL. Ambas
as exações têm idênticas características, sendo que essa similaridade se
verifica não só no que tange ao fato gerador, como também quanto a outros
aspectos essenciais para a exigência tributária, como base de cálculo, sujeito
ativo e passivo. Verifica-se, pois, que o intuito da Lei Complementar foi o de
tornar constitucional a exigência da contribuição ao FINSOCIAL, inclusive porque
o legislador fez questão de manter a isenção desde então conferida às sociedades
civis de profissões regulamentadas, definidas no artigo 1º do Decreto-lei nº
2.327/87.
Observa-se, pois, que a preocupação do legislador não foi só de novamente
instituir a contribuição social incidente sobre o faturamento das empresas, mas,
também, de manter todos os efeitos da mesma forma como eram na contribuição
extinta, porém, com uma diferença: a do veículo legislativo próprio e
diferenciado da lei complementar.
Quando da edição do Decreto-Lei nº 2.397/87, que em seu artigo 1º definiu que
para as sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos a
profissão legalmente regulamentada não haveria a incidência de imposto de renda
das pessoas jurídicas a partir do exercício financeiro de 1989, pretendeu o
legislador manter para essas sociedades a exigência do PIS e do FINSOCIAL,
conforme dispunha o artigo 3º do referido dispositivo legal. Todavia, isso não
durou muito tempo. Verificando a impossibilidade da exigência da contribuição ao
FINSOCIAL, o mesmo legislador logo tratou de isentar as sociedades
uniprofissionais, por meio do Decreto-lei nº 2.429/88.
Essa postura veio atender a uma condição especial verificada nessas sociedades e
que deve ser levada em conta para efeito de tributação, como se pode verificar
em trecho da Exposição de Motivos nº 104, que ensejou o Decreto-Lei nº 2.397/87,
retratada pelo Coordenador Geral do sistema de Tributação no Parecer Normativo
nº 3, de 25.03.1994:
"...Os rendimentos das sociedades civis são de natureza eminentemente pessoal,
pertencentes e indissociáveis dos sócios, o lucro apurado será integralmente
submetido à tributação nas pessoas físicas dos sócios, de acordo com a
participação societária de cada um, independentemente de ocorrer distribuição
efetiva ou não. Não haverá tributação na pessoa jurídica..."
Entendendo que as sociedades constituídas por profissionais no exercício de
profissões regulamentadas, na verdade, constituem verdadeiras cooperativas de
trabalho, não auferindo lucro como pessoa jurídica, mas sim unicamente na pessoa
dos sócios, o Decreto-Lei nº 2.397/87 tratou de estabelecer uma tributação, no
que se refere ao imposto de renda pessoa jurídica, compatível com esse tipo de
sociedade, excluindo-a da incidência daquele imposto (a tributação ocorre só na
pessoa dos sócios), tendo em vista essas características peculiares. Daí porque
posteriormente (Decreto-lei nº2.429/88) houve por bem o legislador em estender a
isenção à contribuição ao FINSOCIAL. A isenção aqui se justifica como sendo uma
constatação do legislador que estas sociedades, tendo em vista suas
características de atuação, não se movem sob a força do capital, mas do
trabalho.
Agora, ao se instituir a Contribuição Social sobre o Faturamento para
Financiamento da Seguridade Social, pela Lei Complementar nº 70/91, outra vez o
legislador, percebendo a incompatibilidade de exigência da exação sobre as
sociedades uniprofissionais, tomou o extremo cuidado de, na própria lei criadora
da contribuição, isentar essas sociedades do recolhimento da nova contribuição.
Ora, se tal benefício foi criado por intermédio de lei complementar,
demonstrando todo um zelo e preocupação do legislador, tendo em vista as
peculiaridades do sujeito passivo, não parece razoável que a mesma seja revogada
por uma lei que não seja da mesma espécie. Cumpre esclarecer, ademais, que essa
característica é inerente a essas sociedades, que não perderam essa condição em
virtude da revogação do Decreto-Lei nº 2.397/87. Elas permanecem como tal até
mesmo para efeito do Imposto sobre Serviços - ISS (Decreto-Lei nº 406/88 e
alterações), o que vale dizer que a lei não criou essa situação: na verdade,
apenas constatou-a, o que ressalta ainda mais o zelo do legislador ao pretender
manter a isenção nos termos de lei complementar.
