Ação civil pública ambiental para impedir a formação de loteamento em área de preservação permanente.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ............, por seus Promotores de Justiça
que a esta subscrevem, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com
base nos artigos 129, III, 225 da Constituição da República e art. 5º da Lei n°.
7347/85, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ..... e ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º
....., residente e domiciliado (a) na Rua ....., n.º ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
DOS FATOS
O problema, contundente sob o prisma urbanístico e, por via de conseqüência,
terrível sob o ponto de vista dos potenciais consumidores de lotes, é simples e
claro: o loteador pediu, e a Prefeitura Municipal mais todos os demais órgãos
licenciadores do âmbito Estadual (GRAPROHAB, DEPRN, CETESB, Secretaria Estadual
do Meio Ambiente, entre outros) aprovaram o Loteamento ......... DENTRO DE ÁREA
DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, o qual, como sói acontecer, foi registrado, já está
sendo executado através de danoso aterramento a áreas de preservação permanente
e a leito de rio, seguido da venda dos lotes.
Chocante, não?
Ora, poder-se-ia perguntar neste ponto: qual a razão para tamanho sobressalto?
As razões são claras por demais.
DO DIREITO
Conceito de Meio Ambiente
O meio ambiente é conceituado como "a interação do conjunto de elementos
naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da
vida em todas as suas formas" ·[1].
O objeto maior da tutela do direito ambiental, como um todo, é a tutela da vida
saudável, compreendendo os seguintes aspectos:
a.) meio ambiente artificial: constituído pelo espaço urbano construído fechado
(conjunto de edificações) e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto);
b.) meio ambiente cultural: patrimônio histórico, artístico, arqueológico,
paisagístico, turístico. (Os bens que compõe o patrimônio cultural traduzem a
história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos
identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental da
República Federativa do Brasil);
c.) meio ambiente natural: o solo, o ar, a água, a flora, ou seja, a interação
dos seres vivos e seu meio (homeostase);
d.) meio ambiente do trabalho: o local onde as pessoas desempenham suas
atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na
salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade
físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem;
Isto não significa, porém, que foram estabelecidas divisões estanques, já que a
efetiva tutela da vida depende do conceito unitário do meio ambiente, porquanto
regido por inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que compõem a Política
Nacional do Meio Ambiente.
Dos princípios ambientais como forma de integração de toda a legislação
ambiental
A efetiva tutela do meio ambiente depende da compreensão integral e sistemática
das normas que regem todo o sistema jurídico-ambiental brasileiro, as quais se
encontram dispersas em inúmeros atos legislativos, mas que devem ser integradas
por meio dos princípios que regem a matéria.
De fato, o princípio é o mandamento nuclear e alicerce de um sistema jurídico,
disposição fundamental que influencia e repercute sobre todas as demais normas
jurídicas que regulam situações específicas.
A Constituição Federal previu uma série de princípios de direito ambiental,
dentre os quais, de especial interesse para a questão jurídica veiculada nesta
ação aquele que determina o desenvolvimento sustentável; a proteção dos
ecossistemas e das áreas especialmente protegidas, bem como recuperação das
áreas já degradadas, estritamente ligado ao princípio da prevenção. Ainda, o
princípio da função sócio-ambiental da propriedade.
Princípio do Desenvolvimento Sustentável
Pelo princípio do desenvolvimento sustentável reconhece-se que os recursos
ambientais não são inesgotáveis, de forma que as atividades econômicas devem se
desenvolver de forma planejada, a fim de que não se esgotem ou tornem-se inócuos
os recursos que temos hoje à nossa disposição.
A preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo
que aquela não acarrete a anulação deste.
Como estabelecido pelo Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro /92, "os
seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em
harmonia com a natureza".
Como alerta Paulo Affonso Leme Machado, na obra "Direito Ambiental Brasileiro",
Malheiros Editora, 9a. edição, p. 44:
"O homem não é a única preocupação do desenvolvimento sustentável. A preocupação
com a natureza deve também integrar o desenvolvimento sustentável. Nem sempre o
homem há de ocupar o centro da política ambiental, ainda que comumente ele
busque um lugar prioritário. Haverá casos em que para se conservar a vida humana
ou para colocar em prática a 'harmonia com a natureza' será preciso conservar a
vida dos animais e das plantas em áreas declaradas inacessíveis ao próprio
homem."
