Ação Civil Pública proveniente de crimes contra o meio ambiente.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ......., por intermédio da Promotora de
Justiça do Meio Ambiente, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência
propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Conforme consta do auto de infração anexo, nº.........., datado de ........, a
empresa requerida foi autuada por queimar palha de cana-de-açúcar ao ar livre,
em área da Fazenda ..........., situada na Rodovia .........., Município de
.........., causando inconvenientes ao bem estar público por emissões de fumaça
e fuligem.
É cediço que tal prática infringe os artigos 2º e 3º, inciso V e 26 do Decreto
nº 8468 combinado com o artigo 3º, incisos IV e IX do Decreto 45869/01 que
regulamenta a Lei nº 10547 de 2 de maio de 2000, bem como o artigo 5º do mesmo
diploma legal.
Do ponto de vista científico, não há mais dúvida quanto à degradação ambiental
provocada pela queima da palha da cana.
Estudos realizados pelo professor Volker Kirchhoff, do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE), demonstram, inequivocamente, que, na época das
queimadas, as concentrações de monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3) são bem
maiores, degradando a qualidade da atmosfera.
Não menos significativa a produção de partículas visíveis (conhecidas
vulgarmente por carvãozinho), que, além de causar incômodos à população,
contribuem para a piora da qualidade do ar.
Em nossa região, onde as queimadas são intensas por ocasião da safra da
cana-de-açúcar, a respiração torna-se mais difícil e causa mal estar, afetando a
saúde pública, prejudicando, ainda, o crescimento das plantas e interferindo no
desenvolvimento da fotossíntese.
Mencionada intensidade vem comprovada com os demais autos de infração
encaminhados a esta Promotoria de Justiça e acostados a esta, demonstrando a
reiterada prática da queima da cana de açúcar na região, efetuada pela
empresa-requerida. Prática esta que não foi e não é autorizada pela Secretaria
do Meio Ambiente, conforme exige a Lei.
O médico pneumologista Marcos Arbex, em pesquisa financiada pela Universidade de
Khol, da Alemanha, e apoiada pela Faculdade de Medicina da USP e pela Escola
Paulista de Medicina, e realizada na região canavieira de Araraquara, constatou
que: "um quinto da população da zona canavieira paulista está com os pulmões
comprometidos ou à beira de uma crise de rápida evolução".
Segundo esse estudo, na zona canavieira o número de casos de doenças
respiratórias é muito maior que em outras regiões, o que o leva a concluir que a
poluição provocada pelas queimadas é a principal razão dessas doenças, embora
não seja a única (cf. matérias publicadas nas edições de 2.11.89, p. 27, e
4.11.91, p. 5 do caderno Cidades, do jornal "O Estado de S.Paulo").
Em parecer sobre os efeitos da poluição provocada pela queimada dos canaviais na
saúde da população, o professor José Carlos Manço, docente do Departamento de
Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP de ..................., foi
enfático: "Em conclusão, é meu parecer, com base nas considerações apresentadas,
que a poluição provocada pela queimada dos canaviais tem efeito nocivo para a
saúde da população de nossa região".
Em palestra proferida no Centro de Estudos Regionais da USP-...................,
em 31 de março de 1992, o professor Antonio Ribeiro Franco, docente do
Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da USP de
..................., afirmou que quando se trata da análise dos efeitos da
poluição atmosférica provocada pela queima dos canaviais, o que se tem em vista
é a "saúde da população", objeto da Saúde Pública. Assim, o raciocínio clínico,
fundamentado no binômio causa-efeito e na unicidade causal das doenças, deve ser
substituído pelo raciocínio epidemiológico, que considera o conjunto de dados e
informações obtidos num determinado período de tempo.
Assim, o raciocínio clínico, fundamentado no binômio causa-efeito e da unicidade
causal das doenças, deve ser substituído pelo raciocínio epidemiológico, que
considera o conjunto de dados e informações obtidos num determinado período de
tempo (cf. cópia anexa).