Desse modo, não se pode passivamente aceitar que a Lei nº 9.430, de 30.12.1996,
meramente ordinária, venha revogar isenção concedida em Lei Complementar. Na
espécie, não se trata apenas de respeito ao princípio da hierarquia das leis, o
qual também não se pode ignorar, em que pese as posições contrárias a sua
existência, mas sim de um princípio que regula não só o sistema tributário
nacional, como todo o Estado de Direito, qual seja, o da segurança jurídica.
O eminente Tércio Sampaio Ferraz Jr., em excelente trabalho, assim se manifestou
sobre esse último tema:
"...O tema segurança jurídica é, ao mesmo tempo, um dos mais simples e
intrincados do direito. Sua simplicidade repousa no aspecto intuitivo que a
idéia fornece, no sentido de que o direito, onde é claro e delimitado, cria
condições de certeza e igualdade que habilitam o cidadão a sentir-se senhor de
seus próprios atos e dos atos dos outros. Seu intricado está justamente nesta
dificuldade primária do significado desse estar senhor de seus atos e dos atos
alheios na medida em que os outros também devam estar senhores dos seus e dos
nossos atos.
Diz-se, assim, que a segurança depende de normas capazes de garantir o chamado
câmbio das expectativas. Ora, como diz Radbruch, a segurança jurídica exige
positividade do direito: se não se pode fixar o que é justo, ao menos que se
determine o que é jurídico. Segurança significa a clara determinação e proteção
do direito contra o não-direito, para todos. Na determinação do jurídico e,
pois, na obtenção da segurança, a certeza é um elemento primordial. Por certeza
entende-se a determinação permanente dos efeitos que o ordenamento jurídico
atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão saiba ou possa saber de
antemão a consequência de suas próprias ações..." (in Revista de Direito
Tributário, 18/51, Editora RT).
Tem-se, assim, que todos os princípios constitucionais que limitam o poder de
tributar são direcionados a um único objetivo, de conferir ao cidadão total
proteção e segurança jurídica, de forma que este não fique à mercê do arbítrio
dos sujeitos ativos titulares das competências tributárias. Agora, indaga-se, a
lei complementar seria um dos instrumentos formadores dessa segurança jurídica?
A resposta para essa indagação só pode ser positiva, visto que as situações em
que se prevê a obrigatoriedade de lei complementar fulcram-se exatamente na
necessidade de se conferir à sociedade segurança jurídica contra possíveis
abusos do poder tributante. Ora, dentro do ordenamento constitucional
verifica-se que a exigência da lei complementar sempre teve o objetivo de
conferir ao cidadão a maior garantia possível dos seus direitos fundamentais
conferidos pela própria Lei Maior, como se pode exemplificar em alguns casos:
(i) "...Art. 146. Cabe à lei complementar:
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar..."
(ii) "...Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir
empréstimos compulsórios..."; e
(iii) "...Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
VII - grandes fortunas, nos termos da lei complementar...".
Esses são alguns dos exemplos da obrigatoriedade que impõe a Constituição
Federal para o uso da lei complementar, e não é muito difícil observar que assim
o fez o legislador constituinte pensando justamente na necessidade de quórum
especial para a aprovação destas leis, uma vez que, segundo o artigo 69 da
Constituição Federal, as leis complementares somente poderão ser aprovadas por
maioria absoluta dos membros das duas casas do Congresso Nacional.
Ora, essa exigência não pode ser ignorada, ainda mais porque é a própria
Constituição Federal que abraça a democracia representativa: quanto mais se
exige a presença dos membros do Poder Legislativo, aumenta-se a garantia dos
cidadãos. Assim, há que se ter em mente não apenas as situações em que a
Constituição Federal previu a necessidade de se regulamentar alguma matéria por
via de lei complementar, mas também o objetivo com que esta foi utilizada, pois
somente assim é que se estará dando melhor interpretação aos dispositivos
constitucionais.
