Impetração de habeas corpus.
EXMO SR. DR. DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE ......
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência impetrar
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
em favor de
......, brasileiro, separado judicialmente, .....(profissão)..., portador do
documento de identidade RG nº .................., inscrito no CPF sob nº
.............., residente e domiciliado na Rua ....................., na cidade
de .........., com fundamento no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição
Federal, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
O paciente encontra-se recolhido na Cadeia Pública de
.............................., por força de prisão em flagrante decretada em 5
de agosto de 2003, devido a eventual transgressão das normas contidas no artigo
12, caput, da Lei nº 6.368/76.
Segundo apurado, policiais civis da cidade de Campinas receberam denúncia
anônima, dando conta de que o paciente estaria realizando comercialização de
entorpecentes em sua residência. Ato contínuo, os policiais se dirigiram à casa
de André, oportunidade em que, após revistarem seus cômodos, lograram localizar,
em uma prateleira situada no interior da residência, nove porções de maconha,
bem assim, no veículo do acusado, uma porção da mesma erva.
Em decorrência de estarem ausentes, no caso em testilha, os requisitos
autorizadores da prisão preventiva, interpuseram os patronos do paciente,
perante o nobre Juízo de Direito da ....ª Vara Criminal da Comarca de
............., pedido de liberdade provisória, doc. 1 anexo. Todavia, referida
pretensão, apesar de alicerçada nos princípios básicos norteadores do processo
penal contemporâneo, fora equivocadamente indeferida pela autoridade coatora,
mediante brevíssimo despacho, onde a mesma se limitou a salientar a
impossibilidade da concessão do pedido, ante a norma proibitiva contida no art.
2º, inciso II, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), doc. 2 anexo.
Por outro lado, ao analisar a conduta em tese imputável ao paciente, a nobre
Promotora de Justiça atuante perante o Juízo de Direito acima declinado,
denunciou-o como incurso nas normas previstas no art. 12, caput, da Lei nº
6.368/76, sendo que, ao declinar o rito que deveria ser observado durante a
instrução processual, a representante do Parquet, não agindo com a costumeira
cautela, desconsiderou o fato de que, atualmente, os procedimentos referentes
aos crimes de uso e tráfico de entorpecentes seguem o rito processual disposto
na nova Lei de Tóxicos (Lei nº 10.409/02), pelo que requereu o deslinde da ação
penal de acordo com o disposto nos arts. 22 e seguintes da antiga Lei de Tóxicos
(Lei nº 6.368/76), conforme se verifica através do doc. 3 anexo.
E o que é pior, a nobre autoridade coatora, quando da análise da exordial
acusatória, ao invés de suprimir a omissão ministerial, ordenando-se o
prosseguimento do processo de acordo com o rito estabelecido na Lei nº
10.409/02, bem assim, dando-se oportunidade para o acusado apresentar defesa
preliminar, antes do acolhimento da denúncia, de acordo com o art. 38, caput, da
nova Lei de Tóxicos, cingiu-se a receber a vestibular acusatória, nos termos
propostos pelo Parquet, conforme se verifica através do doc. 4 anexo, violando
desta forma, dispositivos expressos da lei processual, ferindo também direito
líquido e certo do paciente.
Em decorrência da indevida inversão de rito processual, acabou a autoridade
coatora por restringir o direito de ampla defesa do paciente, violando,
outrossim, o princípio do devido processo legal, ambos garantidos
constitucionalmente, não restando outra alternativa aos impetrantes, senão
interporem a presente ordem de habeas corpus, com vistas à decretação de
nulidade da ação penal, desde o recebimento da denúncia.
Como se sabe, aos 11 de janeiro de 2002 foi promulgada a nova Lei de Tóxicos
(Lei nº 10.409/02), que entrou em vigor no dia 25 de fevereiro do mesmo ano.
Referido diploma legal deu ensejo a uma situação inusitada, uma vez que o
Presidente da República, ao apreciar o projeto de lei oriundo do Congresso
Nacional, vetou quase metade dos dispositivos propostos, devido à ausência de
técnica contida nestes.
Assim, o chefe do Executivo obstou a aplicação de toda a parte material da Lei
nº 10.409/02, que dispunha sobre os crimes e as penas decorrentes do uso e
tráfico ilícito de entorpecentes, continuando em vigor, por via oblíqua, os
tipos penais capitulados nos artigos 12 e seguintes, da antiga Lei de Tóxicos
(Lei nº 6.368/76).
