O romance no local de trabalho sempre rende boas manchetes. Dois anos atrás,
Harry C. Stonecipher foi obrigado a pedir demissão da presidência da gigante
aeroespacial Boeing por causa do relacionamento que mantinha com uma executiva
da empresa. Na primavera passada, Paul Wolfowitz, presidente do Banco Mundial,
foi obrigado a pedir demissão depois de ser acusado de conseguir um belo aumento
de salário e uma promoção para uma mulher com quem estava envolvido
afetivamente. No fim de maio, o diretor financeiro da seguradora de saúde
Wellpoint foi demitido depois de uma série de ligações românticas que violavam o
código de conduta da empresa. O problema não se restringe a amor e sexo. O
relacionamento familiar e as amizades no local de trabalho podem prejudicar
também a percepção de imparcialidade dos colegas de serviço podendo comprometer
o desempenho da empresa. O dilema assume proporções extremamente graves em
empresas familiares quando o fundador se vê na obrigação de escolher um sucessor
e tem de decidir se cede o lugar ao filho ou à filha, ou se procura alguém de
fora possivelmente com melhores qualificações. A sucessão, porém, nem sempre é o
problema mais importante. Nas histórias acompanhadas de perto na mídia sobre a
própria mídia, têm sido fartamente divulgado que certos temores familiares
estariam complicando as atuais discussões sobre a possível venda da Dow Jones,
publisher do Wall Street Journal, enquanto investidores externos teriam se
queixado recentemente de que membros da família responsável pela direção da The
New York Times Company teriam obtido retornos medíocres.
"Sabemos que a ausência de imparcialidade gera todo tipo de problema",
observa Jennifer S. Mueller, professora de Administração da Wharton. Pesquisas
mostram que a empresa considerada desleal pelos funcionários em questões como
pagamento, promoções e outras práticas têm índices mais elevados de roubos, de
comentários negativos e outros comportamentos nocivos, disse Mueller.
Como pode a empresa manter as relações familiares sob controle? Não há uma
solução única. Laços de família, namoros e amizades são questões antigas para as
empresas do mundo todo, e culturas diferentes as encaram de formas distintas,
diz Thomas W. Dunfee, professor de Estudos Jurídicos e de Ética nos Negócios da
Wharton. Tais questões pertencem a uma área de "livre espaço moral", e não a uma
área de princípio moral universal, cabendo a cada sociedade julgar o que
considera adequado.
Em muitas regiões do mundo, especialmente na Ásia, as relações pessoais são
consideradas positivas, em parte como forma de assegurar que haja um clima de
confiança dentro da empresa, e é tido como fato normal - e até esperado - que um
pai passe o comando do negócio para o filho, diz Raphael Amit, professor de
Administração da Wharton. Contudo, o desempenho da empresa pode ser prejudicado
quando os responsáveis pelas tomadas de decisão perdem a objetividade e deixam
de considerar o mérito o critério principal, observa Amit, que estudou os
resultados das empresas que integram a lista da Fortune 500 de 1994 a 2000. "Nas
empresas americanas sob controle familiar, quando o fundador passa o papel de
CEO para o filho, ou filha, em vez de contratar um profissional de fora, o valor
da empresa, de modo geral, sofre uma queda."
Mais solteiros no local de trabalho
Contudo, a maior parte das questões relativas ao relacionamento não são
facilmente quantificadas. Como se mede o impacto negativo do ciúme, falta de
lealdade e favoritismo ou mesmo uma simples distração?
Como os efeitos são difíceis de mensurar, a reflexão sobre as questões de
relacionamento evoluiu, diz Dunfee. Os conflitos de interesse sempre foram
objeto de preocupação, e ainda são. Contudo, muitas empresas estão tentando se
afastar de políticas rígidas em relação ao nepotismo e ao namoro privilegiando
diretrizes flexíveis mais adequadas a uma força de trabalho mais equilibrada
entre profissionais de ambos os sexos e repleta de solteiros.
Ao mesmo tempo, acionistas, empregados e demais partes envolvidas de algum
modo com a empresa esperam cada vez mais que as organizações baseiem suas
decisões no mérito, e não em possíveis relacionamentos, diz Dunfee. "Os tempos
estão mudando, e há um nível maior de expectativas por parte dos acionistas no
que diz respeito à integridade e a imparcialidade."
Hoje em dia, um presidente americano provavelmente não indicaria seu irmão
para a procuradoria geral, como fez Kennedy nos anos 1960; também não pediria à
sua esposa para comandar um programa de caráter político, como fez Clinton com a
questão da saúde nos anos 1990. Embora seja prática aceita há tempos em
faculdades e universidades conceder vagas a filhos de ex-alunos e de
professores, isso agora está sendo questionado com base em questões ligadas à
imparcialidade e à diversidade, diz Dunfee.