Princípio da proteção dos ecossistemas com preservação de áreas representativas
e ameaçadas de degradação.
Os organismos vivos e o meio ambiente estão inseparavelmente inter-relacionados
e interagem entre si.
Os ecossistemas são qualquer unidade (biossistema) que abranja todos os
organismos que funcionam em conjunto (a comunidade biótica) numa dada área,
interagindo com o ambiente físico de tal forma que um fluxo de energia produza
estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de matérias entre as
partes vivas e não-vivas. O ecossistema é a unidade funcional básica na
ecologia, pois inclui tanto os organismos quanto o ambiente abiótico; cada um
destes fatores influencia as propriedades do outro e cada um é necessário para a
manutenção da vida na Terra. [1][2]
Como os componentes dos ecossistemas mantém intrincadas relações entre si, o
homem deve limitar sua intervenção no meio ambiente e utilização dos recursos
naturais de forma a preservar os recursos naturais de acordo com a dinâmica de
cada ecossistema.
Princípio da função sócio ambiental da propriedade
Nas exatas palavras de FERNANDO CÉLIO DE BRITO NOGUEIRA, insigne Promotor de
Justiça de Barretos-SP, "não podemos nos esquecer de que o direito de
propriedade preconizado no artigo 5º da Constituição da República há de ser
exercido dentro de limites, limites determinados, atendida a função social.
Fala-se, até, mais modernamente, noutra função da propriedade: a função
ambiental. Dessa função, existente de há muito e só agora expressamente
reconhecida e anunciada, decorre para o detentor do direito de propriedade a
obrigação de fazer com que seu domínio não se converta em fonte geradora de
poluição de nenhuma espécie" (Revista APMP, de junho de 1997, pág. 28).
Oportuna também a preleção de ANTÔNIO SILVEIRA RIBEIRO DOS SANTOS, ilustre
magistrado paulista, que conclui seu artigo publicado no jornal Notícias
Forenses de junho de 1997 (página 9) afirmando que, "atualmente o direito de
propriedade não é absoluto, devendo assim o proprietário utilizar sua
propriedade de forma a atender os fins sociais, não prejudicando terceiros, bem
como não produzindo nenhuma ação poluidora que afete seu vizinho ou a
coletividade, uma vez que o direito a um ambiente sadio é previsto
constitucionalmente, reconhecendo-se uma nova função da propriedade: a
ambiental".
A aprovação do loteamento Chácara............, como se verá, desrespeitou todos
estes princípios, até porque os que manejaram as normas ambientais, quando do
licenciamento do empreendimento, deixaram de verificar os ditames
constitucionais pertinentes à espécie.
Nas palavras de Nelson Nery Júnior:
"O intérprete deve buscar a aplicação do direito ao caso concreto, sempre tendo
como pressuposto o exame da Constituição Federal. Depois, sim, deve ser
consultada a legislação infraconstitucional a respeito do tema". [2][3]
No caso concreto, porém, a implantação de loteamento em área de preservação
permanente não está em consonância com estes princípios constitucionais, por
ferir o princípio da função social da propriedade, o da preservação dos
ecossistemas e o do desenvolvimento sustentável, inviabiliza a preservação do
meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Esta aprovação lesiva ao meio ambiente, no caso, ocorreu por desrespeito às
regras da boa hermenêutica, já que a validade da norma infraconstitucional que
disciplina o zoneamento urbano da cidade não foi verificada em face dos
princípios inseridos no contexto das garantias fundamentais relativas ao meio
ambiente tal como previstos na Carta Magna, que ocupa o mais alto degrau
hierárquico das normas jurídicas.
