Contestação em processo administrativo: falta de
fechamento do câmbio de declaração de importação
Doutrina dos renomados doutrinadores em direito tributário:
-Professor Aliomar Baleeiro
-Professor Celso Ribeiro Bastos
-Professor Ives Granda Martins
-Professor Eduardo Domingos Botallo
ILMO. SR. GERENTE TÉCNICO DA DECEC - DEPARTAMENTO DE CAPITAIS ESTRANGEIROS E
CÂMBIO
Ref.: Processo Administrativo nº ...............
(Nome da empresa e qualificação), sociedade com sede na cidade de Cidade de
________, Estado de _________, na Rua ............................, ___________,
inscrita no CNPJ nº ....................., conforme Contrato Social, alterações
e CNPJ anexos (Docs. .........), por seu(a) advogado(a) que esta subscreve,
procuração anexa (Docs. .........), inconformada com o processo administrativo
acima referido, vem, respeitosamente, à presença de V. Sa., apresentar a
presente IMPUGNAÇÃO, pelas seguintes razões de fato e de direito a seguir
expostas:
OS FATOS
Em __________, a requerente recebeu uma intimação do Processo Administrativo em
epígrafe enviada pelo Banco Central do Brasil, que apresentou como razões de sua
interposição os seguintes motivos:
1) FALTA DE FECHAMENTO DE CÂMBIO DE DECLARAÇÕES DE IMPORTAÇÃO
Dessa forma, conforme alegação do BACEN, a empresa requerente não teria efetuado
o fechamento de câmbio das DIs ns. ..............., .................... e
................. respectivamente, nos valores de ________ liras italianas;
_____ liras italianas e ____ euros.
Entendeu o BACEN que a Impugnante seria devedora das Declarações de Importação
com os valores citados acima mais multa pelo não pagamento da importação ao
Exportador no valor de R$ ________ (________ ), consoante discriminado no
Demonstrativo e demais anexos do Processo Administrativo.
Ocorre que esta alegação do BACEN é INEXATA, pois a DI de nº ________, conforme
DI anexa (Doc. ............), já fora devidamente formalizada o seu fechamento
de câmbio através do Contrato de Câmbio realizado no Banco __________ sob o nº
00/00___ em ___.__.200_ em tempo hábil, conforme comprova a ________ e Contrato
de Câmbio anexos (Docs. ..............), que espelham claramente o prazo de 60
dias para a realização do pagamento ao Exportador. Quanto às DI de nº _______ e
________, estas foram perdoadas pelo Exportador com a promessa de virem a
efetivar num futuro próximo, novos negócios, conforme documentos anexos (Docs.
...........).
Ressalte-se, ainda, que a requerente pretende questionar sua penalidade, como
seguirá adiante
DO DIREITO
Tendo em vista que a multa moratória possui um caráter confiscatório, resta
evidente a necessidade de se suspender a sua exigibilidade.
1) DO CARÁTER CONFISCATÓRIO DA MULTA APLICADA
A enorme multa imposta constitui-se flagrantemente confiscatória.
A atual Constituição da República, em seu art. 150, IV, veda, expressamente,
como uma das limitações do poder de tributar e como garantia assegurada ao
contribuinte:
"utilizar tributo com efeito de confisco;"
ALIOMAR BALEEIRO, em seu livro LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR,
(Forense, 6ª ed ., pp. 213 e seguintes), analisando a matéria no título "O
Tributo Confiscatório repugna à Constituição" (sobre a Carta anterior), e
comparando-a com as Constituições passadas e com a dos Estados Unidos da
América, ensina, com profundidade:
"Dentre os efeitos jurídicos do art. 153, parágrafos 1º, 11 e 22, se inclui o da
proibição de tributos confiscatórios, como tal entendidos os que absorvem parte
considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem exercício
de atividade lícita e moral."
Sob esse ponto de vista, aquele dispositivo integra o sistema político e
econômico da Constituição, que garante o direito de propriedade, salvo
desapropriação mediante prévia e justa indenização em dinheiro (art. 153,
parágrafo 22), e até impõe ao legislador ordinário a justiça social da
propriedade (art. 160, III). Destarte, a Constituição faz da propriedade privada
um atributo da personalidade humana e uma condição de progresso de todos os
indivíduos, embora sujeite, por isso mesmo, o uso desse direito a uma função
social (art. 160, III).
