O
FASB (Financial Accounting Standards Board - comitê que define os padrões
contábeis norte-americanos) propôs uma atualização nos princípios contábeis (GAAP),
utilizados desde o século 19, que tinham passado por pouquíssimas alterações
desde então. Infelizmente, os novos padrões propostos não foram atualizados o
suficiente para o cenário do século 21 e ainda estão restritos ao ambiente
industrial do século 20. Como resultado, as novas regras contábeis farão muito
pouco para resolver um dos maiores problemas encontrados nos negócios
atualmente: a crise do imediatismo, ou seja, do pensamento em curto prazo, que
perverte os objetivos dos negócios e distorce os incentivos.
As empresas de capital aberto sentem-se compelidas a conseguir bons
resultados em curto prazo a qualquer custo, mesmo quando os custos para o longo
prazo são óbvios – mas não podem ser vistos no balanço empresarial. Você
provavelmente já compareceu a reuniões para “fechar o número” no final de um
trimestre. Talvez, você tenha decidido interromper algum trabalho de pesquisa e
desenvolvimento ou tenha desistido de uma importante (e cara) iniciativa em
relação aos clientes. Quem nunca esteve em uma dessas reuniões em que
basicamente todos sabiam que as ações a serem tomadas não levavam em conta os
interesses de longo prazo dos acionistas, mas você agiu mesmo assim, com o
objetivo de apresentar bons números no curto prazo? Um gerente frustrado de uma
editora de revistas confessou a um investidor que quando a empresa enfrentava um
trimestre ruim, eles cortavam custos suspendendo nada mais do que as campanhas
de reativação de assinantes!
Ao resumir quase todo o sucesso financeiro em um único número, os princípios
contábeis atuais, sem dúvida alguma, têm contribuído para a crise do
imediatismo, elevando a importância das ações de curto prazo sem levar em conta
os impactos que estas terão no valor da empresa em longo prazo. Ironicamente, a
lei Sarbanes-Oxley aumentou o problema, pois agora os gerentes não podem, de
modo nenhum, “administrar” os números de curto prazo. A Sarbox pode ser (ou não)
boa para a governança corporativa, mas em uma pesquisa realizada após a
instituição da lei, quatro dentre cinco CFOs disseram que aceitam destruir
valor, quando necessário, para fazer o número do trimestre!
O trabalho de gestão é duplo: criar valor corrente para os acionistas, na
forma de rendimentos, e manter o lastro da empresa, preservando ou aumentando o
patrimônio para continuar criando valor. Os princípios contábeis tradicionais
são adequados quando tratam da conciliação de eventos atuais, que afetam o valor
do patrimônio tangível, como empréstimos ou equipamentos. No ambiente de
negócios do século 21, entretanto, esse patrimônio, próprio da era industrial, é
menos relevante para a criação de valor.
Patrimônio realmente valioso
Ao contrário, os bens mais produtivos que uma empresa moderna tem geralmente são
coisas intangíveis, como a preferência pela marca ou o
valor vitalício dos clientes (LTV) – patrimônio que o CMO (Chief Marketing
Officer) deve gerenciar. Mensurar as vendas, o marketing e a eficiência do
serviço é uma tarefa que deixa diversas empresas confusas, mas uma coisa é
clara: o valor em longo prazo, da fidelidade do cliente e da marca, raramente é
demonstrado nos balanços financeiros.
Contudo, esses são os bens que sofrem danos quando a empresa toma medidas
drásticas pensando nas vendas ou ganhos do período corrente. Se um cliente
valioso reclama e você não resolve o assunto satisfatoriamente, quanto valor a
sua empresa perde quando esse cliente decide abandoná-la? Se você insiste em
assinar um contrato que está dentro da lei, mas é vantajoso apenas para
determinado cliente, com a intenção de não prejudicar os resultados do
trimestre, você poderá contabilizar essa receita, mas também não seria justo que
você prestasse contas pela perda do valor futuro do cliente para a empresa? Além
disso, os clientes estão cada vez mais conectados entre si, trocado avaliações e
opiniões sobre a sua empresa. Violar a confiança de um cliente ou perder a
credibilidade pode ter ramificações que vão muito além do “paternalismo”
realizado para um certo cliente.
Como o patrimônio mais importante das empresas do século 21 geralmente é
intangível, seria interessante para os investidores se os princípios contábeis
pudessem responsabilizar os gestores pela preservação desses ativos. O argumento
tradicional é óbvio: os bens intangíveis são muito economicamente abstratos para
serem mensurados com precisão. Mas esse argumento também é produto do pensamento
do século 20. Com as análises computacionais e modelagem estatística disponíveis
hoje, por exemplo, os valores vitalícios (LTVs) dos clientes podem ser estimados
e gerenciados em muitas empresas de diversos setores.
Ainda não é o bastante? Podemos encontrar empresas que usam o serviço de
auditores independentes para verificar periodicamente a objetividade desses
modelos estatísticos. Entretanto, precisamos começar a pensar nos clientes como
o principal patrimônio gerador de receita, e precisamos de princípios contábeis
que permitam aos investidores avaliar quão bem a empresa está administrando esse
patrimônio.
Presos no século 20
Infelizmente, os novos padrões do FASB não farão nada para aliviar a crise do
imediatismo, que tem incentivado tantas decisões ruins nas últimas décadas. Em
vez de reportarem um único número que representa o lucro, talvez as empresas
passem a reportar diferentes tipos de resultados financeiros, mas estes
continuam sendo relativos ao período corrente. Quase que por definição, essas
métricas continuarão encorajando os tomadores de decisão a destruir o valor de
longo prazo quando for necessário aumentar o sucesso atual.
Uma vez que os novos princípios contábeis para as empresas americanas
significarão reescrever os livros contábeis e treinar novamente milhares de
contadores, não seria tempo de estabelecer princípios que sejam realmente úteis
para os investidores do século 21? Precisamos de métricas financeiras que ajudem
a um investidor escolher entre duas empresas que têm um sucesso semelhante no
período atual – mesmo que seja reportado de maneiras diferentes – quando uma das
empresas estiver “canibalizando” o futuro para manter esses números, enquanto a
outra tem a capacidade de manter os resultados e ainda construir ativo em
clientes (customer equity) para assegurar um sucesso mais duradouro.