"...a norma constitucional é autolegitimante, ou seja, colocando-se no vértice
superior da pirâmide, é o pólo irradiador de legitimação no interior do sistema
jurídico. Se serve de anteparo para as normas infra-ordenadas, não tem assento
em qualquer disposição normativa, pois sobre si nada encontra. Bem por isso, as
normas constitucionais são dotadas de valor jurídico superlativo, quer para
fixar as fronteiras da capacidade dispositiva das normas infraconstitucionais,
quer para indicar, em certa medida, o conteúdo concreto de parte delas". [3][4]
O meio ambiente natural e urbano e a Constituição Federal
A Constituição Federal de 1988 elegeu o princípio democrático como princípio
estruturante fundamental, na perspectiva do resgate da dignidade e cidadania dos
estrangeiros e brasileiros residentes no país.
O regime democrático delineado na Constituição apresenta-se como um projeto que,
a partir do desenvolvimento econômico, visa erradicar a pobreza e a
marginalização e a reduzir as desigualdades sociais e regionais, para
transformar a República brasileira numa sociedade livre, justa e solidária,
promotora do bem de todos.
Destaque-se, em primeiro lugar, que esse projeto constitucional é informado pelo
princípio da supremacia do interesse público. Tal projeto subordina a livre
iniciativa e a propriedade privada aos interesses sociais ao determinar que, na
construção da sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento econômico
deve estar necessariamente voltado para a erradicação da pobreza e da
marginalização, para a redução das desigualdades sociais e regionais e para a
promoção do bem comum.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é a base física desse modelo de
sociedade, pois foi constitucionalmente consagrado como bem de uso comum de
todos, direito fundamental, princípio-base da ordem econômica, requisito
essencial para a caracterização da função social da propriedade rural e
necessário à sadia qualidade de vida.
A sadia qualidade de vida, que pressupõe o respeito ao direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, compõe a dignidade da existência e o bem estar de
todos.
De fato, diz a Constituição da República:
Art. 1°: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
III. a dignidade da pessoa humana;
(...)
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II- garantir o desenvolvimento nacional;
III- erradicar a pobreza e a marginalização;
IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
VI - defesa do meio ambiente;
(...)
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente;
(...)
Art. 193. a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais.
(...)
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo
prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais à crueldade;
§3º: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
A legislação infraconstitucional e a proteção ao meio ambiente natural e urbano
A legislação urbanística vigente (Lei 6.766/79, que é lei federal de âmbito
nacional) proíbe veementemente a construção de loteamento urbano em determinados
locais, visando exatamente à sustentabilidade do desenvolvimento urbano frente
às capacidades ambientais e urbanísticas.
Assim, e já nos idos de 1.979, foi necessário estatuir.
Já naquela época o adensamento populacional nas áreas urbanas pressionava todos
os espaços livres dos municípios. A pressão era tão grande que áreas ambiental e
ecologicamente frágeis passaram a servir, também, de sustentáculo a núcleos
populacionais emergentes, que por ali se espraiavam em razão da crescente
escassez de espaços adequados à moradia.
Já naquela época, ainda, houve a triste constatação de que tais áreas
ecologicamente frágeis não comportavam núcleos populacionais.
Dentre as áreas frágeis, destacavam-se as ribeirinhas.
Contínuo e empiricamente verificado assoreamento e poluição dos rios, com
destruição das delicadas fauna e flora ribeirinhas, tornaram imprescindível a
edição de legislação protetiva. Legislação que protegesse de forma eficaz áreas
cuja preservação é essencial, e que devem sempre, e sempre, permanecer
incólumes.
As áreas de preservação permanente cumprem a função ecológica de proteção das
águas, do solo, da fauna, da flora, e, por isso, não podem ser exploradas.
A exploração dessas áreas contribui decisivamente para a diminuição da
diversidade da flora e da fauna, para a redução dos mananciais, propiciando,
ademais, a erosão, o assoreamento dos cursos d'água, a alteração negativa das
condições climáticas e do regime de chuvas, dentre outras formas de degradação
ambiental.