Ora, a CF de 1946, como a de 1969, refletia a repugnância ao confisco, não só
quando este se reveste do caráter de pena (salvo, na atual, o enriquecimento à
custa do patrimônio público), mas quando se disfarça em desapropriações com
pagamentos em títulos, como praticaram países da Europa na política de
nacionalização e o regime ditatorial ensaiara no próprio Brasil. Não se lhe pode
atribuir, pois, o intento de tolerar o confisco tributário, tanto mais
previsível quanto desde muitos anos passados se divulgara e comentara, no país,
a tese do famoso acordo de MARSHALL, em 1819, no caso Mc. Culloch vs. Maryland.
Os próprios financistas brasileiros opunham que "o poder de tributar envolve o
poder de destruir"; outro grande juiz americano, HOLMES, também afirmara que o
poder de tributar era inseparável do dever de conservar.
O art. 153, parágrafos 11 e 22, vale como escudo contra o confisco, porque este
é incompatível com o critério da graduação pela capacidade econômica do
contribuinte. O tributo que absorvesse todo valor do patrimônio, destruísse a
empresa ou paralisasse a atividade não se afinaria pela capacidade econômica nem
se ajustaria à proibição do confisco. Mataria a capacidade econômica que a
Constituição quer proteger na sua existência e atingir progressivamente, na
medida inversa da sua utilidade individual e social. Extinguiria a propriedade,
a iniciativa e o trabalho, que as Constituições de 1969 e 1946 garantiam e
advogavam como atributo a ser generalizado a todos os homens e mulheres, para
base do bem-estar social. Justo ou injusto, errado ou certo do ponto de vista
social, é o que está naquelas Constituições.
A despeito da frase célebre de Marshall, a Corte Suprema repele o confisco
tributário.
No sistema constitucional americano, a construção jurisprudencial chegou aos
mesmos resultados, através de algumas cláusulas. O imposto deve ser "reasonably
apportioned", embora possa atender, como poder de política, a objetivos
extrafiscais deduzidos da cláusula "provide... general welfare of the United
States" (arts. __ ao VIII). Nesse caso, entende-se que emana do "police power"e
não do "tax power".
Da V e da XIV Emendas, pelas quais ninguém será privado da vida, da liberdade,
ou da propriedade, sem o adequado ou idôneo processo da lei (due process of law),
concluíram os tribunais a inconstitucionalidade de classificações ou
discriminações gritantemente arbitrárias, não razoáveis, mais próximas de
intento de confisco da propriedade do que do exercício do poder de tributar. Ao
invés da tese de MARSHALL, anterior à V Emenda, proclamou HOLMES:
"Eu concordaria, plenamente, ressalvado efeito de algumas opiniões do Cief
Justice MARSHALL, que culminaram, ou melhor, se fundaram em sua proposição,
freqüentemente citada, de que o poder de tributar implica o de destruir. Naquela
época, não era reconhecido, como agora, que a maioria das distinções legais são
distinções de graduação. Se os Estados tivessem algum poder, assumir-se-ia que
eles tinham todo o poder, e que a alternativa necessária era denegá-los
completamente. Mas esta Corte, que tantas vezes frustrou a tentativa de tributar
de certos modos, pode frustrar qualquer tentativa de discriminar ou de cometer
outros abusos sem abolir, totalmente, o poder de tributar. O poder de tributar
não implicará o poder de destruir, enquanto existir esta Corte."
Todavia, a invocação da cláusula due process of law tem sido menos freqüente em
matéria fiscal, sob o fundamento de confisco, do que em outros assuntos . Depois
do pronunciamento de HOLMES, acima transcrito, a Corte Suprema já recordou a
tese de MARSHALL com a mesma ênfase: "Quando existe o poder de tributar, a
extensão do gravame, matéria deixada à discrição dos legisladores... mesmo que o
imposto possa destruir uma empresa, ele não deve ser invalidado ou comportar
indenização por este fundamento apenas. Mas a nova Corte já modificou essa
concepção, como vimos noutro capítulo."
Já no texto da atual Constituição, escrevem CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA
MARTINS (Comentários à Constituição do Brasil, 6º vol., tomo I, pp. 161/165).
"O quinto princípio a limitar o poder de tributar é o de vedação de confisco, a
que já me referi ao analisar o princípio da capacidade contributiva.
Não é fácil definir o que seja confisco, entendo eu que, sempre que a tributação
agregada retire a capacidade de o contribuinte se sustentar e se desenvolver
(ganhos para suas necessidades essenciais e ganhos superiores ao atendimento
destas necessidades para reinvestimento ou desenvolvimento), estar-se-á perante
o confisco.