De acordo com Peter Cappelli, diretor do Centro de Recursos Humanos da
Wharton, "as diretrizes tradicionais nesses casos mudaram muito ao longo do
tempo. Na geração imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, havia um
entendimento dentro das empresas de que o nepotismo era ruim porque dificultava
o exercício de uma administração profissional". Contudo, como a disputa por bons
profissionais tornou-se mais acirrada em anos recentes, regras rígidas de
nepotismo que impediam a empresa de contratar parentes ou cônjuges de
funcionários começaram a perder força, embora ainda seja comum a proibição de
relacionamentos entre membros de uma mesma família, cônjuges e namorados de
hierarquias diferentes.
Nos anos que se seguiram ao pós-guerra, as empresas tiveram também de lidar
com a questão do namoro, já que era cada vez maior o número de mulheres na força
de trabalho, diz Cappelli. "A legislação sobre igualdade de direitos fez com que
a maior parte das empresas se preocupasse muito mais com o envolvimento afetivo
no local de trabalho e com qualquer conduta que pudesse ser interpretada como
assédio. Tornaram-se comuns as regras que vetavam o namoro entre subordinados e
superiores. Algumas empresas tinham regras semelhantes até mesmo para
funcionários de mesmo nível, embora parece que raramente tenham sido postas em
prática."
Hoje, porém,os esforços para impedir o namoro no local de trabalho não são
tão comuns quanto no passado, diz Cappelli.
Uma razão para isso é que as políticas contrárias ao namoro às vezes davam
margem a acusações de discriminação porque, na prática, tendiam a penalizar as
mulheres mais freqüentemente do que os homens, de acordo com Janet Lever,
professora de sociologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Os
homens, acrescenta Lever, eram em geral supervisores, e se um superior do sexo
masculino e uma funcionária de nível inferior tivessem um envolvimento,
normalmente a mulher era transferida ou demitida.
As políticas de proibição do namoro não se adaptam à moderna força de
trabalho, que se divide em partes praticamente iguais entre homens e mulheres,
diz Lever. Atualmente, as pessoas esperam mais para se casar e, em muitos casos,
cumprem jornadas de trabalho mais longas do que seus pais. É no trabalho que as
pessoas conhecem outras de interesses semelhantes, portanto é preciso que os
empregadores admitam o fato de que é irreal tentar banir os relacionamentos
pessoais. "As pessoas estão começando a aceitar o fato de que não há nada demais
namorar um colega" de trabalho, embora Lever concorde que o envolvimento entre
superior e subordinado continue a ser tratado como tabu.
Relacionamentos que azedam
Uma pesquisa feita pela empresa de recolocação Challenger, Gray & Christmas,
de Chicago, constatou que o número de americanos na ativa que se identificam
como solteiros aumentou 18,3% entre 1995 e 2005, somando cerca de 59 milhões de
indivíduos, ou cerca de 44% da força de trabalho. Praticamente 50% dos
trabalhadores solteiros tinham idades entre 20 e 34 anos, uma faixa etária que é
considerada o período "áureo" do namoro, concluiu o estudo. "Não é de admirar
que o namoro no local de trabalho esteja em alta entre esses 28 milhões de
jovens, alguns dos quais passam mais tempo juntos no escritório do que fora
dele", observa John Challenger, CEO da empresa. "Os empregadores praticamente
não têm escolha senão permitir o namoro."
Ele observa que em um levantamento de 2003 feito pela American Management
Association (AMA), constatou-se que 30% dos gerentes haviam namorado uma colega
do escritório, e que 96% dos gerentes disseram que consideravam aceitável
namorar uma colega de trabalho que não fosse sua superior ou subordinada. "É
evidente, portanto, que o namoro no escritório ganhou aceitação nos últimos dez
ou vinte anos, mas as empresas devem acompanhar com atenção esses envolvimentos.
Elas devem procurar estabelecer algumas diretrizes para evitar possíveis
problemas, inclusive queixas de assédio, moral baixo ou fofocas."
A pesquisa da AMA constatou que 12% das empresas possuem políticas de namoro
documentadas. Destas, 92% proíbem o namoro entre supervisores e subordinados, e
11% proíbem o namoro entre colegas de mesma hierarquia.
"As empresas que preferem não tratar de forma alguma da questão do namoro no
ambiente de trabalho poderão se ver em maus lençóis no momento em que o romance
azedar?, adverte Challenger. ?Situações desse tipo podem resultar rapidamente em
ação de assédio sexual. Pode haver outros tipos de problemas se um dos
indivíduos envolvidos for promovido. As empresas terão dificuldade em proibir
uma relação que antes era permitida."
Qual a melhor política?
Challenger recomenda uma política documentada que defina claramente que tipos
de envolvimento são permitidos e o que acontece quando as pessoas se envolvem
com outras do mesmo departamento ou grupo de trabalho. Ele diz que a política
adotada deverá definir coisas consideradas próprias e impróprias, como dar as
mãos e beijar no rosto, e acrescenta que os gerentes devem se reunir com os
casais para discutir as diretrizes adotadas e se certificar de que o
relacionamento seja consensual.