Com base nos dados de internações e altas hospitalares do Centro de
Processamento de Dados do Departamento de Medicina Social da
USP/..................., referentes aos anos de 1988 a 1990, cobrindo a área de
21 municípios da região canavieira de ..................., o professor Antonio
Ribeiro Franco apurou que as doenças do aparelho respiratório tiveram um
destacado desempenho, sendo responsáveis por quase 50 mil internações naqueles
três anos, num universo de 911.426 habitantes, constando-se, ainda, 2.739 óbitos
atribuídos a esse grupo de doenças.
Cumpre destacar, nesse passo, as conclusões do referido professor: "Não há
dúvidas que durante a época das queimadas dos canaviais há uma piora na
qualidade do ar da região.
"A queimada de canaviais não é o único fator de agravamento da qualidade do ar,
mas em conseqüência da extensão da área plantada e do tempo das queimadas -
final de abril a começo de novembro -, não resta dúvidas de que a descarga de
gases e de outros poluentes na atmosfera da região ganha um significado muito
marcante e que não pode ser menosprezada.
"A população de risco, que tem sua qualidade de vida e de saúde agravada em
condições atmosféricas é bastante significativa e não há dúvidas de que, segundo
os dados apresentados, deve ser um fator de referência no planejamento das
atividades produtivas da região.
"Esses dados apresentados, apesar de expressivos, mostram apenas uma pequena
fração da verdadeira população de risco, uma vez que a maioria das pessoas que
compõem essa população de risco, não demandam internações, mas demandam sim, um
número muito maior de consultas, atendimentos ambulatoriais e de medicação. Tudo
isso traduz um ônus muito grande de assistência médica que onera não só os
serviços médicos, mas a economia das famílias"
Bem como, sua advertência:
"A região de ..................., também conhecida como a região do
...........,, está com sua atmosfera sobrecarregada, predominantemente na época
das queimadas dos canaviais. Não vamos, logicamente, esperar que ocorra um
episódio agudo de inversão térmica para termos nossa amarga experiência, como as
anteriormente descritas e tão ricas de ensinamentos. O experimento para avaliar
efeitos das queimadas de cana-de-açúcar na baixa atmosfera realizado pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE/SCT, São Paulo-São José dos
Campos, no ano de 1991 e de autoria de Marinho & Kirchhoff, é muito sugestivo e
deve ser levado muito a sério".
Atendendo à solicitação do Ilustre Promotor de Justiça de ..................., o
professor Antonio Ribeiro Franco emitiu parecer sobre os efeitos da poluição
provocada pelas queimadas dos canaviais na saúde da população de nossa região,
corroborando o teor da palestra acima mencionada e concluindo: "Diante do
exposto, mesmo reconhecendo que a poluição provocada pelas queimadas dos
canaviais não é a única fonte poluidora da região, reputo como irresponsável e
leviana a afirmação tão freqüentemente utilizada de que 'não há provas e/ou
estudos científicos de que a queimada dos canaviais prejudica a saúde".
A queima da palha pode ser economicamente interessante ao dono da cana, mas o
aumento de toxidade do ar pela emissão de CO e O3 durante a combustão provoca um
impacto negativo nas áreas vizinhas de cultura diversa.
As queimadas poluem, interferindo de modo negativo nos padrões de qualidade do
ar. A concentração de poluentes atmosféricos pode afetar a saúde, a segurança e
o bem-estar da população, bem como ocasionar danos à flora e à fauna (esta
também atingida diretamente pelo fogo das queimadas).
Ressalte-se que tais fatos afetam não só essa região, mas todas as regiões nas
quais esta prática é realizada reiteradamente.
A comunidade médica e científica, bem como a opinião pública dessa região
repudiam a prática deletéria das queimadas (conforme representação anexa).
Seguindo o mesmo entendimento, Gisele Cristiane Marcomini Zamperlini, in
Investigação da Fuligem Proveniente da Queima da Cana-de-Açúcar com ênfase nos
Hidrocarbonetos Policílicos Aromáticos (HPAs), 1997, quando disse que : "A
queimada da cana-de-açúcar é um processo de combustão incompleta, no qual há
formação de fuligem composta de hidrocarbonetor alifáticos, ésteres, graxos,
HPAs e outras substâncias minoritárias. A grande quantidade de substâncias
Alifáticas em relção aos HPAs faz com que eles apareçam como contaminantes em
todas as frações obtidas no clean-up, prejudicando a resolução e quantificação
dos HPAs por GC-FID.....
