Investidor aplica em um único fundo e pode ter títulos públicos, crédito
privado, ações, câmbio e derivativos em sua carteira
Bolsa de valores: renda variável potencializa a rentabilidade dos multimercados
Não colocar todos os ovos na mesma cesta. Eis o valioso conselho dos
especialistas em finanças pessoais quando o assunto é investir. Quem tem
experiência em aplicações e algum capital acumulado já pode começar a pensar na
diversificação da carteira. Segundo especialistas, uma boa opção são os fundos
multimercados que, por sua própria natureza, são bastante sortidos em matéria de
ativos, rentabilidade e riscos. De modo geral, no entanto, são voltados para
quem quer ter rendimentos maiores que o da renda fixa, mas podem exigir um prazo
de aplicação maior para que esses resultados apareçam.
Como o próprio nome diz, os fundos multimercados têm múltipla personalidade:
aplicam em papéis tão distintos quanto títulos de renda fixa, ações, derivativos
e câmbio (saiba mais sobre cada um desses ativos na página 2). Embora o risco e
o retorno variem de acordo com a composição da carteira, esses fundos são
normalmente mais arriscados e rentáveis do que os de renda fixa e os
referenciados. Um multimercado bem-sucedido, por exemplo, pode chegar a uma
rentabilidade de mais de 50% ao ano, enquanto que um de renda fixa não varia
muito e dá um retorno de pouco mais de 10% ao ano. Mas como operam ativos com
alta volatilidade, sempre há o risco de amargar perdas acentuadas no curto prazo
com os multimercados.
Diferentes ativos, diferentes estratégias, diferentes graus de risco,
diferentes perfis de investidor. Não existe uma definição precisa de como devem
ser os cotistas desses fundos, mas é melhor que não sejam marinheiros de
primeira viagem. "São investidores que começam a querer diversificar e buscam um
pouco mais de rentabilidade. Podem estar, por exemplo, insatisfeitos com o
retorno dos seus investimentos em renda fixa, mas não querem colocar um risco
muito forte na carteira", esclarece o superintendente de investimentos de renda
variável do Banco Santander, Alexandre Silvério.
Por aplicarem em ativos de grande volatilidade no dia a dia, os fundos
multimercados também são desaconselháveis para quem não pode arcar com
resultados negativos no curto prazo. Quem precisa comprar um imóvel em breve ou
terminar de pagar uma dívida não deve investir seus recursos num fundo desse
tipo pois tem pouco tempo para fazê-los render - o que torna a decisão
arriscada. O ideal, nesses casos, são os fundos mais conservadores, de renda
fixa ou DI. "No longo prazo, no entanto, os multimercados estão entre os fundos
mais rentáveis, se tornando boas opções para quem quer aumentar e acumular o
patrimônio", explica Marcelo Figueiredo, superintendente de alocação de recursos
do Banco Fator.
Mas os especialistas alertam que um investidor experiente e cauteloso deve se
cercar de todos os lados e não abrir mão de aplicações conservadoras quando se
aventura pelos fundos mais arriscados. "Mesmo o investidor arrojado tem que ter
uma posição conservadora para possíveis necessidades de curto prazo", diz
Antônio Cássio Segura, gerente executivo da área de varejo do Banco do Brasil. O
especialista sugere que uma parcela do patrimônio - de 30% a 70%, dependendo do
perfil do investidor - deve permanecer aplicado em fundos mais conservadores
para emergências, como uma doença na família, ou para planos de curto prazo,
como uma viagem nas próximas férias.
O executivo do BB também faz alguns alertas. Só se deve começar a
diversificar os investimentos quem já criou um "colchão de liquidez" - ou, mais
precisamente, uma reserva de ao menos 20.000 reais. Também não é bom ficar
migrando os recursos de um fundo para outro com frequência porque a alíquota do
Imposto de Renda diminui na proporção do tempo em que o investidor deixa
aplicado o seu dinheiro num mesmo fundo. Por isso, a diversificação deve ser bem
estudada.
