Ação declaratória de nulidade de cláusula contratual, cumulada com constituição de obrigação de fazer, e com pedido de tutela antecipada, para fins de cobertura de tratamento pelo plano de saúde.
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE ....., ESTADO
DO .....
....., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador
(a) do CIRG n.º ..... e do CPF n.º ....., residente e domiciliado (a) na Rua
....., n.º ....., Bairro ....., Cidade ....., Estado ....., por intermédio de
seu (sua) advogado(a) e bastante procurador(a) (procuração em anexo - doc. 01),
com escritório profissional sito à Rua ....., nº ....., Bairro ....., Cidade
....., Estado ....., onde recebe notificações e intimações, vem mui
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL, CUMULADA COM
CONSTITUIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, E COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
em face de
....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com
sede na Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP
....., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). .....,
brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ....., portador (a) do
CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos motivos de fato e de direito a seguir
aduzidos.
DOS FATOS
Longe da qualidade dos serviços médicos prestados por algumas empresas privadas,
um tanto mais por sua condição financeira e pelo colapso do Sistema Público de
Saúde brasileiro, a autora contratou com a ......... (doc. ...), a prestação de
assistência médico hospitalar. Logrou-se, de outro lado, a obrigação certa do
pagamento de um quantum mensal.
Não obstante a conformidade de as partes estarem juridicamente vinculadas (tudo
como mostra a documentação anexa), a assistida, acometida pela enfermidade
diagnosticada como Neoplasia ...... - Adenocarcinoma no Pulmão Direito - carente
por isso de medicação quimioterápica, adimplente com sua obrigação contratual,
teve frustrada a contraprestação objeto do Contrato: a assistência médico
hospitalar.
Tudo devido a abusividade de algumas cláusulas restritivas de direito,
contrárias ao ordenamento jurídico e eivadas de nulidade, como se demonstra em
seqüência.
DO DIREITO
A relação jurídica avençada, por obediência à Constituição de 1988 e ao Código
de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90, art. 1.º), caracteriza-se como uma
relação de consumo, disciplinada por normas de ordem pública e interesse social,
inderrogáveis pela vontade das partes .
Dantes adstrito fielmente ao princípio da autonomia da vontade e ao "pacta sunt
servanda" , o acordo iuris em questão - Contrato de Adesão - subordina-se agora
também às normas objetivo fixadoras de direitos fundamentais do cidadão, a saber
, o direito à vida e à saúde.
Se há liberdade contratual em tais contratos, esta deve permanecer do lado do
consumidor e não daquele detentor da autonomia de impor cláusulas , condições e
o conteúdo do negócio: o fornecedor dos serviços. Impõe-se, pois, a tais
contratos e as relações jurídicas deste decorrentes a observância de princípios
obrigatórios para o efetivo equilíbrio e harmonia da relação, v.g., a boa-fé.
(art.4.º, caput, e seu inciso III do CDC)
Malfere, assim, as normas constitucionais (CF/88, art.5.º, caput, e art.196 c/c
art.199) e do CDC (art. 6.º, inciso I) a cláusula contratual ....., por vedar o
tratamento quimioterápico, frustrando a contraprestação dos serviços médicos
hospitalares e a indisponibilidade do objeto do pacto jurídico, qual seja o
direito à saúde.
Desacorda-se, especificamente, com o dispositivo do § 4.º do art. 54 do CDC,
litteris:
"As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser
redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão."
Fácil perceber o flagrante desrespeito (Vide Contrato em anexo), não só da
referida cláusula como das demais restritivas, tão diminutas são letras e sem
destaque algum.
Olvidou a promovida de um dever seu, qual seja garantir a nítida transparência
do Contrato, tornando clara a compreensão de seu conteúdo, de sua cobertura e de
suas restrições, sendo ilusório e infeliz o seu título: "SAÚDE TODA VIDA". Nesse
particular, doutrinam ARRUDA ALVIM e THERESA ALVIM, entre outros comentadores:
" Ou seja, o Código de Defesa do Consumidor impõe o dever de escrever as
cláusulas restritivas de direito do consumidor, nos contratos de adesão, da
maneira oposta àquela que os fornecedores inescrupulosos costumam fazer, em
letras pequenas e de maneira duvidosa. Da mesma forma, como no caso do parágrafo
anterior, a cláusula que estiver escrita em desacordo com tais recomendações
será nula de pleno direito, o que não acarreta, em princípio, a nulidade do
contrato em que está integrada(inciso XV e parágrafo 2.º, do art. 51 )." (In
Código do Consumidor Comentado , RT, 2.ª Ed. , p. 268)
Desarmoniza-se ainda com o sistema de proteção ao consumidor (desequilíbrio da
relação contratual) e com as normas de garantias fundamentais do indivíduo
insertas na Constituição, por restringir o direito à saúde, ao tempo em que
burla o objeto - reitera-se: indisponível - do Contrato.