"Um número cada vez maior de empresas tem formulado políticas sobre o
envolvimento afetivo no trabalho?, diz Janis Von Cullin, ex-executiva de
recursos humanos de uma empresa da Fortune 500 e atual chefe da consultoria de
RH Von Culin Associates, de Blue Bell, na Pensilvânia. ?As pessoas se envolvem
no trabalho o tempo todo. Não há como proibir isso."
Von Culin ajudou diversos clientes a formular políticas de relacionamento e a
tratar de questões individuais. Em um dos casos, dois colegas de escritório se
casaram e a empresa conseguiu evitar o surgimento de conflitos de interesse
transferindo um deles para outro setor da empresa onde havia um serviço
semelhante ao que aquela pessoa executava. "É isso o que faz uma empresa
esclarecida", diz ela, ressaltando que quando começou a trabalhar no setor de
recursos humanos há 30 anos, "a mulher era demitida em uma situação desse tipo".
Em outro caso, uma funcionária se envolveu com o chefe da empresa. Para
evitar uma situação de assédio sexual, os dois receberam uma carta que descrevia
o procedimento a ser seguido quando tivessem de relatar qualquer problema ao
setor de recursos humanos. Isso evitou uma reação draconiana da empresa
proibindo o namoro ou despedindo uma das partes envolvidas. Ao mesmo tempo,
protegeu a companhia ao deixar claro, por escrito, que as partes envolvidas
haviam sido notificadas sobre possíveis problemas, e ainda, que a empresa
dispunha de um procedimento objetivo para lidar com o caso. "Sei que atualmente
esse tipo de conduta é cada vez mais comum nas empresas desde o primeiro
momento, sobretudo nas pequenas empresas privadas."
Quando pessoas de hierarquias diferentes se envolvem, é fundamental que o
indivíduo de nível superior não tome decisões importantes pela outra, como
aumento de salário e promoções, acrescenta Lever. Pode ser necessário remeter
tais questões a uma pessoa ou a uma comissão de fora da cadeia de comando que
normalmente supervisiona o subordinado. "É fundamental que haja uma estratégia
imparcial a cargo de várias pessoas. Muita gente dirá que há favoritismo, mas
pelo menos a empresa poderá dizer: 'Não, veja aqui como lidamos com esse
assunto."
Uma estratégia simples
Dunfee diz que as melhores políticas apresentam princípios gerais relativos a
possíveis conflitos de interesse em vez de "acessos" de sabedoria que determinam
quem pode se envolver com quem. Ele diz que deveria haver uma comissão
encarregada de lidar com esse tipo de assunto, em vez de relegá-lo a um único
indivíduo, uma vez que os empregados são menos propensos a acreditar que todos
os membros da comissão ajam de forma parcial.
Mueller concorda e acrescenta que "um componente importante é assegurar a
adoção de uma política transparente e de conhecimento geral". As empresas devem
deixar claro que se importam com os problemas que um envolvimento afetivo pode
gerar, mas não devem agir como se todo namoro fosse uma crise. "Eu diria que uma
estratégia simples talvez seja o meio mais adequado para manter as pessoas
ocupadas em suas atividades", diz ela, acrescentando que "o princípio da
imparcialidade é o mais importante. As pessoas precisam ver que as coisas se
desenrolam de maneira justa".
De acordo com Lever, da universidade da Califórnia, as empresas deveriam ir
além das diretrizes voltadas para o namoro e a família e tratar também dos
?relacionamento pessoais íntimos?. Embora o envolvimento sexual "seja
considerado como a maior ameaça à objetividade, as relações travadas depois do
expediente são igualmente importantes", disse Lever em um artigo escrito em
abril de 2006 para a revista Across the Board. "Pesquisas respaldam nossa
suspeita de que o ?velho amigo? - e agora também a ?velha amiga? - conseguem
mais regalias do que um namorado ou namorada."
Lever sugere a adoção de uma política que enfatize o dever do empregado de
revelar - a um supervisor indicado ou a alguém de recursos humanos - quaisquer
relacionamentos pessoais que possam dar margem a conflitos de interesse. "Quando
se deve fazer tal revelação? Quando você souber que outras pessoas à sua volta
podem estar ameaçadas."
A política adotada deve assegurar a confidencialidade, limitando a informação
àqueles que devem saber de sua existência. Sem isso, muita gente jamais revelará
casos extraconjugais ou relacionamentos com indivíduos do mesmo sexo, observa
Lever. Depois de feita a revelação, a empresa deverá decidir se é caso de
conflito que demanda alguma decisão, como a transferência de um empregado para
outro setor. Mesmo que os funcionários omitam a informação, a existência de uma
política protege a empresa legalmente caso a relação venha se tornar
problemática.
Nenhuma política funcionará muito bem se os empregados a virem como um
conjunto de normas que visam à punição. É preciso que eles acreditem que a
empresa não se opõe ao seu relacionamento, e sim aos conflitos de interesse. "É
imprescindível que haja um clima de confiança."