Ação civil pública em face de poluição ambiental.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE ....., ESTADO DO
.....
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ............., pelo Promotor de Justiça que esta
subscreve, com fundamento nos artigos 127 e 129, da Constituição da República
Federativa do Brasil, Leis Federais nº 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), nº
6938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e nº 8625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público) vem propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
em face de
MUNICÍPIO DE ............., com sede na Prefeitura Municipal desta cidade,
localizada na Praça ....... de ..........., nº ........, Pessoa Jurídica de
Direito Público Interno portadora do CNPJ nº .........., neste ato representada
por seu Prefeito Municipal, .......... e ....., pessoa jurídica de direito
privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na Rua ....., n.º .....,
Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada neste ato por
seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF n.º .....,
pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
No ano de ...... a empresa requerida efetuou uma autodenúncia ao Ministério
Público, Promotoria de Justiça de ............. (fls. 1238 e seguintes),
esclarecendo que por ocasião da venda e compra do site industrial localizado
nesta cidade de ............. à empresa "............." houve a necessidade,
como cláusula negocial, da contratação e realização de uma auditoria ambiental
da área. Referido site industrial era composto basicamente por algumas unidades,
dentre as quais se destacam as unidades chamadas .............,
................., ............... e outras.
Cumpre ressaltar que a propriedade que abrigava o site industrial em questão
possui como entorno um bairro residencial composto por 66 (sessenta e seis)
propriedades, algumas das quais são chácaras, denominado "............." e que
possui como limites a Avenida ............. (que divide o bairro da propriedade
que pertenceu à requerida) e o Rio ............. (limite natural do final das
sessenta e seis propriedades). Referido bairro residencial preexiste à
instalação da empresa ............. naquele local.
Com a obtenção dos resultados desta auditoria ambiental foram detectadas
substâncias poluentes no solo e lençol freático da região do antigo
............. (Centro Industrial ............. .............), sendo certo que a
empresa requerida, desde aquela ocasião, admitiu que algumas destas substâncias
poluentes encontradas são ligadas à sua atividade industrial, e nega o fato de
que outras substâncias poluentes sejam produtos, matérias-primas, insumos ou
resíduos de sua atividade industrial.
Quanto às substâncias que admite ligação com seu processo industrial, alega que
houve vazamentos quando da estocagem e outras etapas do processo, que motivaram
a contaminação do solo e lençol freático.
Assim, foi instaurado Inquérito Civil (fls. ............) para a perfeita
apuração dos fatos, objetivando-se a coleta de dados e adoção de medidas
tendentes à contenção da pluma de contaminação verificada no solo e lençol
freático, independentemente da ligação dos contaminantes com a atividade
industrial da empresa requerida, que, quanto à fabricação de pesticidas, encerra
o lapso temporal compreendido entre as décadas de ...... e ..... no local dos
fatos.
Os autos do referido Inquérito Civil receberam o nº ........, sendo certo que ao
final das investigações, no ano de ........., foi celebrado Termo de Ajustamento
de Conduta entre Ministério Público Paulista e empresa ............. com a
adoção de medidas preventivas da expansão da contaminação (as cópias do primeiro
volume do Inquérito Civil estão encartadas às fls. ......).
A prova pericial que instruiu a autodenúncia revela a presença de contaminantes
no solo e lençol freático do antigo ............., tais como 1,1 DCA (1,1
dicloroetano), 1,2 DCA (1,2 dicloroetano), TCE (tricloroetano), e solventes
correlatos, Xilol (mistura de xileno e etilbenzeno), Benzeno, Aldrin, Endrin,
Dieldrin, BHC e isômeros (Alfa, Beta e Delta-BHC), chumbo, e demais substâncias
poluentes mencionadas nos documentos juntados às fls. 1246, e seguintes.
Pela leitura de fls. ...... e ......., do relatório de Auditoria Ambiental que
foi encartado aos autos do Inquérito Civil nº ........, e cuja cópia está
encartada aos presentes autos às fls. ........, tem-se que:
"- com absoluta certeza, as substâncias 1,2 DCA, 1,1 DCA, TCE, Xileno,
Etilbenzeno e Benzeno nunca foram manuseados na área do ............. como
reagentes nos processos industriais, adquiridos especificadamente para tal fim,
ou sintetizados por qualquer processo na referida unidade.
- o 1,2 DCA é um solvente normalmente presente em concentrações mínimas em uma
matéria-prima regularmente consumida até .... na unidade ........ Desde então,
em conseqüência da mudança de fornecedor da matéria-prima, não se encontra mais
presente no processo industrial. Ele atingiu o aqüífero através da falha de
impermeabilização ocorrida no tanque subterrâneo da unidade ..............
- o Xilol foi usado como solvente em um dos processos da unidade .............
entre 1983 e 1987 e deve ter atingido o aquífero sob a unidade .............
pelo mesmo mecanismo do 1,2 DCA
- o Xilol foi estocado em grandes quantidades no ............. até 1983 e de lá
para cá em pequenos volumes. Deve ter atingido o aqüífero por infiltração no
solo de um eventual vazamento acidental em uma operação de descarga de
caminhão-tanque
- o Benzeno é um solvente que nunca foi utilizado, produzido ou manipulado no
.............. A explicação para a ocorrência deste solvente
- naquela área é de que tenha havido e esteja ocorrendo ao longo dos anos, um
processo de biodegradação, do qual participam predominantemente bactérias de
alta especificidade metabólica, que transforma o Etilbenzeno em Benzeno. Outras
bactérias dão continuidade ao processo através da biodegradação do Benzeno."
