Memoriais apresentados pelos réus, sob alegação de furto de alimentos, além de ínfimo valor do objeto furtado.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE
..... - ESTADO DO ......
AUTOS Nº ......
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ..... e ....., brasileiro
(a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º
..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º .....,
Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de seu (sua)
advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01), com
escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade .....,
Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui respeitosamente à
presença de Vossa Excelência apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
Os acusados estão sendo processados como incursos nas penas do art. 155,
parágrafo 4º, IV, do Código Penal, sob a alegação de que no dia .... de
......... de ..........., por volta das .... horas, no ..........., de
propriedade do Sr. .........., teriam subtraído ........... e ..........
Preliminarmente, a denúncia é inepta tendo em vista a divergência da data
narrada na peça acusatória e a dos fatos, a ponto de ensejar o embaraço aos
acusados do exercício constitucional do jus defensionis. Senão vejamos:
A vítima ..........., declarou no inquérito policial (fls. ... e verso), que no
dia .... de ............ de ........, decidiu registrar ocorrência, sendo que
logrou êxito na identificação de quatro rapazes apenas no dia seguinte, ou seja,
em .... de ....... de .......
Desse modo, a denúncia, ao narrar como data dos fatos o dia ... do mês de
............. de ......... e considerando-se inexistirem provas de que este
tenha ocorrido nessa data, a decretação da inépcia da peça acusatória e a
extinção do processo é medida de Justiça que se espera.
DO DIREITO
No mérito cabe analisar o caráter subsidiário do direito penal, mormente com a
criação dos Juizados Especial Criminais, verificando-se, que a tutela jurídica
visada por essa seara do direito, voltou-se principalmente à proteção dos bens
cujos valores são socialmente relevantes.
Com efeito, o direito penal moderno não deve mais servir como instrumento de
reprimendas a ações menores, de nenhuma importância social, de pequena ou
inexistente lesividade patrimonial, apenas porque a conduta, a priori, configura
fato típico e antijuridico.
Nesse contexto, verifica-se que a conduta dos acusados é absolutamente atípica
Apresenta-se apenas e tão somente como ilícito civil, merecedor único da
proteção jurisdicional reparadora e não repressiva como pretende a acusação.
Pacifico na doutrina e na jurisprudência, que o furto de pequeno valor
(impropriamente classificado como "crime de bagatela", pois, na rea1idade,
sequer apresentam-se como ilícito penal) não autoriza a incriminação e muito
menos qualquer reprimenda Nesse sentido:
"Principio da insignificância - Furto - Pequeno Valor da coisa furtada -
Atipicidade do fato ante a ausência da lesividade ou danosidade social - 'A lei
penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa
gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar
situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do
tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da
regra constitucional do nullum crimen sine lege, que nada mais faz do que
revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal' (TA CRIM-SP - AC
- Rel. Márcio Bártoli - RT 733/579)"
De minimus non curat praetor. Saliente-se que a ação penal em casos análogos aos
dos autos constitui-se despicienda de justa causa, e a aplicação da pena
representará, certamente, uma desproporcionalidade em relação à repercussão
social e à levisidade, máxime se for levado em conta o patrimônio da vítima.
Posto isso, diante da absolutamente atipicidade da conduta dos acusados, a
absolvição é medida que se impõe, nos termos do art. 386. III, do Código de
Processo Penal.
Não obstante, em face do princípio constitucional da ampla defesa, a conduta dos
agentes merece ser analisada sob o prisma da extrema necessidade aliada as
condições sociais e econômicas, consignando-se nesta oportunidade, a
juridicidade do fato.
Com efeito, a insuficiência de recurso dos acusados e a necessidade de sustento
restou provada pelas testemunhas ouvidas as fls. ..., incontestes no que se
refere ao fato de todos os agentes estarem desempregados, bem como pelo estudo
social de fls. ..........., no qual é acentuada exclusão social.
