Defenda-se - Fraudes: Corrupção no Setor Público
Introdução ao
fenômeno "Corrupção"
As fraudes no setor público podem ser facilmente
equiparadas, conceitualmente, com as fraudes internas nas grandes empresas.
Em ambas são fatores recorrentes, determinantes e fundamentais, a existência de
oportunidades, a corrupção e o conflito de interesses.
Por esta razão muitos dos métodos aplicados no combate às fraudes internas
também servem, ou melhor serviriam, se fossem aplicados, para o combate às
fraudes no setor público.
Existem, porém, algumas características peculiares do setor público e sobretudo
existem algumas medidas de combate à fraudes, e conseqüentemente à corrupção e
conflitos de interesses, que são especialmente aplicáveis ao setor público.
Uma destas é a transparência na administração e a divulgação e acesso público as
informações.
Medidas que na indústria privada não são viáveis, por problemas de concorrência
e/ou segredos industriais ou comerciais, no setor público são perfeitamente
viáveis e até desejáveis.
Não existe no setor público justificativa válida para não se ter transparência,
para ocultar dados de públicas administrações e nem para impedir o acesso
simplificado a este tipo de informações por parte de representantes da sociedade
(por exemplo os meios de imprensa).
Dados que deveriam ser sistematicamente divulgados e cujo acesso deveria ser
simples e irrestrito em todos os níveis (municipal, estadual, federal,
repartições e entidades...):
1) arrecadação (impostos, taxas, cobranças, direitos, empréstimos, lucros
etc...).
2) despesas (salários, alugueis, contas, serviços, obras, juros, pagamentos
etc...).
3) resultados (serviços prestados, trabalhos realizados, obras executadas
etc...).
4) produtividade (índices comparáveis e comparativos de custo, eficiência e
produtividade por cada setor).
Outro ponto relevante são os sistemas de compra ou contratação de serviços e
obras utilizados pelas repartições públicas. O sistema ideal é, provavelmente,
por leilão ou licitação com menor preço, mas com um sistemas de controle,
divulgação dos dados e resultados e transparência superiores aos atuais.
Vale notar que os dados divulgados, para serem úteis, deveriam ser formatados de
forma a serem legíveis. Atualmente é possível se ter acesso a maioria dos dados
de gestão dos governos, mas formatados de forma tão técnica e obscura que
somente especialistas tem condição de extrair deles informações úteis.
Medidas para prevenção e combate
Não existe razão para a qual o setor público não possa ter
resultados e métodos comparáveis com o setor privado. Isso em termos de
eficiência, de custos, de produtividades e de administração.
Também não existem razões para que não possam ser implantadas, no setor público,
praticas de "Governança Corporativa" comuns no setor privado. Estas praticas
tem, reconhecidamente, entre seus resultados, o de reduzir sensivelmente as
fraudes e a corrupção interna e externa.
Como nas empresas privadas existem outras medidas saudáveis que deveriam ser
implantadas nos pontos sensíveis à fraudes. Algumas delas são:
a) rotatividade e compartilhamento de funções de decisão ou sensíveis.
b) auditorias freqüentes e independentes.
c) identificação e eliminação ou monitoramento dos pontos de risco.
d) comparação de dados de produtividade, e custos do mercado com os
alcançados.
Os processos cujo mau funcionamento favorece o aparecimento de fenômenos de
corrupção ou conflitos de interesses, podem, em linhas gerais, ser divididos em
duas grandes categorias: os institucionais e os administrativos.
Alguns exemplos de processos institucionais que propiciam a ocorrência de
corrupção no Brasil são:
- a negociação entre os executivos municipais, estaduais e federal e os
parlamentares em torno de emendas aos orçamentos para realização de obras
públicas, muitas vezes realizadas tendo em vista o futuro direcionamento das
licitações.
- a promulgação de projetos de lei que beneficiam setores ou grupos
econômicos, que assim ganham vantagem sobre seus concorrentes.
- o mecanismo de nomeação dos membros de Tribunais de Contas, órgãos
encarregados do controle das ações do Executivo, geralmente realizada sem
debate suficiente, o que muitas vezes leva à indicação de pessoas cujos
comprometimentos políticos prejudicam a independência de suas decisões.
- a criação de programas de intervenção do governo em setores privados com
finalidades teóricas de sustentação de empresas, mas que fatalmente terminam
beneficiando alguém em detrimento de outros.
- o loteamento político dos cargos das empresas estatais que faz com que
estes cargos acabem sendo uma fonte de renda para os "padrinhos" na forma de
favores ou benefícios que o "indicado" deverá prover.
- o fornecimento a poucos "amigos" de informações privilegiadas que possam
ser aproveitadas para realizar lucros em detrimento de concorrentes ou
mercados.
Quanto às falhas administrativas que levam à corrupção, elas são extremamente
variadas, mas podem-se citar os seguintes exemplos:
- a falta de racionalidade dos mecanismos tributários e de coleta de
impostos, o que facilita a ação individual de funcionários sem escrúpulos.
- a existência de rotinas administrativas que criam dificuldades e, assim,
propiciam a oportunidade de se venderem facilidades.
- a existência de mecanismos que permitam driblar as exigências de
transparência e controle nas contratações e nas despesas dos governos e
entidades públicas.
- a pouca transparência sobre as decisões do Estado, o que não apenas
dificulta a vigilância da sociedade e dos órgãos de imprensa, como desgasta
a eficiência da própria administração.
Por exemplo, no Brasil, o Judiciário, em especial o dos estados, é muito pouco
transparente, a ponto de ser considerado uma verdadeira "caixa preta".
Uma pesquisa da Kroll / Transparência Brasil em 2002 revelou que dos três níveis
de poder, a esfera municipal aparece como a mais contaminada.