Especialistas também afirmam que o fundo multimercado pode ser uma maneira
inteligente de diversificar o dinheiro para quem tem poucos recursos. Dividir
25.000 reais em cinco fundos diferentes, por exemplo, deverá fazer com que o
aplicador pague taxas altas de administração em todos eles. Já se os recursos
ficarem concentrados em um único fundo multimercado que já oferece uma
estratégia de diversificação pronta, o aplicador poderá ter acesso a um fundo
melhor com um custo menor. "As taxas de administração dos fundos com tíquetes de
entrada mais baixos são maiores. Pode não valer a pena. Às vezes é melhor
esperar e poupar o dinheiro suficiente para investir num fundo de tíquete mais
alto", explica Segura.
Múltiplos graus de risco
Os fundos multimercados podem atuar no mercado de juros, de câmbio ou na
bolsa. No primeiro, normalmente investem em títulos públicos pós-fixados
indexados à inflação ou prefixados, além de outros contratos futuros de juros e
derivativos envolvendo índices de inflação, como o IPCA. No mercado cambial, os
instrumentos são contratos futuros dólar-real ou atrelados a outras moedas de
alta liquidez, como euro e libra. E na bolsa, operam tanto ações à vista quanto
contratos futuros.
Por fazerem operações com derivativos (caso dos contratos futuros), pode
parecer, à primeira vista, que os fundos multimercados são extremamente
arriscados. Mas, na verdade, essas operações têm, na maioria das vezes, função
de proteger a carteira, o chamado hedge. Isso porque, quando faz uma
operação desse tipo, o gestor negocia a compra ou venda de um ativo no futuro a
um preço vantajoso para o fundo, baseado na expectativa em relação ao valor
daquele ativo na data de vencimento. Assim, se os gestores acertam a previsão, o
fundo consegue ganhar.
Mas os fundos multimercados apresentam riscos bastante distintos apesar de
fazerem parte da mesma categoria. Em geral, os multimercados possuem uma
volatilidade maior que os fundos DI e os de renda fixa. Em relação aos fundos de
ações, podem ser mais ou menos arriscados, dependendo da composição da carteira.
Fundos multimercados podem ter perdas reais, enquanto que fundos de ações que
aplicam em papéis de empresas grandes, rentáveis e duradouras costumam ser
rentáveis no longo prazo apesar da eventual volatilidade no curto prazo.
De fato, o que influencia o risco de um fundo multimercados é uma combinação
de fatores. Um deles é a possibilidade ou não de alavancagem, isto é, de perdas
maiores do que o patrimônio do fundo. Um fundo está alavancado quando coloca a
risco, em geral como garantia de um contrato derivativo, um valor maior que o
seu patrimônio. Isso normalmente é feito com objetivo de proteção, mas pode
tornar o retorno - ou o prejuízo - bem maior. O fundo também pode estar
alavancado "mais de uma vez", o que potencializa possíveis perdas.
A maior parte dos fundos multimercados admite alavancagem, com exceção dos
balanceados, muito usados para fins de previdência complementar. "Fundos que
priorizam renda fixa são, em geral, menos arriscados. Mas se tiverem grau de
alavancagem alto, podem ter mais chances de perda do que os que operam renda
variável com alavancagem menor", exemplifica Alexandre Silvério, do Santander.
Outro fator que afeta o risco é a composição da carteira. "Alguns fundos
multimercados são relativamente conservadores, nunca ficam negativos", diz
Marcelo Figueiredo, do Banco Fator. Um fundo que aplica mais em ativos de renda
fixa de baixo risco, por exemplo, é mais conservador do que aquele que prioriza
títulos de crédito privado ou renda variável. Fundos bem diversificados também
estão, em geral, mais protegidos contra grandes perdas do que aqueles que
concentram seus recursos em alguns poucos ativos. "A diversificação protege a
carteira", completa Figueiredo.
Desempenho e custos
"A performance positiva dos fundos multimercados está atrelada a cenários
econômicos mais otimistas. Os cenários de crise são avessos a risco. Uma
economia aquecida dá mais oportunidades para esses fundos", esclarece George
Ohanian, professor de finanças do Isnper/Ibmec. No entanto, gestores habilidosos
e carteira bem diversificada podem acabar driblando as armadilhas do mercado e
protegendo os investimentos contra grandes perdas.