Oportuno salientar, que o estudo social merece ser analisado de conformidade com
as demais provas dos autos, observando-se que pela baixa instrução dos acusados,
escassez de recursos, exclusão social, a eles é perfeitamente cabível a crença
no "desejo de gravidez", sobretudo a .................., esposo de .............
e futuro pai.
Diante de tal situação, os acusados nao agiram com a intenção de enriquecimento,
senão por extrema necessidade, pois furtaram ............... e
................., que foram objeto de consumo por parte da testemunha
...................., grávida e desejosa de tais alimentos, comovendo-os diante
da situação fatídica e escassez de recursos financeiros para tal aquisição.
Para configurar-se o furto, de1ito patrimonial, mister se faz o desfalque
patrimonial da vítima com o acréscimo do agente, que in casu não ocorre, em
razão da natureza da res.
"Ninguém subtrai um quilo de carne para acrescentá-lo em seu patrimônio; fá-lo,
tão-só, para mitigar a fome, pois que apenas a isso se presta mercadoria de tal
natureza" (TA CRIM - SP - AC - Rel. Canguçu de A1meida JUTACRIM 86/425).
"O conceito de famelicidade, nos dias de hoje, não pode ser apreciado com muito
rigor" (TACRBri - SP - AC - Rel. Adauto Suannes - JUTACRIM 78/416).
É o caso dos autos. Note-se, contudo, que o rigorismo de tratamento dispensado
pelo DD. Membro do Ministério Público aos acusados não tem razão de ser. O fato
deve ser analisado isoladamente, pois a função punitiva somente pode ser
aplicada àqueles que realmente cometem o ilícito.
Ademais, se do ilícito surge o poder estatal de repressão penal, não pode ser
olvidado, que aos acusados é assegurado o direito de não ser punido fora do
campo de sua atuação e além dos limites legais. Em suma, quod non est in actis
non est in mundo.
Posto isso, requerem a absolvição nos termos do art. 386, V do Código de
Processo Penal.
Por derradeiro, na remota hipótese de Vossa Excelência não acolher a figura do
furto famélico, o que se admite apenas para argumentar, a conduta dos acusados
merece ser analisada de acordo com o art. l55, parágrafo 2º c.c. parágrafo 4º,
IV, do Código Penal.
Os acusados são primários e de bons antecedentes. A res foi avaliados pelos
peritos em R$ ................., fls. .............. Verifica-se, assim a
presença das condições necessárias à figura privilegiada.
Presentes esses requisitos, a concessão do privilegium é direito subjetivo dos
acusados, consoante a garantia constitucional consagrada no art. 5º, XL, da
constituição Federal, que prescreve: "a lei não excluíra da apreciação do Poder
Judiciária lesão ou ameaça a direito". Nesse sentido:
"Furto - Concurso entre a forma qualificada e o privilégio do pequeno valor -
Prevalência da causa de diminuição de pena - Pela colocação do 'privilegium',
logo abaixo do furto simples e do furto noturno, seria lógico restringir sua
aplicação a ambas as modalidades. Entretanto, como a
presente faculdade legal é mais um instrumental de que dispõe o magistrado para
melhor individualizar a pena, tem-se decidido pela sua aplicação mesmo em caso
de furto qualificado, o que é justificável. Por outro lado, não seria demasiado
sustentar que, satisfeitos os requisitos da primariedade e do pequeno valor, o
benefício da especial mitigação da pena é automático. (STJ - 6a T.; Rec. Esp.
N.º 77.143-SP. Rel. Min. Adhemar Maciel; j. 23.04.1996; v.u.; ementa)" (in Bol.
AASP n.º 1995 - Ementário, pág. 24-e, 19 a 25. 03. 97).
Note-se, que a colocação da figura privilegiado após a forma simples, não pode
servir de óbice à concessão daque1a, sob pena de ser considerado o
posicionamento relacional mais importante do que a finalidade da norma.
Destarte, existem delitos na forma simples com maior gravidade que qualificados.
DOS PEDIDOS
Em face do exposto, na remota hipótese de Vossa Excelência entender ser o caso
de condenação, a medida que se impõe é a concessão do furto qualificado
privilegiado.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]