DO DIREITO
A parte processual da nova Lei de Tóxicos, relativa ao procedimento criminal
para apuração de tais delitos, foi sancionada pelo Presidente da República,
passando a coexistir, curiosamente, em nosso ordenamento jurídico, dois diplomas
legais referentes ao assunto "tóxicos".
Tal situação acarretou o surgimento de duas correntes doutrinárias divergentes,
uma prevalente, entendendo que a antiga Lei de Tóxicos (Lei nº 6.368/76) foi
parcialmente revogada, pelo que continuaria a dispor sobre os crimes e as penas,
prevalecendo, quanto ao procedimento para apuração de tais ilícitos, os termos
da novel legislação (Lei nº 10.409/02), outra minoritária, entendendo que o
diploma legal antigo deveria ser aplicado integralmente, tanto na parte penal,
quanto processual.
Os adeptos da segunda corrente doutrinária legitimam seus posicionamentos no
art. 27, da nova Lei de Tóxicos (Lei nº 10.409/02), que assim dispõe: "o
procedimento relativo aos processos por crimes definidos nesta Lei regem-se pelo
disposto neste Capítulo...".
De acordo com estes doutrinadores, como o dispositivo legal supramencionado
prevê a aplicação do procedimento previsto na novel Lei de Tóxicos, somente para
a apuração dos crimes capitulados no mesmo diploma, considerando-se, de outro
lado, que não subsistiu quaisquer tipos penais no estatuto em comento, fica sem
aplicação a Lei nº 10.409/02, também na parte processual, pelo que a Lei nº
6.368/76 deve vigorar na íntegra.
Por sua vez, os adeptos da corrente prevalente asseveram que, muito embora o
art. 27, da nova Lei de Tóxicos, fale em "procedimentos relativos aos crimes
descritos nesta lei", é clarividente que se conclua, num simples trabalho de
hermenêutica, que se está a tratar dos delitos de uso e tráfico ilícito de
entorpecentes, hodiernamente previsto nos artigos 12 e seguintes, da Lei nº
6.368/76.
Sem sombra de dúvidas, razão assiste aos doutrinadores que defendem a revogação
parcial da Lei nº 6.368/76. Ora, a interpretação puramente literal do art. 27,
da Lei nº 10.409/02, como pretendem os adeptos da corrente adversa, por ser
demasiadamente pobre e destituída dos princípios básicos norteadores da
hermenêutica jurídica, não merece qualquer respaldo, no que tange ao assunto em
pauta.
De fato, como é sabido, ao se interpretar um dispositivo legal, deve-se dar
menos prevalência ao significado literal das palavras, do que ao sentido global
do texto, em harmonia com os demais dispositivos do mesmo diploma legal e com o
sistema jurídico em sua totalidade.
Quanto ao art. 27, da novel Lei Tóxicos, ao inserir a expressão "crimes
descritos nesta lei", indubitavelmente, teve o legislador a intenção de se
referir ao uso indevido e ao tráfico ilícito de entorpecentes, uma vez que,
antes de passar pelo crivo do Executivo, o projeto do diploma em questão
tipificava tais condutas delitivas, o que tornava desnecessária a repetição do
nomen juris de ambos os tipos penais, que foram substituídos por "crimes
descritos nesta lei".
Entretanto, como a parte material desta lei foi vetada em sua íntegra pelo
Presidente da República, mantida ficou a vigência dos arts. 12 e seguintes, da
Lei nº 6.368/76, que também dispõe sobre os crimes de uso indevido e tráfico
ilícito de entorpecentes, cuja persecução criminal passou a seguir o rito
estabelecido pela Lei nº 10.409/02.
Ora, tal conclusão é deveras lógica, sendo irrelevante o fato de o chefe do
Executivo manter a expressão: "crimes descritos nesta lei", no corpo do art. 27,
da novel Lei de Tóxicos, que deve ser entendida como "delitos de uso indevido e
tráfico ilícito de entorpecentes". Ademais, entre as atribuições do Presidente
da República, além de exercer o veto, não estava a de modificar os dispositivos
legais, pelo que restou inalterado este artigo.