Nesta mesma pesquisa foram levantados os seguintes pontos.
Os agentes públicos mais sujeitos a corrupção resultaram ser, na ordem :
- Policiais
- Fiscais tributários
- Funcionários ligados a licenças
- Parlamentares
- Funcionários ligados a licitações
- Agentes alfandegários
- Fiscais técnicos
- Primeiro escalão do executivo
- Funcionários de bancos oficiais
- Juizes
Entre os impostos mais sujeitos a fenômenos de corrupção (pedidos de propina)
foram indicados:
- ICMS (64% das empresas recebeu pedido de propina)
- ISS (41%)
- Trabalhistas/INSS (38%) etc...
Na lista do que os funcionários corruptos oferecem em troca de benefícios ou
dinheiro resultaram:
- Relaxamento de inspeções
- Agilização em processos administrativos ou burocráticos
- Suspensão de ameaças
- Ignorar valores não declarados
- Ignorar Fraudes
- Consultorias e aconselhamentos
- Cancelamento de multas
- Isenção de impostos e taxas
Por fim, foi apurado que, além do dinheiro, os corruptos podem pedir: empregos
para amigos e parentes, financiamento de campanhas políticas, presentes e
mordomias e outros tipos de benefícios.
As razões e fatores estratégicos de incentivo
Em 1999, o professor e articulista Stephen Kanitz escreveu algo muito
interessante:
"O Brasil não é um país intrinsecamente corrupto. Não existe nos genes
brasileiros nada que nos predisponha à corrupção, algo herdado, por exemplo, de
desterrados portugueses.
A Austrália, que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de
corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário. Nós brasileiros não
somos nem mais nem menos corruptos que os japoneses, que a cada par de anos têm
um ministro que renuncia diante de denúncias de corrupção.
Somos, sim, um país onde a corrupção, pública e privada, é detectada somente
quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou
alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria.
As nações com menor índice de corrupção são as que têm o maior número de
auditores e fiscais formados e treinados. A Dinamarca e a Holanda possuem 100
auditores por 100.000 habitantes. Nos países efetivamente auditados, a corrupção
é detectada no nascedouro ou quando ainda é pequena. O Brasil, país com um dos
mais elevados índices de corrupção, segundo o World Economic Forum, tem somente
oito auditores por 100.000 habitantes, 12.800 auditores no total. Se quisermos
os mesmos níveis de lisura da Dinamarca e da Holanda precisaremos formar e
treinar 160.000 auditores..."
Mesmo que possa não ser correto aplicar as proporções numéricas da maneira
indicada neste artigo, é um fato que substancialmente as afirmações do Prof.
Kanitz tem bastante fundamento.
É um erro muito comum, e não somente entre os políticos, adotar o discurso
demagógico e moralista em relação a corrupção. Se ouve com freqüência que é uma
falha humana de alguns indivíduos, que é um problema de educação ou de cultura.
Isso tudo pode até ter algum fundo de verdade mas a realidade é que a corrupção
acontece porque existe a oportunidade dela acontecer. Como nas fraudes internas
das empresas, onde existem oportunidades e um ambiente propício às fraudes elas
acontecem, assim quando existem oportunidades e um ambiente propício à
corrupção, ela acontece. Independente do país, da educação ou da cultura.
O famoso ditado "a ocasião faz o ladrão", neste caso, se aplica perfeitamente.
Um interessante exercício a se fazer, para respaldar este conceito, é a
comparação, para o ano de 2004 (por exemplo), do índice de "percepção da
corrupção" da Transparency Internacional com o relatório sobre educação mundial
da UNESCO, de onde se pode deduzir que mesmo países com elevado grau de educação
da população, como a Rússia ou a Polônia, mas com muitas "oportunidades"
abertas, tem graus de corrupção até piores que o Brasil.
Para se combater a corrupção é importante sim a educação mas é muito mais
importante eliminar as oportunidades e criar um ambiente muito hostil a
corrupção e aos corruptos.
O ambiente propício à corrupção existe também em função de uma serie de outros
fatores coligados. A existência difusa de caixa dois nas empresas é um deles. O
dinheiro oriundo da sonegação fiscal ou de outras formas de "caixa dois", ou pra
usar um termo na moda "dinheiro não contabilizado", freqüentemente alimenta a
corrupção, pode ser usado para pagar propinas à políticos, financiar campanhas,
corromper funcionários públicos e para obter vantagens e benefícios em operações
de vários tipos.
A existência de um ambiente propício à corrupção, neste caso, pode se ver no
fato que a organização do estado propícia e existência de caixa dois criando
mecanismos de fuga da punição (por exemplo, acordos para pagamento parcelado de
dívidas fiscais, que extinguem os processos criminais) ao mesmo tempo em que faz
leis para punir o sonegador.
A criação de um ambiente hostil à corrupção se faz, pra começar, analisando as
operações e os pontos de risco de cada instituição e depois tomando todas as
medida preventivas e inibitórias necessárias para eliminar ou pelo menos reduzir
grandemente a possibilidade de corrupção nos pontos de risco detectados.
Do outro lado se faz eliminando e inibindo sistematicamente as oportunidades que
os potenciais corruptores tem de juntar e utilizar dinheiro "não contabilizado".
Isso, vale ressaltar, passa também por uma inevitável simplificação e amenização
das cargas tributárias.
É óbvio que não se trata de um trabalho simples e nem rápido mas, querendo
iniciar a combater o problema com seriedade, é provavelmente o único caminho a
seguir pois a educação sozinha, mesmo existindo, comprovadamente não é
suficiente.
Na área reservada do site se encontram ainda recomendações das entidades
especializadas, roteiro completo de medidas anti fraudes e corrupção para
públicas administrações, cases, links e outro material relevante no combate às
fraudes no setor público.
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