Quanto a isso, é importante ressaltar, que a Impetrante não desconhece e nem
tampouco está desconsiderando o que Supremo Tribunal Federal já havia entendido,
quando do julgamento da exigibilidade da contribuição social sobre o lucro, no
sentido de que as contribuições sociais previstas no artigo 195, inciso I, da
Lei Maior, dispensavam a necessidade de serem criadas obrigatoriamente por
intermédio de lei complementar. Isto porque, segundo aquela Colenda Corte, a
Constituição Federal já delimita a estrutura básica das hipóteses de incidência
dessas constrições, podendo a lei ordinária regulamentar a exação prevista.
E é justamente esse o entendimento adotado pelo citado Tribunal Superior, que
enseja as ilações aqui apresentadas pela ora Impetrante. Para melhor aclarar o
exposto, cumpre transcrever aqui trechos do acórdão do Supremo Tribunal Federal,
proferido nos autos da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1-1 que,
por sua vez, reproduz os trechos de decisões anteriores proferidas pela mesma
Corte e que justificam a não exigência de lei complementar para a instituição
das contribuições sociais elencadas no artigo 195, inciso I, "in verbis":
"...18. Essa remissão, contudo, tem o inequívoco sentido de submeter as
contribuições às normas gerais de direito tributário, o que não significa que a
própria instituição do tributo dependa de lei complementar. Note-se, além disso,
que a exigência de prévia definição dos fatos geradores, bases de cálculos e
contribuintes, constante do art. 146, III, letra "a", é dirigida unicamente aos
impostos discriminados na Constituição, e não às contribuições."
Nesse sentido a orientação do Supremo Tribunal Federal, firmada em vários
precedentes, dentre os quais o RE 146.733-9-SP, em que destacou o eminente
Relator, Ministro MOREIRA ALVES:
"Note-se, ademais, que, com relação aos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes, o próprio artigo 146, III, só exige estejam previstos na lei
complementar de normas gerais quando relativos aos impostos discriminados na
Constituição, o que não abrange as contribuições sociais, inclusive as
destinadas ao financiamento da seguridade social, por não configurarem impostos.
Assim sendo, por não haver necessidade, para a instituição da contribuição
social destinada ao financiamento da seguridade social com base no inciso I do
artigo 195 - já devidamente definida em suas linhas estruturais na própria
Constituição - da lei complementar tributária de normas gerais, não será
necessária, por via de consequência, que essa instituição se faça por lei
complementar que supriria aquela, se indispensável..."
No RE 138.284-8-CE, observou, por igual, o eminente Ministro CARLOS VELOSO:
"A norma-matriz das contribuições sociais, bem assim das contribuições de
intervenção e das contribuições corporativas, é o art. 149 da Constituição
Federal. O artigo 149 sujeita tais contribuições, todas elas, à lei complementar
de normas gerais (art. 146, III). Isto, entretanto, não quer dizer, também já
falamos, que somente a lei complementar pode instituir tais contribuições. Elas
se sujeitam, é certo, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III).
Todavia, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar
defina os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art. 146, III,
"a")..."
A Lei Complementar nº 70, de 1991, efetivamente instituíra contribuição social
com fundamento no art. 195, I, da Constituição Federal, em substituição à
contribuição de que tratava o Decreto-lei nº 1940/82, com as alterações
posteriores....
...No caso das contribuições sociais, por exemplo, a afetação constitucional da
contribuição ao financiamento da Seguridade Social é elemento constitutivo dessa
espécie tributária, sendo, portanto, tributos causais nesse ponto aproximando-se
das taxas, mas se distanciando dos impostos, que não são vinculados...
Não obstante, a instituição da contribuição social sobre o faturamento foi
efetivada por intermédio de lei complementar, ou seja, valeu-se o legislador de
quórum especial imposto pelo artigo 69, de maioria absoluta do Congresso
Nacional, para aprovação da Lei Complementar nº 70/91, quando, repita-se, mera
lei ordinária teria o condão de regulamentar esse tributo. E, note-se, que a lei
não cingiu-se apenas às normas estruturais da exação, conforme foi demonstrado,
fazendo questão de outorgar isenção conferida às sociedades civis de profissão
regulamentada. Ressalte-se que, sem nenhuma dúvida, seria muito mais cômodo a
regulamentação da isenção por meio de lei ordinária, quer seja para sua
aprovação, quer seja para futura revogação. Mas será que o intuito do legislador
não foi o de justamente dificultar eventual alteração da contribuição social
sobre o faturamento, fazendo, justamente para isso, uso de lei complementar?