Não é por outro motivo que o eminente mestre Luiz Flávio Gomes, ao debater sobre
a nova Lei de Tóxicos, salientou que: "Discutia-se, entretanto, sua eficácia
jurídica em virtude do que dispõe o seu art. 27 ('nos crimes previstos nesta
lei, será observado o procedimento...'). Pergunta-se: quais crimes, se todos os
que estavam previstos na Lei 10.409/02 foram vetados pelo Presidente da
República? Apesar disso, como não existe a menor dúvida sobre a quais crimes
refere-se o art. 27 da Lei 10.409/02 (é evidente, óbvio e ululanteque esse
dispositivo legal diz respeito aos crimes previstos na Lei 6.368/76), sobre o
nosso ponto de vista, já externado no nosso curso pela Internet sobre a nova lei
de tóxicos: cf - www.ielf.com.br -, parece muito claro que o novo procedimento
tem que ser observado em todos os seus termos, sob pena de nulidade total do
processo (por inobservância do devido processo legal)".[1]
Deve, outrossim, prevalecer o entendimento segundo o qual a lei não contém
expressões inúteis. Tal conclusão não seria possível, acaso fosse negada
vigência ao rito processual consignado na Lei nº 10.409/02, uma vez que tal
diploma legal restaria como um natimorto no ordenamento jurídico pátrio.
Sendo a Lei nº 10.409/02 um diploma que tramitou regularmente pelo Congresso
Nacional, passando pelo crivo do Presidente da República, que, por sua vez,
sancionou parte de seus dispositivos, não cabe ao Judiciário negar vigência aos
seus termos, pena de se ferir o princípio da separação de poderes, consignado no
art. 2º, da Constituição Federal.
Assim, no caso em pauta, não competia ao Judiciário deixar de aplicar o
procedimento estabelecido pela novel Lei de Tóxicos, substituindo-o pelo
consignado na Lei nº 6.368/76, constituindo-se a inversão de rito, verdadeiro
abuso de poder, que deve ser reparado através do presente remédio heróico.
É bom ainda anotar que, além da nova Lei de Tóxicos ser um diploma regularmente
aprovado pelo Congresso Nacional, o que por si só já obsta a aplicação de
quaisquer outros ritos processuais, o procedimento consignado no novo estatuto
oportuniza maiores possibilidades de defesa ao acusado, em relação ao antigo
diploma, tornando-se inaceitável e incabível a substituição daquele por este.
Em primeiro lugar, cite-se que a Lei nº 10.409/02 proporciona ao acusado, antes
do recebimento da denúncia, oportunidade para apresentar defesa escrita,
conforme ressaltado pelo art. 38, caput, deste diploma, quando então poderá
rechaçar os termos da exordial proposta pelo Parquet.
Nem é preciso salientar a importância desta defesa preliminar, para o exercício
do direito constitucional de ampla defesa do réu, pois, ao apresentar resposta a
acusação, poderá o mesmo convencer o Magistrado, através de argumentos
plausíveis, a não receber a vestibular acusatória, ou, noutros casos, obter
eventual desclassificação de infração penal, o que é de suma importância, máxime
se se considerar a hediondez das condutas previstas nos arts. 12 e 13, da Lei nº
6.368/76.
Doutro turno, prevê a nova Lei nº 10.409/02 a realização de dois interrogatórios
com o acusado, um após o recebimento da denúncia, outro finda a instrução
criminal, fato este também dotado de suma relevância, pois, ao ser ouvido após a
inquirição das testemunhas de defesa e de acusação, poderá o réu apresentar
eventuais respostas aos termos destes depoimentos, possibilitando a consecução
de absolvição.
Devido a tais motivos, conclui-se serem mais amplas as oportunidades de defesa
conferidas pela nova Lei de Tóxicos, em relação à antiga, restando clarividente
o prejuízo ocasionado ao paciente, decorrente da indevida inversão de rito
processual, não havendo outra solução, senão anular o processo em comento desde
o recebimento da denúncia.
Referida pretensão encontra guarida em posicionamentos jurisprudenciais
anteriores, da qual vale citar o habeas corpus nº 206.389-4, julgado em 05
setembro de 2002, pelo Egrégio Tribunal de Alçada do Paraná, de que foi relator
o Eminente Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo, onde, por votação unânime, foi
decidido que: "A inobservância da regra prevista no art. 38, da Lei 10.409/2002,
que alterou disposições da Lei 6.368/76, impõe seja declarado nulo ex radice o
procedimento, por importar óbvia violação do direito constitucional à ampla
defesa".
