RECURSO E RAZÕES - COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL - CONFESSO -
SEMI-IMPUTABILIDADE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CRIMINAL DA
COMARCA DE ________________(___).
processo-crime n.º ________________
objeto: interposição de recurso de apelação e oferecimento de razões.
_________________________, brasileira, solteira, do lar, residente e
domiciliada nesta cidade de _________________, pelo Defensor Público subfirmado,
vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, nos autos do processo
crime em epígrafe, ciente da sentença condenatória de folhas __________,
interpor, no prazo legal, o presente recurso de apelação, por força do artigo
593, inciso I.º, do Código de Processo Penal, combinado com o artigo 128, inciso
I, da Lei Complementar n.º 80 de 12.01.94, eis encontrar-se desavinda,
irresignada e inconformada com apontado decisum, que lhe foi prejudicial e
sumamente adverso.
ISTO POSTO, REQUER:
I.- Recebimento da presente peça, com as razões que lhe emprestam lastro,
franqueando-se a contradita ao ilustre integrante do parquet, remetendo-o, após,
ao Tribunal Superior, para a devida e necessária reapreciação da matéria alvo de
férreo litígio.
Nesses Termos
Pede Deferimento.
_________________, ___ de __________ de 2.0____.
_______________________________
DEFENSOR PÚBLICO TITULAR
OAB/UF _______________
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO _______________________
COLENDA CÂMARA JULGADORA
ÍNCLITO RELATOR
"Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentado; pois esta é a
licença e liberdade que tem quem não pede favor senão Justiça" (VIEIRA, Sermões,
1959, t. XIV, p. 302)
RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO FORMULADAS POR:
Volve-se o presente recurso contra sentença condenatória editada pelo notável
e operoso julgador monocrático titular da _____ Vara Criminal da Comarca de
__________________, DOUTOR ___________________, o qual em oferecendo respaldo de
agnição à denúncia, condenou a apelante a expiar pela pena (03) três anos (06)
seis meses e (20) vinte dias de reclusão, acrescida da reprimenda pecuniária
cifrada em (10) dez dias multa, dando-a como incursa nas sanções do artigo 157,§
2º, inciso I e II, do Código Penal, sob a clausura do regime fechado.
A irresignação da apelante, cinge-se e circunscreve-se a dois tópicos a
saber: em preliminar, reiterará a tese da coação moral irresistível, tendo como
paradigma a inexigibilidade de conduta diversa; e, no mérito, num primeiro
momento, discorrerá sobre a ausência de provas robustas, sadias e convincentes,
para outorgar-se um veredicto adverso, em que pese tenha sido esse parido, de
forma equivocada pela sentença, ora respeitosamente reprovada; para num segundo
e derradeiro momento, advogar, em subsistindo a condenação, pela incidência de
fração de 2/3 (dois terços), como índice de redução da pena, a título de
semi-responsabilidade, à luz do parágrafo único, do artigo 26 do Código Penal.
Passa-se, pois, a análise seqüencial e bipartida da matéria alvo de
discussão.
PRELIMINARMENTE
1.) COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL
História Pessoal da ré:
"____________ é filha de uma doméstica e de pai desconhecido. A mãe a
entregou aos 02 anos para uma família de agricultores, com quem ficou até os 13
anos, quando então a mãe veio buscá-la, porque lá ___________ não estudava.
_________ trabalhou dos 6 aos 13 anos na agricultura. A separação dos pais
adotivos foi vivenciada de forma traumática por _________, que foi levada contra
vontade pela mãe. A mãe é amasiada e possui mais 3 filhos menores. A mãe o e
padrasto bebiam. Uma vez o padrasto tentou estuprá-la e ___________ contou para
sua mãe, que não acreditou, e a colocou numa instituição, de onde fugiu. Então
começou a se prostituir (dos 15 aos 20 anos) e a usar drogas: cocaína injetável
e inalatória. Usou cocaína injetável por 4 anos, tendo parado há 4 anos, quando
passou a usar crack. Usava todos os dias, até se presa. Aos 20 anos passou a ter
um companheiro que a ensinou a furtar então trocou a prostituição pelo furto e
assalto...."