Note, Excelência, que o trecho do acórdão acima apresentado vem justamente
estabelecer que à contribuição social em tela, por ser uma contribuição prevista
no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, cuja estrutura fundamental já
fora definida no texto constitucional, não se aplicariam as disposições do
artigo 146, inciso III, que determina que a definição de tributos e sua espécie
devem ser efetivadas por intermédio de lei complementar, bem como os elementos
básicos da exigência dos mesmos, como o fato gerador, base de cálculo e
contribuinte.
Por sua vez, esse comando do artigo 146, III, em que pese tentar abordar todos
os elementos essenciais para viabilizar a exigibilidade do tributo, não exigiu
taxativamente o veículo de lei complementar para conceder isenções. Ora, a
isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário, ou seja, exigiria, como é
sabido, o mesmo grau de cuidado que a própria criação ou majoração dos tributos,
jungida ao princípio da reserva absoluta de lei.
Mesmo assim, a Constituição Federal não se preocupou em exigir lei complementar
com o intuito de se implementar isenções tributárias. Isso Excelência, dentro de
um sistema constitucional que se notabiliza justamente por ser rígido é
exaustivo, ou seja, mormente no que tange ao sistema tributário, a Constituição
Federal prima por fixar todos os contratos e regras que delimitarão as
exigências tributárias.
Desse modo, dentro do que foi aqui demonstrado, só se pode concluir que o
legislador constituinte fez questão de deixar lacunas que permitissem ao
legislador comum a faculdade de se utilizar do instrumento normativo que tinha à
sua disposição (é óbvio que essa opção se restringe às leis ordinárias e
complementares), como forma até de conferir maior credibilidade à isenção
outorgada (e, consequentemente, também maior dificuldade para sua revogação),
levando em conta os critérios utilizados para sua concessão. Isto porque, não
obstante a exigência de lei para a concessão de uma isenção, o sistema confere à
entidade tributante a possibilidade de revogá-la, também por lei, a qualquer
momento.
A isenção da COFINS para as sociedades civis uniprofissionais se deu em virtude
da peculiaridade do funcionamento dessas empresas, cujo faturamento se confunde
com os próprios rendimentos auferidos pela pessoa física, sendo que a
tributação, em que pese ter como hipótese de incidência o faturamento das
empresas, na verdade, atinge diretamente os ganhos de profissional liberal, que
tem na sociedade apenas um instrumento de viabilização do seu trabalho que é de
natureza pessoal. Ora, tendo em vista que a mesma poderia ser revogada a
qualquer momento, porque não garantir a essas sociedades um mínimo de segurança,
concedendo a isenção por via de lei complementar e assim fazendo dificultar a
possibilidade de revogação desta, o que exigiria uma outra lei complementar?
Sem dúvida, foi isso que levou o legislador a outorgar tal isenção às sociedades
civis de profissão regulamentada por intermédio de lei complementar. E nem se
fale que a Lei Complementar nº 70/91 só foi instrumento de instituição da COFINS
por mera cautela, tendo em vista eventuais riscos quanto ao questionamento da
sua constitucionalidade. Em que pese o despropósito da argumentação, ainda assim
não se justifica a concessão de isenção pela complementar, posto que ainda que
pairassem dúvidas quanto a instituição de contribuições sociais por meio de lei
complementar, o mesmo não ocorria com a isenção, uma vez que inexiste na
Constituição Federal qualquer exigência nesse sentido.
Desse modo, não existe outra justificativa para explicar a concessão da isenção
por meio de lei complementar. Não se pode olvidar a possibilidade do uso da lei
complementar como instrumento que proporcione segurança jurídica maior ao
contribuinte, portanto, mesmo dispensável o veículo da lei complementar, se foi
feito uso desse, por opção do legislador, deve-se entender que essa forma de
procedimento legislativo deve ser respeitada.