Segundo ANTONIA PEREIRA DE ÁVILA VIO,
"A mata ciliar ocorre nas porções de terreno que incluem tanto a ribanceira de
um rio ou córrego, de um lago ou reservatório, como também nas superfícies de
inundação, chegando até as margens do corpo d'água. Temos um grande gradiente em
umidade de solo, em função do declive, e que geralmente define a tipologia
vegetal.
A mata ciliar entre outras desempenha sua função hidrológica através das formas
abaixo relacionadas:
Estabilização das ribanceiras do rio através da manutenção do emaranhado de
raízes;
Tampão e filtro, entre os terrenos mais altos e o ecossistema aquático;
Impede ou dificulta o carregamento de sedimentos para o sistema aquático,
evitando o assoreamento das bacias hidrográficas;
Proporciona cobertura e alimentação para peixes e outros componentes da fauna
aquática;
Mantém a estabilidade térmica dos pequenos cursos d'água, interceptando e
absorvendo a radiação solar."
Em razão disso, o artigo 4º da Lei 6.766/79 dispõe que os loteamentos deverão
atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: "inciso III- ao longo das águas
correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e
dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa 'non aedificandi' de 15 (quinze)
metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica".
DIÓGENES GASPARINI, em seu "O Município e o Parcelamento do Solo", Ed. Saraiva,
2ª Ed., 1.988, pag. 38 e 39, diz que "Esse dispositivo, ao estabelecer a largura
ou profundidade mínima dessas marginais, ressalva a exigência de faixas mais
largas ou mais profundas impostas por lei específica. Com a natureza de lei
específica podemos, para exemplificar, indicar o Código Florestal (lei federal
nº 4771/65). O disposto neste Código, no que se refere a essas faixas, é de
observação obrigatória.
Essas faixas variam com a largura das correntes hídricas e só devem ser
observadas se exigidas com mais de quinze metros de largura. (...) Assim, a lei
federal, estadual ou municipal que estatuísse faixas menores ou para fim diverso
do non aedificandi restou, com o advento da Lei de Parcelamento do Solo Urbano,
ineficaz."
Outrossim, sobre área non aedificandi nada se constrói. Tais áreas têm de
permanecer completamente livres de interferências humanas, pela fragilidade de
seus sistemas. O mesmo GASPARINI, op. cit., pag. 39, diz que "nessas faixas é
vedada qualquer edificação. Sua utilização é proibida. Em seu interior são
vedadas quaisquer obras (ruas, prédios), ou o uso (implantação de sistemas de
lazer). Nem mesmo o plantio é permitido. São faixas que devem permanecer livres.
É o que ocorre com as que ladeiam os rios, pois a vegetação existente em seu
interior é de preservação permanente, conforme preceitua o Código Florestal."
Hoje, a faixa de preservação permanente (e, pois, non aedificandi) ao longo do
rio Paraíba do Sul é de 100 metros, por determinação do mesmo Código Florestal.
O conceito de área de preservação permanente nos é dado pela Medida Provisória
nº 1956-55, de 19/10/00, que altera diversos artigos do Código Florestal:
"Art. 1º...
§ 1º - ...
§ 2º - Para os efeitos deste Código, entende-se por:
I - ...
II - Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º
desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o
bem-estar das populações humanas;" (g.n.)
O conceito foi repetido pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/01, que se
transformou no Projeto de Lei de Conversão do Deputado MOACIR MICHELETTO, porém
com modificações:
"II- Área de Preservação Permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º
desta lei, com a função ambiental de proteger o solo, preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico
da fauna e da flora e assegurar o bem-estar das populações humanas."
Os cem metros são contados de acordo com a Resolução 04 CONAMA, ou seja, a
partir do leito maior sazonal do rio.
Nada obstante, pelos dados técnicos colhidos no curso deste procedimento, é que
chegamos à inexorável conclusão: o loteamento foi projetado e está sendo
executado por sobre o próprio leito maior sazonal do rio Paraíba do Sul, com
clara e extreme de dúvidas invasão e dano à área de preservação permanente, que
é non aedificandi pelos termos do art. 4º da Lei de Parcelamento do Solo Urbano.
Mas não é só.