Consoante aduzido pela ré em seu termo de interrogatório de folhas _______, a
mesma era compelida a servir de ‘isca’ para a prática delitiva, por
_____________, seu indigitado companheiro.
Nas palavras literais da ré à fl. ____:
"I: É. Se eu não quisesse, ele me batia e aonde eu ia na cidade, ele ia atrás
de mim."
J: Quem é? É o ___________.
J: Era obrigada a fazer isso? I: Era obrigada a fazer isso."
Observe-se, que a ameaça empregada por _______________, transtornou e
suprimiu a vontade da apelante, impingindo-lhe temor atroz, e fazendo com que
executasse a ordem dele emanada.
Por conseguinte, a ré teve ceifada sua autodeterminação, tendo agido na
condição de fantoche.
Na lição do festejado e respeitado penalista FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, in,
PRINCÍPIOS BÁSICOS DE DIREITO PENAL, São Paulo, 1.987, Saraiva, 3ª edição,
página 315:
"... Quem é culpado é responsável e quem é responsável pode ser chamado a
prestar contas pelo fato a que deu causa. Como, entretanto, em direito penal a
responsabilidade é pessoal e intransferível (ninguém pode ser punido por um
comportamento que não seja seu), torna-se indispensável, antes da aplicação da
pena, fixar-se, de uma vez por todas, a quem pertence verdadeiramente a ação que
se quer punir. E isso precisa ser feito não com um significado puramente
processual (que também é importante, na determinação da autoria), mas em sentido
penalístico, mais profundo, ou seja: há que se estabelecer se a ação que se quer
punir pode ser atribuída à pessoa do acusado, como algo realmente seu, ou seja,
derivado diretamente de uma ação (ou omissão) que poderia ter sido por ele de
algum modo evitada. Essa possibilidade de evitar, no momento da ação ou da
omissão, a conduta reputada criminosa é decisiva para a fixação da
responsabilidade penal, pois, inexistindo tal possibilidade, será forçosa a
conclusão de que o agente não agiu por conta própria, mas teve seus músculos
acionados ou paralisados, por forças não submetidas ao domínio de sua
inteligência e / ou vontade..."
Assim, ante ao contexto fáctico que verte dos autos, temos, como dado
incontroverso que ____________ valeu-se da ré, para executar seu insidioso
desígnio, servindo-se da apelante como ‘instrumento’ para implementar seu plano
criminoso.
E assim o fez, tendo sempre presente, constituir-se a apelante numa pessoa
manejável, e altamente sucetível de capitulação, por amargar dependência de
substâncias psicotóxicas, que lhe toldavam a capacidade de tirocínio e do
discernimento necessário para avalizar e sopear, com eqüidistância a situação
fáctica em curso.
Em assim sendo, temos, como dado incontroverso, que a ré agiu não por vontade
própria mas por determinação de terceiro, sendo-lhe inexigível nas
circunstâncias de que refém conduta diversa, o que caracteriza a coação moral
irresistível, com estamento no artigo 22 do Código Penal.
DO MÉRITO
1.) DEFECTIBILIDADE PROBATÓRIA
Em que pese a ré ter confessado de forma tíbia, irresoluta e fragmentária o
delito de roubo que lhe é arrostado pela peça pórtica, tem-se que a prova que
foi produzida com a instrução, não autoriza um juízo de censura, como o emitido
pela sentença, da lavra do dilúcido Magistrado.
Em verdade, em verdade, a prova judicializada, é completamente estéril e
infecunda, no sentido de roborar a denúncia, haja vista, que o Senhor da ação
penal, não conseguiu arregimentar um única voz, isenta e confiável, que
depusesse contra a ré, no intuito de incriminá-la, do delito que é indevidamente
imputado.
Efetivamente, em perscrutando-se com sobriedade e comedimento a prova de
índole inculpatória gerada com a instrução, tem-se que a mesma centra-se e
resume-se, única e exclusivamente na palavra da sedizente vítima do tipo penal
(vide folha ____), de sorte que o miliciano inquirido no verso da folha _____ ,
nada sabe precisar sobre os fatos.