Alguns cenários econômicos, no entanto, podem beneficiar mais um tipo de
fundo multimercado do que outros. Por exemplo, quando a volatilidade está baixa,
e o mercado caminha numa direção muito clara, fundos de estratégia
macrodirecional - ou seja, aqueles cujos gestores apostam em tendências -
costumam se dar melhor. Mas quando o mercado não tem uma direção clara, com
grandes variações na bolsa e no câmbio, fundos de arbitragem, como os long and
short, saem ganhando. Isso porque seus gestores apostam na distorção de preços
de ativos, ou seja, têm rentabilidade com ativos que oscilam muito e tendem a
voltar a seu preço normal.
Devido à complexidade de operação de um fundo multimercados, seus gestores
devem ter grande habilidade para fazer a melhor alocação dos recursos dos
cotistas no momento mais propício. Por isso, as taxas de administração desses
fundos costumam ser mais altas que os de renda fixa e referenciados, com uma
média em torno de 2% ao ano. "Aplicar em um fundo multimercados depende do
quanto você acredita na capacidade do gestor. Parte-se o pressuposto de que ele
vai acertar mais do que errar", analisa Renato Ramos, um dos diretores de
investimentos do HSBC (saiba
mais sobre as taxas cobradas pelos fundos).
Embora não se balizem por um único indicador, os multimercados normalmente
cobram também taxa de performance em cima do CDI. O mais comum é que 20% do
ganho acima do CDI fique com o gestor. "Essa é uma das grandes controvérsias do
mercado, pois o CDI não é o melhor índice para explicar a rentabilidade de um
multimercado", diz Marcelo Figueiredo, do Fator. O especialista explica que,
para checar o desempenho de um fundo desse tipo é importante levar em conta
outros indicadores, além da rentabilidade de seus investimentos ao longo do
tempo e em relação ao restante do mercado. "Por isso é importante o investidor
conversar bastante com os especialistas", diz.
Além das taxas, também pesam no bolso do investidor o Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) e o Imposto de Renda (IR). No entanto, o primeiro só é cobrado
quando os resgates são feitos em um período inferior a trinta dias ou antes do
fim do prazo de carência do fundo, se houver, com base em uma tabela regressiva
que vai de 96% a 0% sobre o rendimento. Ou seja, fazer o resgate antes de um mês
de aplicação pode corroer boa parte do ganho do investidor.
Já o IR é recolhido no último dia útil dos meses de maio e novembro e no
momento do resgate. A cobrança é feita com base em uma tabela regressiva que
varia de 22,5% a 15%, sendo a primeira alíquota válida para as aplicações com
até 180 dias e a última válida para aquelas superiores a dois anos. Isso acaba
incentivando a aplicação de longo prazo, pois quanto mais tempo o dinheiro fica
investido, menos o investidor paga de imposto.
Expansão
Os fundos multimercados vêm se popularizando no Brasil nos últimos anos,
concentrando em torno de 25% do patrimônio líquido total da indústria. Isso já é
quase equivalente ao percentual investido em renda fixa. Ao mesmo tempo, a
indústria tem observado uma redução da participação relativa dos fundos mais
conservadores - DI e renda fixa - historicamente preferidos pelos brasileiros. E
especialistas do setor esperam um crescimento da participação de fundos mais
sofisticados como o multimercados para os próximos anos.
"A tendência de buscar renda fixa e DI no Brasil tem vinte anos. O brasileiro
vem calejado de crises sucessivas. Mas a procura por produtos mais sofisticados
deve crescer", explica Demósthenes Pinho Neto, vice-presidente da Associação
Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Ele
admite que o brasileiro não tem, em geral, tendência a assumir grandes riscos.
Mas, ainda assim, o mercado trabalha com a possibilidade de queda na taxa de
juros no longo prazo, o que favorece o setor produtivo e, consequentemente, a
migração de recursos para fundos que operam renda variável.
As tendências mostram que o mercado e o investidor brasileiros estão um pouco
mais maduros. De um lado, os fundos multimercados vêm se sofisticando, com a
oferta de mais instrumentos, o que inclusive encarece as taxas de administração.
