Carreira / Emprego - Tire férias. Ou então...
O administrador de empresas Michael Wimert, de 39 anos, diz que nunca tirou
férias e que não pretende se dar nem uma semaninha de descanso nos próximos dez
anos. Ele começou a trabalhar aos 21 anos na CSC, uma empresa de prestação de
serviços de tecnologia dos Estados Unidos. De lá pará cá, não parou mais. Em
1995, veio morar no Brasil como executivo da Oracle, a segunda maior fabricante
de softwares empresariais do mundo. Aqui ficou. Hoje é presidente da Elucid,
também na área de tecnologia. Wimert se diz um workaholic assumido. Casado e pai
de um menino de 7 anos, ele afirma que não larga o trabalho nem quando a família
está de férias.
“Trabalho sete dias por semana sem descanso. Só viajo com a família quando levo
minha mulher e meu filho nas viagens de negócios”, afirma. “Eles reclamam. Mas
ficar longe do trabalho me incomoda.”
O caso de Wimert é um ótimo exemplo de um novo mal que se instalou nas empresas
modernas, principalmente entre pessoas que ocupam cargos de liderança: a aversão
às férias. De acordo com uma nova pesquisa feita pela professora Betania Tanure,
da Fundação Dom Cabral, uma escola para executivos em Belo Horizonte, muitos
profissionais do alto escalão não conseguem ficar longe do trabalho. De mil
executivos entrevistados no Brasil, 30% declararam não tirar férias há três anos
ou mais. Entre aqueles que param para descansar, 50% tiram, em média, apenas dez
dias de férias por ano. “Alguns chefes não conseguem se ausentar porque têm
dificuldade de delegar tarefas”, diz Betania.
Nos Estados Unidos, não é diferente. Num levantamento feito com 2 mil executivos
americanos pela Hudson, uma multinacional do ramo de recrutamento, 24% afirmaram
não ter saído de férias em 2006. O estudo revela também que 37% não costumam
tirar os 20 dias de férias a que têm direito. E 14% costumam tirar menos de uma
semana de férias por ano. Mesmo quem consegue sair do escritório não consegue,
muitas vezes, se desligar. Durante as férias, usam seus laptops, telefones
celulares e blackberries – os celulares com acesso à internet e aos e-mails –
para se comunicar com clientes ou cobrar tarefas e relatórios dos subordinados.
Segundo a pesquisa da Hudson, 39% dos entrevistados checam e-mails de trabalho
quase todos os dias das férias. “Quando o indivíduo trabalha no período em que
deveria descansar, costuma voltar mais estressado do que saiu”, diz Betania.
Para ajudar os workaholics a largar o vício durante as férias, alguns hotéis no
Caribe e nos Estados Unidos estão impedindo que seus hóspedes usem aparelhos
eletrônicos na estada. Na unidade de Chicago da rede Sheraton, os hóspedes são
obrigados a deixar laptops e blackberries trancados num cofre. No resort Caneel
Bay, nas Ilhas Virgens Americanas, há um sistema que bloqueia o sinal dos
celulares. A regra é clara. Quem burlá-la é transferido imediatamente para outro
hotel do complexo.
Muitos executivos gostam de afirmar que não conseguem tirar férias, ou que
precisam trabalhar durante o período de descanso, por causa do excesso de
trabalho. Mas isso tem muito mais a ver com o ego e as frustrações pessoais de
cada indivíduo que com a quantidade de obrigações reais. “Os executivos
acreditam que são insubstituíveis e que a empresa pode entrar em colapso se eles
estiverem ausentes”, afirma Marcos Piccini, do Hay Group, uma consultoria
internacional especializada na área de recursos humanos. “Isso não é verdade.”
Há, também, executivos que não conseguem se desligar do trabalho por pura
insegurança. Até entre os profissionais que não exercem cargos de liderança,
muita gente sofre do mesmo mal. Um estudo recente, realizado pela psicóloga Ana
Maria Rossi, pesquisadora da International Stress Management Association no
Brasil (Isma-BR), constatou que 38% dos trabalhadores de todos os níveis
hierárquicos têm medo de tirar férias. “As pessoas temem ser substituídas por
alguém melhor que elas”, diz.
A dedicação quase exclusiva ao trabalho acaba por criar um círculo vicioso que
dificulta ainda mais a superação do problema. Na medida em que a convivência com
a família e os amigos diminui, o trabalho passa a ser a única fonte de
satisfação e felicidade. É por isso que, mesmo de férias, muitos profissionais
continuam conectados com o trabalho. Só que a disponibilidade eterna tem
impactos negativos para o indivíduo, para os colegas e para a empresa. O
primeiro sintoma é o aumento do estresse, da fadiga e de doenças
cardiovasculares do funcionário, segundo a Isma-BR. Depois, vem a queda no
desempenho. A exaustão diminui a capacidade de concentração. No caso dos
executivos, o excesso de foco no dia-a-dia do trabalho pode limitar a visão
estratégica.
Quem fica restrito à própria empresa acaba por não prestar atenção aos passos da
concorrência e às novas tendências do mercado. “Quem só conhece gente
relacionada ao trabalho pode restringir não apenas sua rede de relacionamentos,
mas também a criatividade”, diz William Bull, da Mercer, outra consultoria
internacional especializada em gestão de pessoas.
Nos Estados Unidos, algumas redes de hotéis obrigam os hóspedes a deixar seus
notebooks trancados num cofre. É óbvio que a vida de quem tem um chefe que não
tira férias é bem mais complicada. Além de mais estressado, ele tende a
valorizar e reconhecer os subordinados que agem da mesma forma. Cabe a cada um
de nós conhecer os próprios limites e saber quando é hora de parar um pouco. O
esforço é essencial. Sem equilíbrio físico e mental, dificilmente será possível
alcançar bons resultados profissionais. Desligar é fundamental. E desligar de
verdade. Sem e-mail nem celular.
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