Entrementes, tem-se, que a palavra da vítima do fato deve ser recebida com
extrema reserva, haja vista, que possui em mira, incriminar a ré, agindo por
vindita e não por caridade - a qual segundo apregoado pelo Apóstolo e Doutor do
gentios, São Paulo, é a maior das virtudes - mesmo que para tanto deva criar uma
realidade fictícia, logo inexistente.
Nesta senda é a mais lúcida jurisprudência, coligida junto aos tribunais
pátrios:
"As declarações da vítima devem ser recebidas com cuidado, considerando-se
que sua atenção expectante pode ser transformadora da realidade, viciando-se
pelo desejo de reconhecer e ocasionando erros judiciários" (JUTACRIM, 71:306)
No mesmo quadrante é o magistério de HÉLIO TORNAGHI, citado pelo
Desembargador ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, no acórdão derivado da apelação criminal
n.º 1.151/94, da 2ª Câmara Criminal do TJRJ, julgada em 24.4.1995, cuja
transcrição parcial afigura-se obrigatória, no sentido de colorir e emprestar
consistência as presentes razões:
"Tornaghi bem ressalta que o ofendido mede o fato por um padrão puramente
subjetivo, distorcido pela emoção e paixão. Nessa direção, poder-se-ia afirmar
que ainda que pretendesse ser isento e honesto, estaria psicologicamente diante
do drama que processualmente o envolve, propenso a falsear a verdade, embora de
boa-fé..." (*) in, JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL: PRÁTICA FORENSE: ACÓRDÃOS E VOTOS,
Rio de Janeiro, 1999, Lumen Juris, página 19.
Sinale-se, outrossim, que para referendar-se uma condenação no orbe penal,
mister que a autoria e a culpabilidade resultem incontroversas. Contrário senso,
a absolvição se impõe por critério de justiça, visto que, o ônus da acusação
recai sobre a artífice da peça portal. Não se desincumbindo, a contento, de tal
tarefa, marcha, de forma inexorável, a peça esculpida pela integrante do parquet
a morte.
Neste sentido, veicula-se imperiosa a compilação de arestos oriundos da
cortes de justiça:
"Por pior que seja a vida pregressa de um cidadão, tal circunstância, que
geralmente se reflete na fixação da pena, não serve como prova substitutiva e
suficiente de uma autoria não induvidosamente apurada no conjunto probatório"
(Ap. 135.461, TACrimSP, Rel. COSTA MENDES.
"A prova para a condenação deve ser robusta e estreme de dúvidas, visto o
Direito Penal não operar com conjecturas" (TACrimSP, ap. 205.507, Rel. GOULART
SOBRINHO)
"O Direito Penal não opera com conjecturas ou probabilidades. Sem certeza
total e plena da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir
condenação" (Ap. 162.055. TACrimSP, Rel. GOULART SOBRINHO)
"Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e
convincente, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando-se o
princípio do ‘in dubio pro reo’, contido no art. 386, VI, do C.P.P" (JUTACRIM,
72:26, Rel. ÁLVARO CURY)
Donde, inexistindo prova segura, correta e idônea a referendar e sedimentar a
sentença, impossível veicula-se sua manutenção, assomando imperiosa sua
ab-rogação, sob pena de perpetrar-se gritante injustiça.
Registre-se, que somente a prova judicializada, ou seja àquela depurada no
contraditório é factível de crédito para confortar um juízo de reprovação. Na
medida em que a mesma revela-se frágil e impotente para secundar a denúncia,
assoma impreterível a absolvição da ré, visto que a incriminação de clave
ministerial, sobejou defendida em prova falsa, sendo inoperante para sedimentar
uma condenação, não obstante tenha esta vingado, contrariando todas as
expectativas!
Destarte, todos os caminhos conduzem, a absolvição da ré, frente ao conjunto
probatório domiciliado à demanda, em si sofrível e altamente defectível, para
operar e autorizar um juízo epitímio contra a apelante.