Existem duas correntes doutrinárias, uma reconhece a supremacia hierárquica da
lei complementar sobre os demais atos normativos e outra que nega qualquer
relação hierárquica entre as mesmas. A ora Impetrante insiste em defender a
existência de hierarquia entre as leis apontadas.
Os defensores da tese de que a lei complementar não ocupa uma posição de
prevalência sobre a lei ordinária, o fazem utilizando-se simplesmente como
fundamento o fato de que o seu campo e previsão se encontram especificados na
Constituição Federal. Todavia, esse argumento, com a devida vênia, não tem boa
base de sustentação frente ao texto da Lei Maior.
Com efeito, para se dar à Constituição pátria a devida interpretação, deve ser
utilizado o critério sistemático. Veja o que preceitua o artigo 59:
"Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos; e
VII - resoluções".
Não há como se negar que não exista uma relação de hierarquia entre os diversos
instrumentos legislativos acima apontados, vez que os mesmos estão discriminados
pela importância que representam, a qual se denota também pelo grau de
dificuldade em sua aprovação.
A emenda à Constituição difere da lei complementar, em virtude dos limites em
que deverá ser proposta e o quórum. Tudo isso para conferir à Constituição
Federal a credibilidade de que necessita um Estado de Direito. Para a lei
complementar, o processo de instituição é o mesmo da lei ordinária, no que tange
à iniciativa e tramitação, diferenciando-se quanto ao quórum que é exigido para
sua aprovação, qual seja, maioria absoluta.
O mesmo ocorre com os demais dispositivos elencados no artigo 59 da CF, como é o
caso da medida provisória, que tem que obedecer ao processo legislativo. Assim,
não se pode negar que existe relação de hierarquia entre os instrumentos
normativos.
Daí decorre, que a lei complementar não pode ser alterada por lei ordinária, sob
pena de tornar inútil as exigências para a instituição dessas referidas normas.
Tentar justificar isso com a argumentação de que a lei complementar apenas tem
campo de atuação diferenciado é deixar bem claro que existem alguns preceitos
constitucionais que são inúteis, o que seria uma verdadeira afronta à Carta
Magna.
A a lei complementar tem por objeto determinadas matérias.
Mister se faz deixar claro, que quando o legislador constituinte quis delimitar
as matérias que seriam objeto de regulamentação por determinado instrumento
normativo, assim o fez de forma expressa. É o caso, por exemplo, das emendas
constitucionais, que poderão alterar qualquer dispositivo constitucional, exceto
os que estão expressamente previstos nos incisos do parágrafo 4º do artigo 60 da
Constituição Federal. A mesma coisa se percebe, por exemplo, no caso das leis
delegadas, em que novamente o constituinte expressamente delimita o seu campo de
atuação, como se pode perceber pelo que dispõe o artigo 68.
Indaga-se realmente a lei complementar apenas tem um campo determinado de
atuação, por que o legislador constituinte não criou um dispositivo no qual
elencaria toda a matéria que seria de competência exclusiva de lei complementar?
Se assim foi feito para as hipóteses de emenda constitucional, para as hipóteses
de lei delegada, porque não poderia ter sido feito para as leis complementares?
A única conclusão plausível a que se pode chegar é a de que o constituinte não
tinha a pretensão de exaurir o campo de atuação da lei complementar, apenas
prevendo algumas situações em que entendia que a mesma seria imprescindível.
Ademais, levando às últimas consequências a tese de que inexiste hierarquia
entre a lei complementar e a lei ordinária, mas sim campos diferenciados de
atuação, então também a lei complementar não teria o condão de revogar preceitos
estabelecidos por lei ordinária. Alias, é o que sustenta José Souto Maior
Borges, um dos arautos da tese da inexistência de hierarquia, que assim expõe:
"...§ 3. Consequências de eventual antinomia entre a lei complementar e a lei
ordinária. Não se nega a procedência da afirmação de que a lei ordinária não
pode revogar a lei complementar. Todavia, partindo dessa afirmação não é
possível extrair a conclusão pela superioridade formal da lei complementar
porque a recíproca é igualmente verdadeira: a lei complementar não pode revogar
a lei ordinária..." (in "Lei Complementar Tributária", Editora REvista dos
Tribunais, 1975, páginas 24/25, 1ª ed.)