É nula de pleno direito, portanto, e como tal deve ser reconhecida
judicialmente, a abusiva cláusula ............. , nos termos do art. 51 ,
incisos IV e XV seu parágrafo primeiro, incisos I e II do CDC, de efeito ex tunc,
para a promovente ter assegurado seu direito ao tratamento indicado, in litteris:
"Art.51 . São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que :
.....................(omissis)................
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade;
.....................(omissis).................
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
....................(omissis)..................
§ 1.º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que :
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence ;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes a natureza do
contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual ;
( sublinhou-se)
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgado análogo, foi mais
adiante, admitindo mesmo ser abusiva a cláusula proibitiva de certa terapêutica
anticarcinogêmica inexistente no Brasil, a ser realizada no estrangeiro, verbis:
" EMENTA: Beneficiária portadora de câncer , com quadro clínico terminal ante a
inexistência, no Brasil, de outro tratamento disponível para evitar a ação
progressiva da doença. Tratamento no exterior mediante a utilização de
antineoplastons, com resultados favoráveis, apresentando melhora no quadro
clínico. Embora utilizado por um só médico e em um só Estado da Federação
norte-americana, tendo sido reconhecida judicialmente sua legalidade, com
sucesso indiscutível, por mais de uma década, não pode mais ser considerado como
experimental. Ademais, tratando-se de tratamento realizado no exterior, não se
pode aceitar a limitação da apólice com validade apenas no Brasil. De qualquer
modo, ainda que existissem dúvidas, tratando-se de contrato de adesão, não
poderiam ser solucionadas em favor da seguradora. Por outro lado, ela se mostra
inadequada para a finalidade do próprio contrato, relacionada com a saúde e,
portanto, com o direito à vida, direitos que integram os chamados direitos da
personalidade, portanto absolutos. Inadmissibilidade da exclusão do tratamento
da cobertura do seguro. Procedência das ações. Embargos rejeitados." (TJRGS -
2.º Grupo de Câmaras Cíveis; Bem. Infr. N.º 595161639 - Porto Alegre ; Rel Des.
Tael João Sellistre; j . 15.12.1995 ; maioria de votos , in RJTRGS 175/214 )
(sublinhou-se)
Também não se venha alegar, de outra forma, nem por inquietude cognoscitiva ou
por carência de argumentos, a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao
vertente Contrato. Entender a irretroatividade deste Diploma fundada na norma do
inciso XXXVI do art. 5.º da CF traslada-se na mais torpe e pérfida da atividades
hermenêuticas.
Encontrando-se por presente o corolário da segurança jurídica no ordenamento,
não o fere - antes a ele se adequa - as normas programáticas de ordem pública da
Constituição e do CDC fixadoras do direito à vida e à saúde (CF, art. 5º, caput
e art.196 c/c art.199 ; CDC , art.6.º, inciso I). Isso porque, em efeito e a
rigor, nem de retroatividade se cuida em questão.
Retroagir significa alcançar situações já consolidadas, exauridas. Nesse
sentido, pode-se considerar um Contrato de consumo, onde figura um assistido
obrigado mensalmente a uma prestação pecuniária e uma empresa vinculada a
prestar, quando preciso, serviços médicos e hospitalares como uma relação
jurídica exaurida?
A pensar na resposta afirmativa, nem Contrato nem obrigação subsistiriam mais,
sendo despiciendo mesmo o presente processo.
Configura-se, pois, inexoravelmente, o r. Contrato como de execução diferida e
as relações dele decorrentes como de trato sucessivo, renovando-se mês a mês,
devendo em cada item, ser respaldadas no direito vigente, sob pena de nulidade.
Outro não tem sido o entendimento jurisprudencial e doutrinário:
"Registro inicialmente que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se ao
contrato a partir de sua entrada em vigor (11.3.91), apesar de terem as partes
firmado avença em data anterior, pois as normas nele previstas são de ordem
pública, com incidência imediata nos contratos de execução diferida, como o do
caso." (voto do Des. Relator Campos Amaral , in Apel. Cível n.º 47.172/97 , 3.ª
Turma Cível do TJ-DFT . Votação Unânime para negar provimento ao Recurso. In
DJDF 15.04.98 , p.60)
"Aplicação Imediata. Os Dispositivos legais do Código se aplicam aos contratos
de execução continuada ou diferida, celebrado antes da entrada em vigor do CDC."
(Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery , in "Código de Processo Civil
Comentado", RT, 2.ªed., p.1725 )
A própria Suprema Corte pátria já firmou entendimento, se ainda se tratasse de
retroatividade, sobre a impossibilidade de se prevalecer direito adquirido
frente às normas de ordem pública:
"Não pode prevalecer o direito adquirido contra ordem pública ( RTJ 121/776).
Como as normas do CDC são de ordem pública (CDC, art. 1.º), sobrepõem-se o
direito adquirido que lhe for antagônico. No mesmo sentido: Miguel Reale,
Parecer, acolhido pelo STF ( RTJ 121/776)" (cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria
Andrade Nery, op. cit., p. )
Pretende-se nesta ação não só a tutela declaratória de nulidade de cláusula
contratual, mas, cumulativamente, a constituição de obrigação de fazer, da parte
da ré.
