Declaração de amor ao Terapeuta
Meu querido Doutor,
você sabe que, durante este período em que estamos nos encontrando regularmente,
eu nunca lhe chamei de chato, nunca proferi nenhuma agressão e, principalmente,
nunca recorri para aqueles chavões vulgares que poderiam insinuar que você não
gosta de mulher...
Mas, querido, escute bem e de uma vez por todas, pois finalmente resolvi
desabafar e dizer-lhe o que realmente me aflige a alma: o que está me deixando
emocionalmente desequilibrada é esta sua profunda indiferença por mim, este seu
jeito de tratar-me como a uma cliente comum, daquelas que se deitam no divã e
não têm permissão de nem mesmo lançar uma olhadela para o seu belo, austero e
impassível rosto.
Você me conhece um pouquinho, sabe que eu jamais duvidaria da sua ética
profissional e da sua capacidade técnica, mas não venha me dizer que eu estou
fantasiando tudo! Não venha me dizer que não é bem assim, que eu estou apenas
exprimindo sentimentos confusos à pessoa errada, e que estou apenas comprovando
mais uma vez a desditosa teoria da "transferência". Também não me canse com
aquela série de devolutivas acadêmicas, que só fazem refrescar a sua memória
teórica!
Não venha me dizer que não é por você que eu estou apaixonada, pois a minha
visão cabalística sobre este doce assunto é a seguinte: eu tenho absoluta
certeza, tanto física quanto intelectual, emocional ou espiritualmente, de que é
você quem vai me fazer uma pessoa feliz!
Doutor, será que você saberá reconhecer esta minha coragem de declarar o
profundo amor que eu sinto por você, me dar alta e, então, livres dos vínculos
profissionais que se confirmam a cada uma dessas consultas caríssimas que eu lhe
pago, permitir que sejamos felizes para sempre? Ou a sua intenção é ser apenas
mais um trauma nessa minha vida angustiada e já tão pontilhada de episódios
perversos, como você bem sabe?
Meu querido, só a paz do seu plácido sorriso e o calor dos seus braços é que
poderão me libertar definitivamente de alguns pequenos complexos que eu ainda
carrego.... Por que você não me convida para jantar? E não se esqueça de que a
cada não que a sua boca me dirige, você me freud mais e mais a cabeça!
Um beijo apaixonado da
(assinatura)