Declaração à psicóloga
Doutora,
escute bem e de uma vez por todas, pois finalmente resolvi desabafar e dizer-lhe
o que realmente me aflige a alma: o que está me deixando emocionalmente
desequilibrado é esta sua profunda indiferença por mim, este seu jeito de
tratar-me como a um cliente comum, daqueles que se deitam no divã e não têm
permissão de nem mesmo lançar uma olhadela para o seu lindo e adorável rosto.
Isto para não dizer da perturbação (que parece me assolar a partir das
entranhas), a cada vez que você cruza as pernas, ajeita os óculos e faz pequenas
anotações em seu bloquinho de papel, enquanto eu, aflito, repito pela milésima
vez que mamãe sempre foi, mesmo, muito cruel para comigo.
Doutora, será que você saberá reconhecer esta minha coragem de declarar o
profundo amor que eu sinto por você, me dar alta e, então, livres dos vínculos
profissionais que se confirmam a cada uma dessas consultas caríssimas que eu lhe
pago, permitir que sejamos felizes para sempre? Ou a sua intenção é ser apenas
mais um trauma nessa minha vida angustiada e já tão pontilhada de episódios
perversos, como você bem sabe?
Querida doutora, só a paz do seu doce sorriso e o calor dos seus braços é que
poderão me libertar definitivamente de alguns pequenos complexos que eu ainda
carrego. Ou você acha que eu sou mesmo feio? Olha, só para você sentir que estou
bem melhor do que quando me conheceu, quero dizer que estou muito menos
negativo, e até acho que vou ganhar algum dinheiro no ano que vem. Viu só como
eu já não ando tão neurótico com essa questão da grana?
Pela última vez, aceite mais este convite para jantar. Você sabe que a cada
não que a sua boca me dirige, você me freud mais e mais a cabeça!
Um beijo apaixonado do teu
(assinatura), mas se quiser pode me chamar de Napoleão.