"14.02 - ocorrência de Aldrin, Endrin e Dieldrin em pontos aleatórios do
aqüífero sob o .............
O Aldrin e o Endrin foram empregados como matérias primas no ............. até
...... quando foi suspensa sua utilização na lavoura, por determinação do
Ministério da Agricultura.
O Dieldrin entretanto nunca foi manipulado pela ............. dentro dos limites
do .............. No entanto o Aldrin pode ser modificado, através da
biodegradação, e transformado em Dieldrin com o decorrer do tempo, por oxidação.
Por outro lado, Aldrin, Endrin e Dieldrin são inseticidas organoclorados que
foram largamente aplicados diretamente no solo em termiteiros e formigueiros e
na cultura da cana de açúcar, arroz, soja, algodão café e fumo, até 1985, quando
a fabricação e comercialização de organoclorados em geral foi proibida e seu uso
restrito a aplicações na indústria madeireira foi suspensa. Até 1974, quando foi
adquirida pela ............., a área do ............. constituía uma fazenda de
mais de 100 hectares. De acordo com informações documentadas em fotografias
tirada na época (Fotogramas 02 e 03), fica evidente que naquela área era
praticada uma intensiva atividade agrícola. A distribuição aleatória da
ocorrência destes produtos no aqüífero tende a indicar que os mesmos podem ser
provenientes destas atividades agrícolas anteriores a 1972.
A ............. continuará a analisar o aqüífero nos locais onde foi observada a
ocorrência destes produtos, por no mínimo mais dois anos, visando melhor
explicar as ocorrências. Caso seja identificado algum local onde persista a
presença de uma destas substâncias em concentrações acima das prescritas na
Portaria 36, a ............. voltará a discutir o problema com o Ministério
Público e com a CETESB" . (grifo nosso)
Contudo, as quantias de pesticidas verificadas no solo da região sobre a qual
foi edificado o ............. revela que referida contaminação, seguramente, não
foi decorrente da atividade agrícola realizada na região anteriormente à
instalação da fábrica da requerida.
Sobre tal aspecto, passo a transcrever excerto da obra "Ecotoxicologia de
Agrotóxicos", do autor Joaquim Gonçalves Machado Neto, editora EdUnesp, 1991,
páginas 16 e seguintes, onde se aprende:
"3.3. Resíduos no Solo
Os agrotóxicos aplicados para o controle de insetos, fungos, plantas daninhas,
etc., são normalmente direcionados às plantas, mas, posteriormente, chegam ao
solo.
Como qualquer outro composto químico, o comportamento de um herbicida no solo e,
conseqüentemente, sua atividade biológica dependem da sua natureza química.
A natureza química de cada herbicida depende da sua estrutura molecular,
ionização, solubilidade em água, lipossolubilidade, polarização e volatilidade
da molécula (BLANCO, 1979). Por outro lado, inúmeros fatores externos podem
desempenhar papel importante no destino dos agrotóxicos do solo (BATISTA, 1988),
destacando-se como principais:
1) Absorção pelas partículas do solo, bem como pela matéria orgânica no solo;
2) Lixiviação e lavagem pela água;
3) Evaporação no ar, incluindo transporte mecânico pelo vapor de água;
4) Degradação e/ou ativação pelos microorganismos do solo;
5) Decomposição fisiológica ou ativação, catalização pelas condições do solo ou
pelos constituintes do solo;
6) Fotodecomposição; e
7) Translocação para outros sistemas biológicos (incluindo plantas) ou outros
ambientes.
A umidade e o tipo de solo desempenham papel muito importante na profundidade de
penetração de heptacloro, aldrin, clordane e dieldrin nas camadas do solo. O
conteúdo de argila é importante no sentido de que os inseticidas não migram nos
solos com alta composição em argila e silte. Inseticidas persistem por mais
tempo em solos ácidos do que em solo alcalinos. A temperatura e as plantas
cultivadas também influenciam substancialmente na persistência dos inseticidas.
Eles desaparecem muito mais rápido em condições de altas temperaturas, e as
culturas de maior cobertura do solo tendem a aumentar a persistência,
provavelmente por diminuir o grau de evaporação do solo. As práticas agrícolas
também podem ter muito efeito no destino dos agrotóxicos no solo, por permitirem
uma exposição mais uniforme destes aos vários constituintes do solo e ao ar
atmosférico.
Em 1969, foram realizadas análises de resíduos de 130 diferentes agrotóxicos
aplicados em solos agrícolas, com culturas anuais de 43 Estados dos Estados
Unidos da América, e três ou mais agrotóxicos em solos não agrícolas de 11
Estados. Dos 130 agrotóxicos analisados, somente 24 foram encontrados nos solos
agrícolas, sendo seis herbicidas, cinco inseticidas fosforados, onze inseticidas
clorados e arsênico. Os níveis de resíduos dos agrotóxicos que permaneceram no
solo até a época da colheita das culturas, estão contidos na Tabela 05 (Wiersma
et al., 1972, citados por KENAGA, 1977).