Nessa linha de raciocínio, então nem mesmo a Contribuição Social sobre o
Faturamento - COFINS, cuja constitucionalidade da Lei Complementar nº 70/91 foi
confirmada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, teria sustentáculo para ser
exigida. Se os Ministros consideraram dispensável a lei complementar, haja vista
que se trata de contribuição editada nos termos do artigo 195, inciso I, que
poderia ser regulamentada por lei ordinária, seria então inválida a lei
complementar que estaria avançando campo de competência da lei ordinária. Ora,
isso é um verdadeiro absurdo, que afronta os princípios jurídicos.
Não resta dúvida que a lei complementar concessiva de isenção fiscal não pode
ser revogada por lei ordinária, uma vez que toda a preocupação da Constituição
Federal em definir procedimentos específicos para a instituição de normas
perderiam seu significado. Essa verdade, deflui, como lembra com proriedade
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (in Curso de Direito Constitucional, Ed.
Saraiva, 10ª ed., 1981), "... da própria lógica jurídica..." e do princípio
geral de direito segundo o qual um ato somente pode "... ser desfeito por outro
que tenha obedecido a mesma forma...".
Sendo o sistema tributário dotado de uma série de limites à capacidade de
imposição tributária do Estado, visando garantir ao contribuinte um mínimo de
segurança, a lei complementar, justamente em virtude do formalismo que rege a
sua promulgação, é que confere confiabilidade necessária aos seus efeitos.
Ficou caracterizado o objetivo que justificava a discriminação apresentada, a
isenção da COFINS para as sociedades prestadoras de serviços de profissão
regulamentada é decorrente da condição peculiar destas, verificada desde a
edição do Decreto-Lei nº 2.397/87. A necessidade de manutenção desse benefício é
tão importante que o legislador fez questão de trazê-lo junto com a instituição
da nova contribuição sobre o faturamento, por meio de lei complementar.
Não pode ser revogada uma Lei Complementar, veículo legislativo dotado de maior
complexidade, justamente para conferir maior credibilidade ao benefício.
Por tudo isso é que a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal,
segundo a qual a instituição de contribuições sociais independe de lei
complementar, pelo que, nesse passo, lei meramente ordinária poderia modificar
outra lei complementar, deve ser interpretada restritivamente, sob pena do
artigo 59 da CF tornar-se letra morta. Pode-se entender que uma contribuição
social possa ser instituída por lei ordinária. No entanto, se o legislador, ao
estabelecer um favor fiscal específico, atento a uma situação fática peculiar
resolve utilizar instrumento mais árduo para sua concessão, é evidente que o
caminho a trilhar para sua revogação tem que ser o mesmo.
OBS: Com o Novo Código Civil, as sociedades civis passaram a denominar-se
sociedades simples.
DOS PEDIDOS
Resta demonstrado que o disposto no artigo 56 da Lei nº 9.430/96 não pode
prevalecer, sob pena de ferir o direito líquido e certo da impetrante de, tendo
em vista sua caracterização como sociedade uniprofissional, gozar da isenção
conferida pelo artigo 6º, inciso II, da Lei Complementar nº 70/91. Como lei
ordinária não pode ter o condão de revogar o apontado benefício fiscal, sendo
que o dispositivo citado viola preceitos de ordem constitucional, razão pela
qual pode e deve ser mantida a isenção conferida.
Dessa forma, com fundamento no artigo 7º, inciso II da Lei nº 1.533/51, a
Impetrante requer a Vossa Excelência, digne-se em conceder medida liminar, para
o efeito de continuar isenta de recolher a contribuição social sobre
faturamento, sem o risco de sofrer qualquer autuação por parte da Autoridade
Coatora, no sentido de exigir o cumprimento do que determina a Lei nº 9.430/96.
Finalmente, a Impetrante requer seja expedido ofício à D. Autoridade Coatora,
para que preste as informações de praxe e, depois de ouvido o D. Ministério
Público, seja concedida em definitivo a segurança pleiteada, com a confirmação
da liminar, de forma que fique definitivamente impedida a exigência da
contribuição em tela.
Dá-se à causa o valor de R$ ......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]