Na minha especial maneira de ver o confisco, não posso examiná-lo a partir de
cada tributo, mas da universalidade de toda a carga tributária incidente sobre
um único contribuinte.
Se a soma dos diversos tributos incidentes representa carga que impeça o pagador
de tributos de viver e se desenvolver, estar-se á perante carga geral
confiscatória, razão pela qual todo o sistema terá que ser revisto, mas
principalmente aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da
capacidade contributiva do cidadão.
Há, pois, um tributo confiscatório e um sistema confiscatório decorrencial. A
meu ver, a Constituição proibiu a ocorrência dos dois, como proteção ao cidadão.
Deve-se observar, também, que, mesmo que se admitindo a cobrança, o Agente
Fiscal nunca, jamais, poderia ter imputado à requerente multa tão elevada.
Desta forma, por confisco deve-se entender toda a violação ao direito de
propriedade dos bens materiais e imateriais, retirado do indivíduo sem justa e
prévia indenização, não podendo a imposição tributária servir de disfarce para a
não configurar.
O princípio, portanto, embora colocado no Capítulo do Sistema Tributário - e
objetivando atalhar veleidades impositivas descabidas do erário -, transcende o
campo específico do direito fiscal. E nessa transcendência compreende-se a
expressão 'efeito' de confisco mais abrangente que a singela vedação do confisco
tributário."
E alinhava:
"Os dicionários definem confisco como o ato de apreender a favor do Fisco. É o
mesmo que confiscação, que se origina do latim confiscatio, onis. Não apreender
por força de lei justa, mas de ato de força.
A evolução da figura revelou, nos diversos direitos racionais, resultar em
enorme resistência por parte dos sujeitos à penalidade, assim como passou a ter
conotação mais ampla, onde o Fisco, parte do Estado, foi substituído pelo
próprio Todo e o exercício do poder de confiscar estendido a todas as áreas
estatais e a outros sujeitos que não apenas os passivos da relação tributária.
Justificado, às vezes, como nos casos de guerra, de calamidade pública ou
urgente necessidade nacional, na maior parte dos casos foi sempre rejeitado, por
falta de sustentação jurídica ou fática, ao ponto de ter-se constituído, em
quase todos os sistemas jurídicos das nações civilizadas, em figura interditada,
como, o caso do Brasil."
É, pois, mais do que evidente, é flagrante a natureza confiscatória da exigência
ora contestada. É algo além de superconfisco - é ultraconfisco, pela singela
razão de que a impugnante não possui condições de arcar com valor tão alto. E
não se pode crer que o erário pretenda o fim de suas atividades. A pena imposta
ultrapassa, em muito, o próprio âmbito do contribuinte, irradiando-se em seus
empregados, fornecedores, clientes, e até mesmo na paralisação total de
fechamento de câmbios.
Assim, como a multa representa 100% do valor total, requer o cancelamento da
penalidade, por sua evidente infrigência constitucional.
2) DA POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO SOBRE NORMA CONSIDERADA ILEGÍTIMA EM OPOSIÇÃO
À LEI E À CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Para evitar a oportuna alegação de que o "Julgamento administrativo de
contencioso tributário é a atividade em que se examina a validade jurídica dos
atos praticados pelos agentes do fisco, sem perscrutar da legalidade ou
constitucionalidade dos fundamentos daqueles atos", são imprescindíveis algumas
considerações.
Como bem leciona EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, in Revista de Estudos Tributários,
pp. 144/155, ao criticar a postura dos tribunais administrativos que se recusam
a examinar a matéria constitucional: "Esta consideração é inexorável, porque sua
negativa conduz ao absurdo de aceitar-se que, dentro do processo administrativo,
a Constituição pode ser desconhecida ou, como se fosse mera coisa fungível, ser
'substituída', 'modificada' ou 'revogada' por portarias, regulamentos ou atos
administrativos".
Ora, nas escolas e nos compêndios, todos ensinam e todos aprendem que o direito
é sistema, e que a Constituição é a lei das leis a lei maior, a lei suprema,
etc.No plano doutrinário, ninguém se atreve a negar que o direito é um sistema,
nem a negar que a Constituição é superior na hierarquia inerente a tal sistema.
Na prática, porém, como é o presente caso, nem sempre são extraídas as
conseqüências lógicas da idéia de sistema, nem da supremacia constitucional.