Os agrotóxicos que persistiram nos solos do Estado do Paraná foram os do grupo
dos organoclorados: BHC, DDT e endosulfan, confirmando os resultados de diversos
trabalhos de pesquisas realizadas no mundo todo (Tabela 07) como sendo os mais
persistentes na natureza.
Assim, pela simples leitura da obra que se encontra parcialmente transcrita,
tem-se que o Estado do Paraná, eminentemente de vocação agrícola, apresenta em
seus solos níveis de pesticidas significativamente inferiores àqueles
encontrados na região do antigo ............. em duas décadas depois. Isto
porque, há que se considerar que os dados constantes da tabela nº 06 refletem os
níveis de pesticidas encontrados nos solos paranaenses no decorrer do ano de
1982, ocasião em que a utilização de organoclorados não havia sido objeto de
proibição pelo governo brasileiro e, portanto, eram livremente utilizados na
agricultura.
Então, ante às conclusões da obra científica acima transcrita, bem como ao que
consta dos autos do presente Inquérito Civil, e considerando-se que a própria
empresa ............. esclarece que adquiriu a propriedade sobre a qual foi
edificado o Centro Industrial ............. ............. em ......., conclui-se
que desde aquela época os pesticidas porventura lá existentes já teriam sofrido
uma degradação que não mais permitissem ser encontrados nos níveis apontados
pelo Relatório de Auditoria Ambiental que instruiu a autodenúncia. Portanto, é
de se concluir que os pesticidas e demais compostos químicos lá verificados são
inerentes à atividade industrial da requerida (as cópias do Relatório de
Auditoria Ambiental encontram-se nos presentes autos às fls. 1819, e seguintes).
Não bastassem tais dados, os termos de declarações encartados às fls. ..... e
...... do Inquérito Civil que instrui a presente, quais sejam cópias trasladadas
dos autos do Inquérito Civil nº ............., prestadas por ...... e
..........., ambos ex-funcionários da empresa requerida, confirmam que os
produtos organoclorados da família dos drins eram manipulados pela empresa
............. no site industrial de ..............
Ainda, o depoimento prestado por ............... (fls. .........) revela em
alguns trechos a existência de queimadores de tambores que, por vezes, restou
presenciada a incineração de tambores de aço contaminados com fosforados, e que
eram devolvidos pelo comprador dos produtos, e incineradores de sólidos
existentes no interior do site industrial da .............-............. que,
por vezes, queimava produtos oriundos de outras empresas, dentre as quais são
citadas a ......... e ..........
De outra banda, pela leitura do mesmo depoimento, extrai-se que as cinzas
oriundas do processo de incineração de sólidos eram despejadas em valas, sem
obra alguma de engenharia, diretamente no solo. Prosseguindo, tem-se que o local
onde se situavam referidas valas foi objeto de obras de terraplenagem, podendo a
profundidade atual da vala ser superior à da época. Ainda, que os efluentes de
outra unidade da empresa, qual seja a unidade Ionol, quando não incinerados,
eram estocados em tambores metálicos com capacidade de 200 (duzentos) litros,
dentro do site e que, por vezes, por conta de corrosões verificadas nos citados
tambores, referidos efluentes vazavam para o solo, causando contaminação.
Referidos resíduos eram compostos basicamente por hidrocarbonetos, dentre os
quais figuram o paracresol e paratoluenosulfônico.
Tudo isto está a demonstrar que a contaminação de solo verificada por ocasião da
auditoria ambiental cujo resultado consta da autodenúncia foi desenvolvida pela
requerida ..............
E, a partir da celebração do Ajustamento de Conduta aos 02 de agosto de 1995,
passou-se à execução do compromisso, incluindo-se o monitoramento dos poços
previamente especificados, de forma a se ter notícia exata de eventual
movimentação, expansão ou retração da pluma de contaminação encontrada.
Contudo, a partir do ano de 1999, com reclamações de alguns moradores do bairro
".............", no sentido de que a água oriunda das cacimbas de suas
propriedades não mais se apresentava inodora, insípida e incolor, iniciaram-se
investigações sobre a possibilidade de expansão da pluma de contaminação e
possibilidade de haver atingido o subsolo e lençol freático do entorno do antigo
............., qual seja o local ocupado pelas 66 (sessenta e seis) propriedades
que compõem o bairro.
E, com a vinda dos laudos periciais encartados às fls. .............., dos autos
do Inquérito Civil nº ............., encartadas nestes autos às fls.
..........., constatou-se que o SRQA (Sistema de Recuperação da Qualidade do
Aqüífero), composto por uma barreira hidráulica, um subsistema de extração de
contaminantes e uma unidade de tratamento de água, como acordado no TAC
celebrado nos autos do Inquérito Civil nº ............., não foi suficiente à
contenção da pluma de contaminação, que acabou por continuar a se expandir e
alcançar o lençol freático das propriedades localizadas no bairro
".............".