.....
Análises dos extratos e frações GC-MS-Sacan, GC-MS-SIM e cálculos de índice de
retenção de Lee revelam a presença de todos os HPAs considerados importantes
pela EPA (com exceção do DahA), além de vários outros Alquil-HPAs e derivados do
tiofeno. Embora nãp se tenha feito a quantificação dos PAHs existente na
fuligem, a presença dos mesmos já é, por si só, um alerta quanto à exposição dos
trabalhadores e da população em geral à fuligem."
Ainda nesse sentido e mais recentemente, 2000, temos : Rosa Maria do Vale Bosso,
in Avaliação da Atividade Mutagênica da Fuligem Sedimentável Proveniente da
Queima da Cana-de-Açúcar e da Urina dos Cortadores de Cana Através de Ensaios de
Mutação Gênica Reversa em Salmonella typhimurium, dissertação apresentada para a
obtenção de Grau de Mestre em Ciências Biológicas-Genética da Universidade
Estadual Paulista - UNESP no qual concluiu com base em seus estudos que : "Este
trabalho reforça, portanto, o alerta sobre o perigo das queimadas dos canaviais
para o meio ambiente, bem como, para os indivíduos profissionalmente expostos."
(conforme documento anexo)
Desta forma, a prática da queima da cana-de-açúcar deve ser eliminada.
O poluidor está obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar
e/ou reparar os danos causados ao meio ambiente.
DO DIREITO
Dispõe a Constituição da República que: "Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (art. 225,
caput).
A Lei Federal nº 6938/81 define: (a) como poluição a "degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a
saúde, a segurança e o bem estar da população; criem condições adversas às
atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as
condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente" (art. 3º, inciso III); como
poluidor "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental" (art. 3º, inciso IV); e indica que a Política Nacional do Meio
Ambiente visará a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de
recuperar e/ou indenizar os danos causados, independentemente de existência de
culpa (art. 4º, inciso VII, e art. 14, parágrafo 1º).
A Lei Federal nº 4771/65 (Código Florestal) proíbe o uso de fogo nas florestas e
demais formas de vegetação (art. 27, caput).
A Lei Estadual nº 997/76 considera poluição do meio ambiente a presença, o
lançamento ou a liberação, nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma
de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração ou com
características que tornem ou possam tornar; inconvenientes ao bem-estar
público; danosos aos materiais, à fauna e à flora; prejudiciais à segurança, ao
uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade, preceituando
que "fica proibido o lançamento ou liberação de poluentes nas águas, no ar ou no
solo" (art. 3º).
O Regulamento dessa Lei, aprovado pelo Decreto Estadual nº 8468/76, considera
fontes de poluição "todas e quaisquer atividades, processos, operações ou
dispositivos móveis ou não que, independentemente do seu campo de aplicação,
induzam, produzam ou possam produzir a poluição do meio ambiente, tais como:
estabelecimentos industriais, agropecuários e comerciais, veículos automotores e
correlatos, equipamentos as águas, o ar ou o solo impróprios, nocivos ou
ofensivos à saúde e maquinarias, e queima de material ao ar livre" (art. 4º).
Esse mesmo Decreto, proíbe a queima ao ar livre de resíduos sólidos, líquidos ou
de qualquer outro material combustível (art. 26, caput).
Esse mesmo decreto, proíbe a queima ao ar livre de resíduos sólidos, líquidos ou
de qualquer outro material combustível. (artigo 26 caput)
Preciosa a lição de Nelson Nery Júnior: E, felizmente, a Lei de Política
Nacional do Meio-Ambiente (Lei Federal n. 6.938, de 31 de agosto de 1981) deu um
passo para a frente, colocando-se na vanguarda legislativa na tutela dos
interesses difusos. Isto porque traçou um novo perfil para a reparação do dano
ambiental, regulando como objetiva a responsabilidade do poluidor que ofende o
meio-ambiente. Prescinde-se, portanto, da culpa para que haja o dever de
reparar.
