À bibliotecária
Querida (nome),
sabe que cada vez que você passa por mim e não me dá a mínima eu me sinto mais
desesperado que aquela barata do Kafka. Por fora eu sorrio amarelo, feito uma
página de livro antigo, mas por dentro eu me sinto mais miserável do que aquele
ser ao qual Brás Cubas dedicou suas Memórias Póstumas.
Bem que você podia me dar uma catalogadinha, não é mesmo? Ou uma olhadinha,
uma folheada, e depois anotar naquela fichinha, com a sua letra bonita, que eu
faço parte de um gênero conhecido como romance romântico.
Por favor, pare de me tratar como se eu fosse uma traça voraz, interessada
apenas em comer o seu acervo todo, pedacinho por pedacinho. Juro que eu tenho um
coração delicado como papel bíblia e posso ser elegante como um exemplar raro,
encapado do mais nobre couro e com detalhes de ouro na lombada e na guarda
também.
Não entendo porque você me despreza tanto, como me faz assim... "página
virada, descartada do teu folhetim..." Tá bom, eu sei que isso não é literatura,
é música, mas a veia poética do Chico não é de se jogar fora, não é verdade?
Então, deixe de pensar em mim com o mesmo desprezo que o leitor comum confere ao
D. Quixote e valorize-me como a um certo e valente Capitão Rodrigo, pois não
quero e nem "hei de morrer de amar mais do que pude", como tragicamente sugeriu
Vinícius, pois ainda hei de repousar no canto mais aconchegante da sua melhor
estante ou mais dileta prateleira, embora, sem dúvida eu preferisse estar,
agora, mais próximo da sua cabeceira!
Sei que estou sendo um tanto ousado neste instante, mas não foi o maior
escritor brasileiro quem disse que "as melhores mulheres pertencem aos homens
mais atrevidos?" Pois, então, saiba que nem o Tempo e o Vento juntos serão
capazes de levar de mim esta profunda paixão que por acaso ocorre aqui e agora,
mas que poderia muito bem ter paralelo em Verona ou em qualquer outro cenário
shakesperiano.
Um beijo do
(assinatura)