À semelhança, processos outros foram anulados, tendo em vista a indevida
inversão de rito processual, decorrente da substituição do ordinário, que
garante maiores possibilidades de defesa ao acusado, pelo sumário, sendo tais
decisões perfeitamente aplicáveis ao caso em testilha, por analogia. Nesse
sentido:Defesa - Garantia de defesa - Rito processual (alteração) - Nulidade
absoluta - Adoção do procedimento especial de rito sumário ao invés do
procedimento comum do juízo singular, cabível no caso, ainda que com o
consentimento das partes, importa em restrição inaceitável ao direito de defesa,
assegurado em lei e causa nulidade absoluta do processo - Habeas corpus
concedido em parte. (STF - RHC - Rel. Rafael Mayer - JURISPENAL 54/325).Lesão
corporal gravíssima - Rito processual impróprio - Anulação do processo.
"Tratando-se de processo por crime apenado com reclusão, seguem-se após a
colheita da prova testemunhal a fase de diligências e, depois, a de alegações
finais. Ocorre nulidade, se adotado outro rito processual, o dos crimes punidos
com detenção". (TJRJ - AP - Rel Raphael Cirigliano Filho - RF 292/383).Nulidade
- Utilização do procedimento sumário ao invés do ordinário. Ocorrência -
Hipótese. "Em processo que visa apurar delito de furto, ocorre nulidade
insanável, quando o Juiz dá por encerrada a instrução para, de imediato, em
autêntica audiência de debates, colher a manifestação oral das partes sobre
eventuais diligências, bem como as respectivas alegações finais, vez que, em tal
hipótese, estaria reduzindo-se a amplitude do contraditório e subvertendo-se o
princípio do devido processo legal, pois se aplicou o procedimento sumário ao
invés do ordinário" (TACRIM - SP - AP - Rel. Nogueira Filho - RJD 17/120).
Outrossim, convém ressaltar que, o acusado encontra-se recolhido por flagrante
delito decretado em 6 de agosto de 2003, ou seja, há mais de oitenta e um dias,
prazo este máximo para a conclusão da instrução criminal, em se tratando de réu
preso, transcorrido em 23 de outubro de 2003.
Portanto, mister se torna a imediata soltura do paciente, no caso de concessão
da presente ordem, expedindo-se alvará de soltura clausulado em seu favor, tendo
em vista o excesso de prazo no término da instrução processual.
Julgando caso similar, esta Corte, em 10 de setembro de 2002, por sua 4ª Câmara
Criminal, também concedeu habeas corpus[2] em processo por crime de tráfico, que
tramitava na Comarca de Santa Isabel, anulando-se a ação a partir da citação,
determinando seja ela renovada com a adoção do rito dos arts. 38 a 41 da Lei nº
10.409/02, relaxando a prisão em flagrante por excesso de prazo no término da
instrução.
Do mesmo modo, o paciente carece que a presente ordem lhe seja concedida
liminarmente. De fato, se o acusado tiver de aguardar o desfecho da tramitação
da presente ordem, o que demanda algum tempo, para somente depois ser colocado
em liberdade, poderá sofrer danos irreparáveis ou de difícil reparação, tanto em
sua integridade física, como moral.
Anote-se aqui as precárias condições em que se encontra a Cadeia Pública de
......................., onde os detentos não são submetidos a nenhum trabalho
pedagógico e de ressocialização, ficando uns amontados aos outros, a semelhança
de animais engaiolados, dados estes que, sem sombra de dúvidas, fomentam as
imensas rebeliões que rotineiramente ocorrem neste presídio. Tudo isto recomenda
a imediata soltura do paciente.
Ademais, a não concessão de medida liminar acarretará em automático
prosseguimento do processo criminal instaurado contra o paciente, com
observância do rito da antiga Lei de Tóxicos, o que, além de violar as garantias
constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, ainda prejudicará o
princípio da economia processual, haja vista a possibilidade de se anular os
atos a serem realizados no futuro, sob o manto da antiga legislação.
DOS PEDIDOS
Neste sentido, considerando os argumentos acima expendidos, requer, data máxima
vênia, que seja concedida ao paciente, liminarmente, a presente ordem de habeas
corpus, comprometendo-se, desde já, em comparecer a todos os atos do processo,
pena de revogação do benefício, expedindo-se o competente alvará de soltura.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]
Notas do texto:
[1] defesa preliminar.
[2] Habeas Corpus nº 390.665.3/6, rel. Des. Hélio de Freitas. olhe a
progressividade. Com efeito, verificada a omissão na sentença condenatória,
devidamente corroborada em grau de recurso, relativamente à determinação de
regime integralmente fechado, bem como constatada de referência quanto à regra
insculpida na Lei de Crimes Hediondos, em seu art. 2º,§ 1º, por óbvio que não se
pode lançar mão de interprete.