Cumpre ressaltar que somente no ano de 1996 houve a implantação de rede pública
de distribuição de água no bairro "............." e, portanto, até a mencionada
data, toda a água consumida pelos moradores do bairro provinha das cacimbas lá
existentes. Não bastasse, embora implantada a rede de abastecimento, verifica-se
pelo documento encartado às fls. .............. (cópia extraída dos autos do IC
nº .............), de lavra da SABESP, que as ligações particulares têm sido
efetuadas vagarosamente desde ................, e não foram concluídas até o
presente momento. Tais dados são extraídos do documento mencionado e revela que
de um total de 57 (cinqüenta e sete) propriedades, 24 (vinte e quatro) delas
tiveram a ligação efetuada no ano de 2001. Assim, em havendo contaminação da
água das cacimbas, e sendo certo que a água de lá proveniente era utilizada para
consumo pessoal, para utilização no cultivo de hortaliças, plantas, alimentação
de animais, etc., já se delineava de forma clara a exposição da população do
bairro aos contaminantes verificados no solo, lençol freático e na atmosfera,
pelos fenômenos da ingestão, inalação e contato dérmico dos produtos.
Assim, em razão da gravidade da problemática ambiental que se colocava no
tocante ao aspecto da saúde dos moradores, iniciaram-se tratativas de acordo
entre Ministério Público, ............. e Prefeitura Municipal de .............
com vistas à realização de uma avaliação clínica da saúde dos moradores do
bairro contaminado para fins de investigação da possibilidade de intoxicação
humana pelos contaminantes lá existentes.
As negociações tendentes à celebração de um TAC (Termo de Ajustamento de
Conduta) Procedimental não frutificaram, vez que a empresa requerida não se
manifestou conclusivamente sobre aceitação ou recusa da contratação da
mencionada perícia, segundo a metodologia e parâmetros exigidos pelo Ministério
Público, o que motivou a Municipalidade local, segundo os mesmos parâmetros e
metodologia discutidos ao longo de inúmeras reuniões técnicas anteriormente
realizadas com a requerida, a realizar referida avaliação com base em exames
contratados de diversos laboratórios, dentre os quais figura o CEATOX (Centro de
Assistência Toxicológica) da UNESP, nos termos do Contrato Administrativo
encartado às fls. ..............., do Inquérito Civil nº ...........
A avaliação da saúde dos moradores foi aferida pela Municipalidade com base na
realização de anamnese, questionário específico de sintomas relacionados à
exposição a produtos químicos, exame físico, exames complementares (dentre os
quais figuram ultra-som hepático e da tireóide, eletroencefalograma,
eletroneuromiografia, prova de função pulmonar, etc) e exames específicos
toxicológicos (dosagem sérica de organoclorados e metais pesados).
Com isso, sobrevieram os resultados preliminares da avaliação realizada pela
equipe técnica da Vigilância Sanitária do Município de ............. e outros
profissionais contratados especificamente para esta finalidade, ou seja, o "1º
Relatório da Avaliação do Impacto na Saúde dos Moradores do .............,
referente a Contaminação Ambiental do Antigo Site da ............. - Química,
Município de ............. - ....... - .........", encartado às fls.
............., onde sua leitura demonstra a ocorrência de graves danos à saúde
dos moradores daquele bairro em razão de intoxicação crônica verificada, bem
como se aponta à necessidade de remoção das pessoas lá residentes.
Ressalte-se que, como o próprio nome sugere, trata-se do primeiro relatório
clínico efetuado pelos técnicos responsáveis, estando em fase de conclusão o
relatório final.
Necessário, ainda, esclarecer, que após a assunção da responsabilidade em
avaliar as condições de saúde da população do "............." pela
Municipalidade, fato este que não foi assumido como compromisso formal nos autos
do Inquérito Civil, a investigada, ora requerida, pretendeu, como de fato fez,
contratar uma outra avaliação de saúde dos moradores, razão porque, atualmente,
existem dois laudos. As conclusões verificadas em ambos os laudos periciais são
diversas. Sem prejuízo, urge a afirmativa de que as pessoas avaliadas pela
equipe contratada pela requerida não foram, necessariamente, as mesmas avaliadas
pela equipe contratada pelo Município de ............., razão porque, não se
trata, obrigatoriamente, de laudos periciais conflitantes e incompatíveis entre
si, no tocante à existência ou não de intoxicação humana.
E, juridicamente argumentando-se, tem-se a existência de um laudo confeccionado
por um Órgão Público de Vigilância Sanitária, embasado em ados de exames
realizados pelo Centro de Assistência Toxicológica de uma Universidade Pública,
qual seja a UNESP, e que não foram partes no Inquérito Civil (melhor
esclarecendo, jamais figuraram como investigados), e de outro lado um laudo
pericial
confeccionado sob contratação da própria investigada, que se recusou à
assinatura de um ajustamento de conduta procedimental tendente, justamente, à
contratação de avaliação de saúde dos moradores, segundo a metodologia e
critérios já discutidos entre ela, investigada, Ministério Público e
Municipalidade local.
A prova da ocorrência de danos à saúde da população é inequívoca.
Pela leitura do "1º Relatório da Avaliação do Impacto na Saúde dos Moradores do
............., referente a Contaminação Ambiental do Antigo Site da
............. - Química, Município de ............. - ....... - .......",
encartado às fls. ............, qual seja o primeiro relatório elaborado pelas
equipes técnicas devidamente contratadas pelo Município de .............,
mormente em suas conclusões lançadas às fls. ............, tem-se que:
"- 53% da população analisada, ou seja, 88 pessoas, já tem quadro confirmado de
intoxicação crônica a organoclorados e/ou metais pesados, sendo que, dessas 88
pessoas, apenas 7% tem exposição ocupacional a produtos químicos;
- 12% da população analisada, ou seja, 20 pessoas, não se
- enquadraram no diagnóstico de intoxicação crônica, até o presente momento;
- 35% da população analisada, ou seja, 58 pessoas estão com o quadro sugestivo
de intoxicação crônica, a ser averiguado com outros exames complementares como:
avaliação neurocomportamental, biópsia de tecido gorduroso, etc.
- 56% das crianças com idade até 15 anos, ou seja, 27 crianças já tem quadro
confirmado de intoxicação crônica a organoclorados e/ou metais pesados.
Nexo de causalidade
Em matéria de dano ambiental, ao adotar o regime da responsabilidade civil
objetiva, a Lei 6.938/81 afasta a investigação e a discussão da culpa, mas não
prescinde do nexo causal, vale dizer, da relação de causa e efeito entre a
atividade do agente e o dano dela advindo. Analisa-se a atividade do agente,
indagando se o dano foi causado em razão dela, para se concluir que o risco
oriundo dessa atividade é suficiente para estabelecer o dever de reparar o
prejuízo. Em outro modo de dizer, basta que se demonstre a existência do dano
para cujo desenlace o risco da atividade influenciou decisivamente.
Não é tarefa fácil, no entanto, em sede de dano ambiental, a determinação segura
do nexo causal, já que os fatos da poluição, pela sua complexidade, permanecem
muitas vezes camuflados não só pelo anonimato, como pela multiplicidade de
causas, das fontes e de comportamentos, seja pelo seu tardio desenlace, seja
pelas dificuldades técnicas e financeiras de sua aferição, seja, enfim, pela
longa distância entre a fonte emissora e o resultado lesivo, além de tantas
outras mais.
Essa complexidade, no entanto, como bem observa Antonio Herman V. Benjamim, não
torna menor para o poluidor o dever de reparar os danos causados. "A
exclusividade, a linearidade, a proximidade temporal ou física, o conserto
prévio, a unicidade de condutas e de resultados, nada disso é pressuposto para o
reconhecimento do nexo causal no sistema especial da danosidade contra o meio
ambiente". Nessa linha, e buscando a eficácia possível nas ações reparatórias,
tem nossa jurisprudência reconhecido o dever de indenizar, mesmo quando haja
concausa não atribuível, em tese, ao agente que deva arcar com a
responsabilidade de indenizar.
Daí sustentar-se, com boa dose de razão, que, sem abdicar do liame de
causalidade, não surpreenderá que o caminho a prosseguir conduza e justifique a
instituição de um sistema assentado na inversão do ônus da prova, à semelhança
do que já ocorre entre nós, em tema de relações de consumo.
Sem dúvida, como bem pondera Morato Leite, "a maior guinada que oportuniza a
discussão do liame de causalidade seria a inversão do ônus da prova, que parece
bastante apropriada ao dano ambiental, pois transfere-se ao demandado a
necessidade de provar que este não tem nenhuma ligação com o dano, favorecendo,
em última análise, toda a coletividade, considerando que o bem ambiental
pertence a todos". Esse o repto que urge ser enfrentado pelo nosso legislador,
certo que "em todos os casos duvidosos, que são mais numerosos do que se pensa,
sucumbe a parte a quem toca a obrigação de provar".
Não bastassem todas as análises e perícias realizadas até o presente momento com
vistas à correta mensuração do dano causado pela fabricação de pesticidas pela
requerida, tanto no tocante ao meio ambiente natural, como no tocante à saúde da
população (caso em vértice), atente-se ao fato de que o próprio relatório de
auditoria ambiental que instruiu a auto-denúncia realizada ao Ministério Público
menciona que antes da aquisição da propriedade pela empresa ............., o
local sediava uma fazenda onde ocorriam atividades agrícolas, obviamente não
aptas a gerar tamanha contaminação no lençol freático e solo de toda a região
por organoclorados e metais pesados.
Desta forma, embora a requerida negue a manipulação, utilização de
matérias-primas, e qualquer forma de manuseio de algumas substâncias que estão,
desde a instauração do Inquérito Civil nº ............., contaminando o solo e
lençol freático da região do bairro ".............", bem como intoxicando a
população lá residente, é inequívoca a responsabilidade da requerida pelo dano
ambiental causado.
Por fim, desnecessário esclarecer que até a realização da autodenúncia no ano de
1994 pela requerida, o ............. (Centro Industrial .............