CELSO ALVES FEITOSA, conselheiro do Primeiro Conselho de Contribuintes, ao
enfrentar a matéria, in "Da possibilidade dos Tribunais Administrativos, que
julgam matéria fiscal, decidirem sobre exação com fundamento em norma
considerada ilegítima em oposição à Constituição Federal", artigo publicado pela
Dialética, sobre o tema "Processo Administrativo Fiscal", conclui:
"Por todo o exposto, entendo que não é vedado aos julgadores administrativos
examinar a questão da norma ordinária ou inferior e sua validade em relação à
Constituição Federal, o que deverá ser feito, contudo, sempre com a maior
atenção e cuidado possível, pois a presunção inicial é a de que toda norma posta
no ordenamento jurídico é constitucional, já que é impossível fazer justiça sem
obediência à Lei Magna."
Como bem cita o autor em comento, a matéria em questão foi enfrentada pelo
Plenário do Tribunal de Impostos e Taxas, que resultou em mais de 30 votos
favoráveis à tese de que não é vedado ao TIT julgar, por suas câmaras,
ilegitimidade de norma inferior em relação ao Texto Constitucional. Para
demonstrar este posicionamento, pede-se vênia para colacionar trechos dos votos
registrados no trabalho citado pelo conselheiro CELSO ALVES FEITOSA, na obra
citada.
DR. ADEMIR RAMOS DA SILVA - "Em conclusão estou em que o Egrégio TIT é
competente para aplicar a norma constitucional em oposição a normas legais ou
regulamentares por exercer função jurisdicional, sendo inviável descumprir
mandamentos maiores."
DR. JOSÉ MANOEL DA SILVA - "Aliás, a interpenetração das funções atinentes à
denominada tripartição vem de longa data, tal como sinalizado pela doutrina mais
recente. Não é por outra razão que Hely Lopes Meirelles enxerga na função dos
órgãos julgadores administrativos um caráter judicante, o que é destacado por
Paulo Celso Bonilha em seu conhecido 'A prova no Direito tributário', Ed. LTr.
Bem sintetiza Lúcio Bittencourt, in O Controle Jurisdicional das Leis, Forense,
1949, p. 71, que 'a divisão de poderes e a repartição de competências entre eles
visam, precipuamente, à proteção dos direitos dos cidadãos'. Aí está a síntese
do denominado control. Tal síntese revela que a atribuição de outorga aos
colegiados administrativos no sentido de, ao apreciarem, interpretativamente, o
texto da lei à luz da Constituição não fere a garantia de control, antes aprecia
a normalização do ato administrativo sob o ângulo da validade ou eficácia para o
caso concreto. Não se dá a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade,
porém o reconhecimento de sua inoperância in casu."
DR. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO ACÁCIO - "Ora, se fosse correto o que diz o Dr.
Paulo Gonçalves da Costa Junior, todas as vezes que um contribuinte, em sede
recursal, invocasse impedimentos constitucionais à ação do Fisco, tal matéria
não poderia ser objeto de deliberação deste Tribunal. Por óbvio, nessa situação,
restariam comprometidos não só a ampla defesa e o contraditório, como também o
próprio processo administrativo constitucionalmente assegurado."
Perfilhados esses fundamentos e seguindo o que dispõe o nosso ordenamento
jurídico, concomitantemente com o posicionamento dos integrantes do Tribunal de
Imposto e Taxas e demais doutrinadores, resta claro e indubitável que a esfera
administrativa pode perscrutar da legalidade ou constitucionalidade dos
fundamentos que originaram a autuação em homenagem aos princípios da ampla
defesa e do contraditório.
DO PEDIDO
Por todo o exposto, demonstradas as razões da efetiva baixa no sistema do BACEN
das Declarações de Importações que já foram devidamente fechadas, o câmbio e as
demais que já foram devidamente perdoadas por parte do exportador, vem a
requerente à presença de V. Sa. para que se digne admitir a presente Impugnação,
pela qual requer:
a) que seja, desde já, suspensa a exigibilidade do quantum reclamado;
b) que seja devidamente dada baixa, no sistema do BACEN, nas Declarações de
Importação que já foram fechadas e nas que foram perdoadas pelo exportador com a
conseqüente anulação e desconstituição do Processo Administrativo ora impugnado;
c) protesta desde já pela juntada posterior de novos documentos até a fase de
interposição de recurso voluntário, nos termos do artigo 17 da Lei 8.748/93.
Nestes termos,
Pede deferimento.
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Advogado
OAB nº