Com efeito, somente a declaração perseguida poderia levar a demandada a, mesmo
sofismando, recusar-se a custear o tratamento médico recomendado, sob o pálio de
o contrato silenciar acerca da cobertura específica.
Evidentemente, não seria lícito nem lógico raciocinar assim. Mas, para assegurar
a efetividade da tutela, escopo maior do processo, necessário se faz a cumulação
do pedido declaratório com o de constituição de obrigação de fazer, consistente
na condenação da ré a cobrir as despesas do tratamento da autora, agora quando a
cláusula de exclusão não mais permeia de nulidade parcial o contrato.
Decorrência natural do segundo pedido é a necessária cominação de astreinte,
para o caso de descumprimento da decisão a ser adotada, já de forma antecipada,
tal como será requerido infra.
A par das normas do art.51, § 4.º c/c o art.81 do CDC - autorizadoras, dentre
outras, da presente actio - insta antecipar-se os efeitos da tutela de mérito,
pelos permissivos do dispositivo do art. 273 , caput, e inciso I do CPC.
Para não se violar o princípio da efetividade da jurisdição, consubstanciado no
art. 5.º, XXXV da CF, impõe-se agora como um dever do Poder Judiciário,
observados os pré-requisitos do referido artigo do Diploma Processual Civil -
como se traduz o caso em espécie - deferir o pedido de antecipação de tutela,
mesmo sem a ouvida da parte adversa, para não restar inútil o provimento
definitivo de mérito.
A prova inequívoca apresenta-se com o vertente Contrato e os Atestados Médicos,
capaz de autorizar, pela sua natureza, o julgamento final meritório. Embora tal
seja defeso nesta fase processual, não se descaracteriza a certeza e a
existência do fato, sobre o qual incide o Direito.
Imaginar uma enferma portadora de Adenocarcinoma no Pulmão Direito, carente de
tratamento quimioterápico, pressupõe necessariamente, mesmo aos não afeitos à
área médica, o perigo iminente da morte, à míngua de tratamento médico atenuante
e paliativo dessa fatal enfermidade. Recusar a terapêutica contra o câncer
constitui um vil abuso da promovida, obstando o direito fundamental à saúde da
autora.
Correndo o dano atual e iminente da morte, [conforme o Atestado do Dr.
.............. (doc. ...) o tratamento há de ser iniciado urgentemente] a
prestação jurisdicional poderá restar sem efeito, pois há a possibilidade
inequívoca, ante a ausência da terapêutica, de a postulante vir a falecer . Eis
aí o receio fundado de um dano irreparável, o dano à própria vida em si mesma
considerada.
A verossimilhança das alegações e a plausibilidade do direito invocado encontram
guarida no Código de Defesa do Consumidor e nas normas da Constituição Federal
indicadas no tópico acima, findando por reger o v. Contrato e a r. abusiva
cláusula V 5.15., eivada, por isso, de nulidade.
Requer-se de V.Ex.ª, destarte, a antecipação de tutela, como a medida necessária
e pronta a assegurar o tratamento indicado; noutros termos, o direito à saúde.
Pede-se, mais, seja fixada pena pecuniária, equivalente a R$ ......., pagáveis a
cada ... dias (prazo do espaçamento das sessões de quimioterapia, atualmente),
em caso de descumprimento dos termos da tutela.
DOS PEDIDOS
Ante os fundamentos expostos, requer-se de V.Ex.ª:
a) com fundamento no art. 273 do CPC, a antecipação da tutela jurisdicional
postulada, initio litis et inaudita altera parte, para determinar seja
considerada inválida a cláusula ........., do contrato em tela, celebrado entre
as partes, impondo à promovida arcar com as despesas decorrentes dos tratamentos
médicos demandados pela promovente;
b) seja cominada pena pecuniária equivalente a R$ ......, pagáveis a cada
....... dias (prazo do espaçamento das sessões de quimioterapia, atualmente), em
caso de descumprimento dos termos da tutela;
c) seja ordenada a citação da demandada, na pessoa de seu representante legal e
no endereço referido no início, para, querendo, no prazo legal, contestar a
presente ação, sob pena de revelia;
d) a procedência do pedido, com o reconhecimento e a declaração de nulidade da
cláusula contratual ..., item ........- proibitiva da terapêutica quimioterápica
- com efeito ex tunc, para a assistida, ora autora, obter a contraprestação do
Contrato firmado e assegurar o tratamento anticarcinogênico como parte deste,
constituindo-se como obrigação de fazer, e condenando-se ainda a promovida no
ônus da sucumbência representado por custas processuais e honorários
advocatícios estes arbitrados em seu plus;
A prova apresenta-se eminentemente documental e pré-constituída, cabendo
julgamento antecipado da lide (CPC , art. 330, inciso I). Caso entenda-se
diferentemente, pede-se a prova do alegado por todos os meios processualmente
admissíveis, especificando depoimento pessoal do representante legal da
demandada, juntada posterior de documentos, perícias, audição de testemunhas, e
o mais necessário à instrução do feito.
Dá-se à causa o valor de R$ .......
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
[Número de Inscrição na OAB]