Existe a obrigação legal de não se poluir o solo, as águas e a atmosfera e dessa
obrigação decorre a obrigação de fazer consistente na implantação de técnicas,
sistemas e equipamentos de controle antipoluição, na sua manutenção e no seu
adequado funcionamento.
O dano cuja reparação se almeja com a presente ação, a rigor, inestimável, haja
vista a degradação do ar e seus efeitos negativos na saúde da população; o
aumento do consumo de água decorrente do incômodo provocado pelo material
particulado (carvãozinho); a degradação da qualidade do solo; os impactos
negativos nas áreas vizinhas de cultura diversa; a mortandade de animais da
fauna silvestre, etc.
Para a fixação do valor da indenização, no entanto, devemos partir de dados
objetivos. A fórmula encontrada, baseia-se nos estudos do Prof. Marcelo Pereira
de Souza, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de
São Carlos, acerca das perdas de energia geradas pela queima da palha da cana no
Estado de São Paulo (cf. documento anexo).
Além do poder geral de cautela que a lei processual lhe confere (CPC, arts. 798
e 799), agora o Código de Defesa do Consumidor, dispensando pedido do autor e
excepcionando, assim, o princípio dispositivo, autoriza o Magistrado a antecipar
o provimento final, liminarmente, e a determinar de imediato medidas
satisfativas ou que assegurem o resultado prático da obrigação a ser cumprida
(art. 84).
Essa regra é aplicável a qualquer ação civil pública que tenha por objeto a
defesa de interesse difuso ou coletivo (art. 21, da Lei de Ação Civil Pública,
com a redação dada pelo art. 117, do Código de Defesa do Consumidor).
Os documentos anexos estão a demonstrar que a situação acima descrita não pode
continuar, pois implica agravamento da degradação da qualidade do ar e de todos
os efeitos dela decorrentes.
Assim, imperiosa a adoção de medida judicial tendente a eliminar, de imediato,
ou seja, já a partir da safra de 2001 e das que se seguirem, os fatores que
permitem a seqüência e o aumento da agressão ambiental, perfeitamente
caracterizados os seus pressupostos, consistentes no "fumus boni juris" e no
"periculum in mora".
Justifica-se a concessão de medida liminar que evite o dano, como autoriza o
art. 12 da Lei nº 7347/85, consistente na determinação para que os réus se
abstenham de utilizar fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a
colheita da cana-de-açúcar.
Para a eventualidade do não cumprimento da liminar, requer-se seja fixada, para
cada dia de atraso, a multa de R$ ....., corrigida no momento do pagamento (art.
11 da Lei nº 7347/85).
DOS PEDIDOS
Diante de todo o exposto e do constante da documentação inclusa, que desta
petição faz parte integrante, propõe o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE .........
a presente ação, com fulcro na Lei nº 7.347/85, requerendo que a presente ação
seja julgada procedente condenando a empresa .............
a) ao cumprimento da obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar
fogo para a limpeza do solo, preparo do plantio e para a colheita da
cana-de-açúcar nas áreas por elas cultivadas, sob pena do pagamento da
multa-diária no valor de R$ .........., na eventualidade do não cumprimento da
obrigação e corrigida na forma da lei;
b) ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados com a queima da
palha da cana-de-açúcar, que se pede, seja fixada nos moldes da fórmula
apresentada no item VI, considerando-se o preço do litro de álcool da época da
liqüidação, que será recolhida ao Fundo Estadual para Reparação de Interesses
Difusos Lesados.
Ante o exposto, requer o autor a citação da requerida (com a faculdade do art.
172, § 2º, do Código de Processo Civil), na pessoa de seu representante legal
para que ofereça contestação no prazo legal, advertindo-o dos efeitos da
revelia, se não contestada a ação;
Protestando pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em
especial juntada de novos documentos e exame pericial.
Dá-se a causa o valor de R$ .....
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura]