“Aparentar ter competência é tão importante quanto a
própria competência.”(Chuck Lieppe)
Primeiro foi a Enron, gigante do setor energético e 7ª maior empresa dos EUA
em faturamento, arrastando consigo a Arthur Andersen, uma das “Big Five” em
consultoria e auditoria no mundo. Depois veio a WorldCom, 2ª maior operadora de
telefonia a distância no país de Tio Sam, acionista com 25% de participação na
verde-amarela Embratel. Agora somos surpreendidos, nós e mais 36.000
funcionários em 30 países, pela insolvência de uma multinacional reconhecida
pela qualidade de seu leite, sucos, biscoitos, molhos e derivados. O elefante,
não é mais, fã de Parmalat.
Maquiar balanços contábeis não virou moda. Sempre foi. Empresas fraudam,
executivos mentem, auditores omitem, analistas recomendam. Como diz o velho
adágio popular, papel aceita tudo.
O mundo de Narciso
Vivemos num mundo governado pela ditadura da imagem. O triunfo da estética sobre
a moral. Não são apenas as empresas encasteladas em suntuosas sedes, dotadas de
marcas, logos e slogans cativantes, com suas campanhas publicitárias
milionárias, seus demonstrativos financeiros reluzentemente azuis, suas
estratégias comerciais expansionistas e suas políticas de incentivo que
convertem, por decreto, “recursos humanos” em “talentos humanos” – até que a
cortina de fumaça seja desanuviada –, que logram a sociedade.
O mundo de Narciso afeta as pessoas como as corporações. Você é tão belo quanto
seus trajes e seu último corte de cabelo possam sinalizar. Tão bom quanto a
procedência dos diplomas e a fluência em inúmeros idiomas possam indicar. Tão
valorizado quanto a competência demonstrada e os resultados apresentados possam
parecer.
Em tempos passados, ocasião que meus olhos não se atrevem a enxergar, a
“embalagem” era menos representativa. As empresas eram aquilo que produziam. As
pessoas eram o que demonstravam. A palavra valia tanto que bastava limitar-se ao
“fio do bigode”. Éramos mais essência. E mais essenciais.
Os tempos modernos trouxeram a velocidade da comunicação, o excesso de
informação, a imprescindibilidade dos contratos. Estradas mais largas, carros
mais rápidos pelo preço de imóveis, em trânsitos mais congestionados e caóticos.
Condutores perfumados com fragrâncias que custam o equivalente a três salários
mínimos, vestindo ternos de valor similar a um ano de serviço árduo de um
trabalhador braçal.
Houve uma época na qual os preços eram formados para remunerar custos e
proporcionar uma margem de lucro. Havia mais oferta do que demanda. A equação
inverteu-se e o preço passou a ser ministrado por esta entidade denominada
consumidor. Hoje, preços são dados por pedaços minúsculos de tecido chamados
etiqueta, marcas grafadas nas hastes de óculos, grifes estampadas no visor e na
pulseira de relógios.
O mundo de Quimera
Por extensão, nossos relacionamentos pessoais espelham este mundo midiático que
nos cerca. Como nos ensina um provérbio russo, “Não amamos as pessoas porque
elas são bonitas, mas porque nos parecem bonitas porque as amamos”. O segredo da
conquista é, singelamente, contemplar a fantasia.
O poeta francês André Breton dizia: “O que a gente esconde é mais ou menos o que
os outros descobrem”. Bem adequado para quem escreveu o Manifesto Surrealista...
Balanços fraudados, currículos forjados, amores burlados. Vidas vividas na
ilusão, imaginadas como devaneios à luz de uma quimera.
A Quimera era um monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda
de dragão. Imagem nada agradável. Imagem que, mais cedo ou mais tarde,
materializa-se, ao cair do véu da percepção que não carrega consigo conteúdo,
sinceridade e paixão.