Cada vez mais empresas abrem seu capital na bolsa, o crédito privado está se
popularizando e já é possível investir em fundos no exterior. Por outro lado, o
brasileiro está estabelecendo uma visão de longo prazo ao investir. Durante a
crise de 2008, por exemplo, foi o varejo que segurou a Bolsa, pois não houve
fuga em massa dessa categoria. "O investidor brasileiro está mais instruído, e a
indústria de fundos tem se preocupado em orientá-lo. Cada vez mais o investidor
entende esses produtos sofisticados", acredita Alexandre Silvério, do Santander.
Tipos de fundos multimercados
A Anbima classificou os fundos multimercados segundo as estratégias adotadas
pelos gestores para atingir os objetivos. De forma geral, a maioria dos fundos
dessa categoria se encaixa, no entanto, nas classificações macro e
multiestratégia. Conheça a seguir a definição da Anbima para cada classe:
Multimercados Macro - Fundos que realizam operações em diversas classes de
ativos (renda fixa, renda variável, câmbio, etc.) definindo as estratégias de
investimento baseadas em cenários macroeconômicos de médio e longo prazo,
atuando de forma direcional. Admitem alavancagem.
Multimercados Multiestratégia - Fundos que podem adotar mais de uma
estratégia de investimento, sem o compromisso declarado de se dedicarem a uma em
particular. Boa parte dos grandes fundos se encaixa nessa classificação. Admitem
alavancagem.
Multimercados Trading - Fundos que concentram as estratégias de
investimento em diferentes mercados ou classes de ativos, explorando
oportunidades de ganhos originados por movimentos de curto prazo nos preços dos
ativos. Admitem alavancagem.
Multimercados Multigestor - Fundos que têm por objetivo investir em mais de
um fundo geridos por gestores distintos. A principal competência envolvida
consiste no processo de seleção de gestores. Admitem alavancagem. São os Fundos
de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento (FICFIs), também conhecidos
como "fundos de fundos".
Multimercados Juros e Moedas - Fundos que buscam retorno no longo prazo
através de investimentos em ativos de renda fixa, admitindo-se estratégias que
impliquem risco de juros do mercado doméstico, risco de índice de preço e risco
de moeda estrangeira. Excluem-se estratégias que impliquem em risco de renda
variável (ações etc.). Admitem alavancagem.
Multimercados Estratégia Específica - Fundos que adotam estratégia de
investimento que implique riscos específicos, tais como commodities ou futuro de
índice. Admitem alavancagem.
Long and Short Neutro - Fundos que fazem operações de ativos e
derivativos ligados ao mercado de renda variável, montando posições compradas e
vendidas, com o objetivo de manterem a exposição neutra ao risco do mercado
acionário. Isso significa que não importa se a bolsa vai cair ou subir para o
sucesso da estratégia. Os recursos remanescentes em caixa devem ficar investidos
em operações permitidas ao tipo Referenciado DI. Admitem alavancagem.
Long and Short Direcional - Fundos que fazem operações de ativos e
derivativos ligados ao mercado de renda variável, montando posições compradas e
vendidas. O resultado deve ser proveniente, preponderantemente, da diferença
entre essas posições. Os recursos remanescentes em caixa devem ficar investidos
em operações permitidas ao tipo Referenciado DI. Admitem alavancagem.
Balanceados - Fundos que buscam retorno no longo prazo através de
investimento em diversas classes de ativos (renda fixa, ações, câmbio, etc.). Em
outras palavras, balanceiam investimentos em renda fixa e variável, mantendo um
percentual quase fixo de cada "lado". Estes fundos utilizam uma estratégia de
investimento diversificada e deslocamentos táticos entre as classes de ativos ou
estratégia explícita de rebalanceamento de curto prazo. Devem ter explicitado o
mix de ativos (percentual de cada classe de ativo) com o qual devem ser
comparados. Assim, esses fundos não podem ser comparados a indicador de
desempenho que reflita apenas uma classe de ativos (por exemplo: 100% CDI). Não
admitem alavancagem. Produto interessante para previdência complementar.
Capital Protegido - Fundos que buscam retornos em mercados de risco
procurando proteger parcial ou totalmente o principal investido.