.............) jamais esteve sob o comando ou administração de outra empresa,
razão porque se conclui que todos os produtos mencionados nos relatórios de
auditoria ambiental que instruíram a auto-denúncia retratam como ocorria a
atividade industrial da requerida. Isto porque, a existência de xilol,
etilbenzeno, BHC e isômeros, bem como os organoclorados da família dos drins e
demais substâncias químicas lá mencionadas não ocorre no solo e lençol freático
por geração espontânea da natureza, sendo necessária sua colocação ou despejo no
local da ocorrência.
DO DIREITO
Nos termos do artigo 5o, da Lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), verifica-se
que:
"Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério
Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas
por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por
associação que:
I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil
§ 4º. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando
haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do
dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.".
Sem prejuízo, prescreve o artigo 25, da Lei Federal n° 8625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público):
"Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na
Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente,
ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos ou
individuais indisponíveis e homogêneos; ..."
Desta feita, inequívoca se torna a legitimidade ativa do Ministério Público
Paulista, do Município de ............. e da Sociedade dos Amigos e Moradores do
Bairro ............. de ............. à propositura da presente demanda, no
intuito de promover judicialmente a defesa do direito objetivo que a população
do bairro contaminado viu lesado pelas atividades industriais da requerida
..............
E, quanto ao direito lesado, tem-se que segundo o artigo 225, § 3º, da
Constituição da República Federativa do Brasil:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente das obrigações de reparar os danos causados.".
Em contrapartida, a Lei Federal nº 6938/81 (Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente), em seu artigo 3º estabelece os conceitos utilizados na seara do
Direito Ambiental Brasileiro, de modo a disciplinar que:
"Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas;
II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características
do meio ambiente;
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que
direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos.
IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental; ...".
O mesmo Diploma supra mencionado, em seu artigo 4º, inciso VII, estabelece que:
"Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de reparar o dano
e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização
de recursos ambientais com fins econômicos.".
O Código de Saúde do Estado de São Paulo, Lei Complementar nº 791, de 09 de
março de 1995, dispõe:
"Art. 2º. A saúde é uma das condições essenciais da liberdade individual e da
igualdade de todos perante a lei.
§ 1º. O direito à saúde é inerente à pessoa humana, constituindo-se em direito
público subjetivo.
§ 2º. O dever do Poder Público de prover as condições e as garantias para o
exercício do direito individual à saúde não exclui o das pessoas, da família,
das empresas e da sociedade.
Art. 3º. O estado de saúde, expresso em qualidade de vida, pressupõe:
I - condições dignas de trabalho, de renda, de alimentação e nutrição, de
educação, de moradia, de saneamento, de transporte e de lazer, assim como o
acesso a esses bens e serviços essenciais; ...". (grifos nossos)
E, a interpretar referida legislação de forma sistemática e segundo os
Princípios de Direito Ambiental adotados pela República Federativa do Brasil,
passo à transcrição parcial da abalizada doutrina de Álvaro Luiz Valery Mirra,
extraída da obra "Revista de Direito Ambiental", editora Revista dos Tribunais,
volume 2, abril-junho 1996, páginas 50 e seguintes, onde aprendemos que:
" 1.1 A relevância dos princípios
Não são poucos os autores que têm se dedicado ao estudo dos princípios como tema
fundamental para a compreensão de qualquer ramo do Direito, de forma ampla e
global.
Em termos genéricos, pode-se dizer com Carlos Ari Sunfeld, que os princípios
constituem as idéias centrais de um determinado sistema jurídico. São eles que
dão ao sistema jurídico um sentido lógico, harmônico, racional e coerente.
Princípio, como esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello, é o mandamento
nuclear de um determinado sistema; é o alicerce do sistema jurídico; é aquela
disposição fundamental que influencia e repercute sobre todas as demais normas
do sistema.
Por isso costuma-se afirmar que conhecer os princípios do Direito é condição
essencial para aplicá-lo corretamente.
A análise dos princípios fundamentais de qualquer sistema jurídico, de qualquer
ramo do Direito, tem, portanto, acima de tudo indiscutível relevância prática:
permitir a visualização global do sistema para melhor aplicação concreta de suas
normas.
De fato, os princípios prestam importante auxílio no conhecimento do sistema
jurídico, no sentido de uma melhor identificação da coerência e unidade que
fazem de um corpo normativo qualquer um verdadeiro sistema lógico e racional.".
Ultrapassada a fase das noções gerais da importância dos princípios do Direito
Ambiental, passemos à sua análise detalhada.
Segundo a mesma obra mencionada, às fls. 59, tem-se que:
"Princípio da função social e ambiental da propriedade"
A função social da propriedade foi reconhecida expressamente pela Constituição
de 1988, nos arts. 5º, inc. XXIII, 170, inc. III e 186, inc. II.
Quando se diz que a propriedade privada tem uma função social, na verdade está
se afirmando que ao proprietário se impõe o dever de exercer o seu direito de
propriedade, não mais unicamente em seu próprio e exclusivo interesse, mas em
benefício da coletividade, sendo precisamente o cumprimento da função social que
legitima o exercício do direito da propriedade pelo seu titular.