Na própria lei de parcelamento do solo urbano existem outras normas, de
observância obrigatória por todos os entes cometidos de velar pelo meio ambiente
urbano, igualmente referentes à áreas ecologicamente frágeis.
Assim, o disposto no art. 3º, em especial o parágrafo único, ao estabelecer
vedações ao direito de parcelar.
Impossível o parcelamento do solo em terrenos alagadiços e sujeitos à
inundações, segundo o inciso I.
Ocorre que o leito maior sazonal do rio é, por definição técnica (vide laudo
pericial realizado pelo CAEX, fls.587, inserto em nosso inquérito civil, bem
como estudo do INPE (fls.602/629), terreno sujeito à inundações. É, como já
dissemos, o próprio leito do rio, cujo desenho é alargado pelo curso das águas
na época das maiores chuvas.
E, segundo o laudo, mesmo os terraços (superfícies em cotas altimétricas um
pouco superiores à várzea do rio) situados no empreendimento são sujeitos à
inundações periódicas.
Assim, praticamente todo o empreendimento está sujeito à inundações, subsistindo
as vedações ao direito de lotear.
Nem se diga que o inciso I estabelece vedação relativa, na medida em que torna
possível o empreendimento desde que antes sejam tomadas medidas adequadas para
assegurar o escoamento das águas.
A legislação ambiental específica, como já dissemos e pela própria estrutura da
lei urbanística, que faz expressa referência aos paradigmas ambientais, tem
prevalência no que diz respeito às áreas ambientalmente frágeis. E tal
legislação proíbe peremptoriamente o manejo, qualquer tipo de manejo, das áreas
de preservação permanente, em especial das áreas de várzea, que são o próprio
leito do rio.
Da necessária conjugação das leis, em sendo atualmente impossível a mudança
proposital do curso e feição do leito do rio, impossível também qualquer
providência tendente à "assegurar o escoamento das águas", pelo que a vedação do
inciso I tornou-se absoluta.
Existe, também em inciso do art. 3º, inciso IV, a vedação de lotear sobre áreas
geologicamente inadequadas a suportarem edificações.
E a área do empreendimento possui "recalques excessivos e diferenciais por
adensamento de argilas, localizadas no local em questão, em decorrência do
rebaixamento do nível freático por obras civis", tornando-a inadequada
geologicamente para suportar construções urbanas. Veja-se, novamente, laudo
pericial do CAEX.
Por fim, temos a proibição constante do inc. V do art. 3º da Lei 6.766/79,
vedando a realização de parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica,
ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua
correção.
Já ficou evidenciado, pela exposição acima, que o loteamento se situa sobre área
de preservação ecológica, mais especificamente, área de preservação permanente
constituída pela várzea do rio Paraíba do Sul, assim considerada pelo Código
Florestal, aonde nada se pode construir.
Não é só a lei de parcelamento que prevê impedimentos de manejo em áreas de
preservação permanente. Temos inúmeras outras leis, que zelam pelo meio ambiente
natural.
Destacamos, por relevante, o disposto no novo parágrafo único do art. 2º do
Código Florestal, incluído pela L. 7.803, de 18 de julho de 1.989, dispondo que
"nos casos de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros
urbanos definidas por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações
urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos
respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e
limites a que se refere este artigo".
Os limites já foram assinalados acima. Assim, para um curso d`água que tenha de
50 a 200 metros de largura, a área de preservação permanente é de 100 (cem)
metros, que começam a ser contados à partir do nível mais alto em faixa marginal
do rio (ou "leito maior sazonal"). Alínea "a", nº 3, do art. 2º do Código
Florestal.
DOS PEDIDOS
Ante todo o exposto, requer-se a concessão de liminar antes exposta. Pretende-se
impedir a formação de loteamento em área de preservação permanente mediante a
anulação do ato de aprovação e de todos os licenciamentos administrativos
inerentes ao ato, pedindo-se seja julgada PROCEDENTE a presente ação por ser de
JUSTIÇA!
Requer-se a citação dos réus, para querendo contestar a ação no prazo legal
Pugna pela produção de provas em direito admitidas.
Dá-se à causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]