Conseqüentemente, a sentença estigmatizada, por se encontrar lastreada em
premissas inverossímeis, estéreis e claudicantes, clama e implora por sua
reforma, missão, esta, reservada aos Preclaros Desembargadores, que compõem essa
Augusta Câmara Criminal.
2.) REDUÇÃO DA PENA-BASE PELA SEMI-IMPUTABILIDADE
Segundo se afere pelos comemorativos finais da sentença - vide folha _____,
optou ao altivo Julgador, em reconhecendo a semi-responsabilidade da ré, em
minorar-lhe na fração de 1/3 (um terço), a pena-base.
Contudo, à luz do laudo psiquiátrico legal n.º _________ (vide folhas
__________), tem-se como dado incontroverso que à época do fato, a capacidade
volitiva da ré, bem como seu poder de autodeterminação, remanesceram bastante
obscuras e inibidas, uma vez que a recorrente, era portadora de: TRANSTORNO DE
PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL E DEPENDÊNCIA DE COCAÍNA.
Frente, pois, aos dados consignados nos aludido laudo pericial, com destaque
para os aduzidos na discussão diagnóstica (folha ______), os quais apontam o
comprometimento da higidez mental da recorrente, em grau severo, faz o mesmo jus
a diminuição da pena-base na fração de 2/3 (dois terços).
Em abordando o tema, toma-se a liberdade de reproduzir-se a lição de DAVID
TEIXEIRA DE AZEVEDO, in, DOSIMETRIA DA PENA (causas de aumento e diminuição),
São Paulo, 1998, Malheiros Editores, onde à páginas 113//144, obtempera:
"A imputabilidade diminuída, em decorrência da qual se opera a diminuição nos
limites punitivos, é matéria relacionada exclusivamente com a culpabilidade. A
imputabilidade constitui-se em um pressuposto da culpabilidade. Não se pode
censurar a conduta do agente impermeável aos imperativos éticos e jurídicos, ou,
se sensível a esses valores, incapaz de auto determinar-se segundo as
coordenadas axiológicas que lhe informa a consciência. Não há uma atitude
interna do sujeito digna de desaprovação.
"O apequenar da reprimenda funda-se, portanto, no menor dimensionamento da
culpabilidade, não se fixando em considerações relativas ao bem jurídico objeto
de tutela".
Em virtude do que, resulta o sagrado direito da recorrente de ver minorada a
pena-base na fração de 2/3 (dois terços), uma vez que sua culpabilidade
encontrava-se dramaticamente diminuída, como explicitado pelo mencionado laudo
psiquiátrico legal.
ANTE AO EXPOSTO, REQUER:
I.- Seja acolhida a prefacial, em destaque, para o efeito de reconhecer-se
ter agido a ré quando do fato delituoso descrito pela peça pórtica, sob coação
moral irresistível, causa de exclusão da culpabilidade, tendo-se, presente. que
nas peculiares circunstâncias de que refém, inexigível lhe era conduta diversa.
II.- No mérito, seja cassada a sentença judiciosamente buscada desconstituir,
face a manifesta e notória deficiência probatória que jaz reunida à demanda,
impotente em si e por si, para gerar qualquer veredicto condenatório,
absolvendo-se a ré (apelante), forte no artigo 386, inciso VI, do Código de
Processo Penal.
III.- Não vingando as teses capitais, consubstanciadas nos itens supra, seja
eleita a fração de 2/3 (dois terços) para efeito de minoração da pena a título
de semi-imputabilidade da ré.
IV.- Em qualquer circunstância, seja alterado o regime de cumprimento da
pena, par ao semi-aberto, seguindo-se aqui o comando maior do artigo 33,
parágrafo 2º, letra ‘b’ do Código Penal.
Certos estejam Vossas Excelências, mormente o Insigne e Culto Doutor
Desembargador Relator do feito, que em assim decidindo, estarão julgando de
acordo com o direito, e, sobretudo, restabelecendo, perfazendo e restaurando, na
gênese do verbo, o primado da JUSTIÇA!
_______________________, em ____ de ___________ de 2.0___.
___________________________
DEFENSOR PÚBLICO TITULAR
OAB/UF _____________