No plano jurídico, como analisa Eros Roberto Grau, a admissão do princípio da
função (e ambiental) da propriedade tem como conseqüência básica fazer com que a
propriedade seja efetivamente exercida para beneficiar a coletividade e o meio
ambiente (aspecto positivo), não bastando apenas que não seja exercida em
prejuízo de terceiros ou da qualidade ambiental (aspecto negativo).
Por outras palavras, a função social e ambiental não constitui simples limite ao
exercício do direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio
da qual se permite ao proprietário, no exercício do seu direito, fazer tudo o
que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função
social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário
comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua
propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.
Princípio da prevenção de danos e degradações ambientais
Esse princípio decorre da constatação de que as agressões ao meio ambiente são,
em regra, de difícil ou impossível reparação. Ou seja: uma vez consumada uma
degradação ao meio ambiente, a sua reparação é sempre incerta e, quando
possível, excessivamente custosa. Daí a necessidade de atuação preventiva para
que se consiga evitar os danos ambientais.
Além disso, corresponde também àquela exigência referida anteriormente, de que
as gerações atuais transmitam o "patrimônio ambiental" às gerações que nos
sucederem, objetivo intangível sem uma maior preocupação com a prevenção.
E a tal ponto a idéia de prevenção se tornou importante que a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de
Janeiro, em 1992, adotou, em sua Declaração de Princípios, o denominado
princípio da precaução.
De acordo com esse princípio, sempre que houver perigo de ocorrência de um dano
grave e irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser
utilizada como razão para adiar a adoção de medidas eficazes para impedir a
degradação do meio ambiente, sobretudo em função dos custos dessas medidas
Segundo Edis Milaré, em sua obra "Direito do Ambiente", editora Revista dos
Tribunais, 2º edição, 2001, páginas 116/117, ensina que:
" 3.6 Princípio do poluidor-pagador (polluter pays principle)
Assenta-se este princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se
inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o
processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) devem ser
internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao
elaborar os custos da produção e, conseqüentemente, assumi-los. Este princípio -
escreve Prieur - visa a imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele
gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico
abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre
toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos.
Ou, como averba Cristiane Derani, "durante o processo produtivo, além do produto
a ser comercializado, são produzidas "externalidades negativas". São chamadas
externalidades porque, embora resultantes da produção, são recebidas pela
coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí
a expressão "privatização de lucros e socialização de perdas", quando
identificadas as externalidades negativas. Com a aplicação do princípio do
poluidor-pagador, procura-se corrigir este custo adicionado à sociedade,
impondo-se sua internalização. Por isto, este princípio é também conhecido como
o princípio da responsabilidade".
O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem
se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o
dano ao ambiente. Nesta linha, o pagamento pelo lançamento de efluentes, por
exemplo, não alforria condutas inconseqüentes, de modo a ensejar o descarte de
resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A cobrança só pode ser
efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, pena de se admitir o direito de
poluir. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não
pagador-poluidor (pagou, então pode poluir). A colocação gramatical não deixa
margem a equívocos ou ambigüidades na interpretação do princípio.
A Declaração do Rio, de 1992, agasalhou a matéria em seu Princípio 16, dispondo
que "as autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos
custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em conta o critério
de que o que contamina deveria, em princípio, arcar com os custos da
contaminação, tendo devidamente em conta o interesse público e sem distorcer o
comércio nem as inversões internacionais".
Entre nós, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, acolheu o
princípio do "poluidor-pagador", estabelecendo, como um de seus fins, "a
imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar
os danos causados". Em reforço a isso assentou a Constituição Federal que "as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados".
Como se vê, nossa legislação, no que tange a esse princípio, foi mais
abrangente, vez que nas formulações de Prieur, por exemplo, não estão
contemplados os mecanismos de repressão penal e administrativa.
Desta feita, toda a legislação pátria, bem como sua melhor interpretação
doutrinária, apontam com clareza à obrigatoriedade da requerida quanto à
responsabilização pelos danos causados à saúde da população do bairro
............., de ..............
Isto porque, a lesão ao direito fundamental à saúde que a população possui
adveio, basicamente, da infringência à aplicação correta dos princípios supra
transcritos, quais sejam eles o da função social da propriedade, o da precaução
ou prevenção e o do poluidor-pagador.
E, por fim, com o intuito de ressaltar a validade jurídica do laudo pericial
encartado aos autos de forma a comprovar o dano à saúde dos moradores e firmado
pelo CEATOX e Vigilância Sanitária Municipal de ............., passo a
transcrever valorosa lição de Odete Medauar, em sua obra "Direito Administrativo
Moderno", 3º edição, editora Revista dos Tribunais, página 234, no sentido de
que:
"11.3.2 Contrato de serviços
Segundo o art. 6º., inc. II, serviço é toda atividade destinada a obter
determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição,
conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação,
transporte, manutenção, locação de bens, publicidade, seguro, trabalhos
técnico-profissionais.
A doutrina pátria em geral distingue os serviços em: a) comuns ...; b)
técnico-profissionais, que exigem habilitação específica, ...; c)
técnico-profissionais especializados, que implicam execução por profissionais
habilitados e de notória especialização. O art. 13 da Lei 8.666/93 elenca, de
modo taxativo, tais serviços: I - estudos técnicos, planejamentos e projetos
básicos e executivos; II - pareceres, perícias e avaliações em geral; ...".
(grifo nosso)
E, no momento em que o Município de ............. celebrou contrato
administrativo com o Centro de Assistência Toxicológica da UNESP - Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, cujo objeto era, justamente, a
análise sangüínea de produtos tóxicos, como parte integrante da avaliação
clínica da saúde dos moradores do bairro contaminado, nada mais fez do que
assumir sua missão constitucional pragmática de patrocinar a saúde pública, como
previsto no artigo 196, da Carta Magna.
Desta feita, não somente pela nobreza do ato de assunção deste compromisso
social, mas principalmente pelo fato de que o CEATOX e a Vigilância Sanitária
Municipal são órgãos públicos e, portanto, acobertados seus atos pelo atributo
da fé pública, inerente a todos os atos e contratos administrativos, têm-se por
válidas as assertivas lá lançadas de forma a servirem de suporte à presente
demanda.
Segundo prescrição ao artigo 273, do Código de Processo Civil, tem-se:
"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - ...".
Desta feita, considerando-se a aplicação plena do princípio da precaução, a
existência de provas inequívocas de que existe contaminação da população do
bairro em questão por decorrência da atividade industrial realizada pela
requerida durante as décadas mencionadas, com a fabricação de pesticidas, e a
potencialidade de dano irreparável à saúde de toda a população do bairro pela
exposição crônica aos produtos tóxicos, urge a privação da população do bairro
"............." das fontes de exposição aos contaminantes, independentemente da
condição de proprietários ou moradores do local, como, por exemplo, os caseiros
lá residentes.
Desnecessário esclarecer que para que o tratamento médico que cada intoxicado
venha a necessitar, necessária será a retirada da população do bairro
contaminado. Isto porque, àqueles já intoxicados, será eliminada a fonte de
exposição, e àqueles supostamente não intoxicados até o momento, será eliminada
a potencialidade de intoxicação pela exposição continuada aos contaminantes.
Assim, requer-se a concessão de ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL para fins de
se determinar à requerida:
1. patrocinar, no prazo máximo de trinta dias contados da concessão da medida
ora postulada, a remoção dos moradores do bairro denominado ".............",
providenciando acomodações adequadas e dignas que deverão se consubstanciar na
locação de imóveis residenciais e/ou locação de apartamentos em hotéis, na
cidade de ............., nunca de padrão inferior ao padrão habitacional do
morador, guardada a possibilidade de escolha do morador entre imóvel ou hotel, e
pelo prazo necessário à conclusão dos tratamentos clínicos a serem recomendados
pela Vigilância Sanitária do Município de ............. e também enquanto não
eliminadas as fontes de exposição aos produtos tóxicos provocadores da
intoxicação verificada, no Bairro ".............";
2. patrocinar a realização de todos os exames futuros para diagnóstico,
acompanhamento clínico e prognóstico das pessoas avaliadas pelo Município, assim
entendidos os exames necessários determinados pela equipe médica da Vigilância
Sanitária Municipal, relacionados à exposição crônica a produtos químicos, assim
como todos os exames necessários para diagnósticos diferenciais;
3. patrocinar, desde logo, o tratamento médico necessário às pessoas
intoxicadas, assim entendidas aquelas especificadas pela equipe médica da
Vigilância Sanitária do Município de ............., cujas prescrições serão
oferecidas em caráter sigiloso pela Municipalidade a Vossa Excelência, nos
presentes autos, bem como à requerida, para que o tratamento tenha início.
DOS PEDIDOS
Desta feita, demonstrados os fatos, o dano e o nexo causal que une a atividade
industrial da empresa ............. à intoxicação sofrida pela população do
bairro ".............", requer-se a TOTAL PROCEDÊNCIA da presente para os fins
de se condenar a empresa ............. à obrigação de fazer consubstanciada em
patrocinar o tratamento de saúde que cada morador intoxicado venha a necessitar
até que receba alta médica, bem como à obrigação de fazer consubstanciada em
privar toda a população do bairro "............." das fontes de exposição aos
contaminantes até a obtenção de alta médica.
Assim, requer-se:
1. seja fixado o valor de R$ ............ por dia, em caráter de "astreintes", a
serem oportunamente cobrados, em casos de descumprimento injustificado das
determinações constantes da antecipação da tutela, como previsto no artigo 11,
da Lei Federal nº 7347/85;
2. seja a requerida citada por carta precatória a ser expedida ao Juízo de sua
sede no Brasil, concedendo-se ao Sr. Oficial de Justiça responsável pela
diligência o elastério temporal de que trata o artigo 172, do Código de Processo
Civil;
3. sejam determinadas diligências tendentes à verificação do cumprimento das
liminares concedidas para a antecipação da tutela;
4. a produção de todas as provas admitidas pela legislação pátria, dentre as
quais se destacam a prova pericial, prova documental, eventualmente prova
testemunhal e todas aquelas não proscritas pela lei processual;
5. seja dispensado o requisito de pré-constituição da associação co-autora, ao
teor do estabelecido pelo artigo 5º, § 4º, da Lei 7347/85, ante à relevância do
direito ora postulado.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]