Estudo da gestora de recursos Rio Bravo mostra por que quem investe em ações de
empresas que estão chegando à bolsa costuma se dar mal
Ações da BM&F sofreram "underpricing", uma desvantagem para investidores
Ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) são um grande negócio para
o dono da empresa que vende os papéis, para os bancos de investimento que
assessoram as operações e para a BM&FBovespa. Para o investidor, no entanto,
apostar em uma estreante da bolsa costuma ser um péssimo negócio no Brasil,
segundo estudo da gestora Rio Bravo. A maioria das empresas
brasileiras que abriu seu capital entre 2004 e 2008 viu suas ações acumularem
desempenho inferior ao do Ibovespa. Na raiz do desempenho ruim, estariam
conflitos de interesse entre bancos coordenadores de IPOs, empresas e
investidores.
Das 110 empresas analisadas, apenas 24% tiveram retorno excedente ao
Ibovespa. Já as perdas superaram 50% em alguns casos. Entre os bancos
coordenadores de IPOs, os que acumularam os piores resultados foram o JPMorgan e
o Morgan Stanley. Cada um coordenou cinco IPOs, cujos desempenhos ficaram, em
média, 21% e 22% abaixo do Ibovespa a cada ano. O único banco que apresentou um
resultado positivo para os IPOs que coordenou foi o Itaú BBA. Mesmo assim, suas
sete ofertas iniciais tiveram, no total, um retorno anual apenas 1% maior que o
do Ibovespa.
De acordo com o coordenador do estudo e analista de investimentos em renda
variável da Rio Bravo, Fernando Bevilacqua e Fanchin, não é que os investidores
devam abolir as ações de IPOs de suas carteiras. O estudo, pelo contrário,
defende que a abertura de capital das empresas é essencial para o
desenvolvimento econômico do país. No entanto, o investidor precisa observar com
maior atenção se a empresa apresenta sólido histórico de resultados e tem
potencial de gerar bons retornos.
"Preciso ter em mente que, quando eu compro uma ação, estou me tornando sócio
de um negócio. Ele deve ser competitivo, rentável, com boas perspectivas no
mercado. Além disso, a ação deve ter um preço justo", explica o analista. "E o
investidor também deve estar atento aos conflitos de interesse envolvidos
naquele IPO'', conclui.
5 razões para ficar fora
O principal motivo para o mau desempenho dos IPOs brasileiros estaria
relacionado ao preço e ao volume elevados das ofertas de ações iniciais. Nos
IPOs, os bancos de investimento são responsáveis por propor uma faixa indicativa
de preço para as ações condizente com seu tamanho e potencial de crescimento. A
faixa é estabelecida pelo banco após meses de profunda análise do negócio.
O preço, no entanto, é formado a partir das propostas de compra apresentadas
pelos investidores (bookbuilding). Só que os gestores de fundos e
pequenos aplicadores não têm tanto tempo para avaliação nem tanto acesso à
informação quanto os bancos para concluir se uma ação está barata ou cara. Como
os bancos têm interesse em jogar o preço da ação para cima - porque isso vai
aumentar a taxa cobrada pela assessoria da operação -, o investidor correrá um
belo risco de pagar caro e depois amargar um prejuízo.
Mas o maior problema seriam os mecanismos usados para "inflar" os balanços
das empresas e premiar os bancos. Um desses mecanismos é o pre-IPO financing,
empréstimo que as empresas fazem junto aos bancos para reforçar seus balanços e
deixar a emissão mais atrativa para o investidor. Não há nada de errado com o
financiamento da empresa por si só.
O problema, segundo a Rio Bravo, é quando ele é determinante para torná-la
apta a estrear na bolsa. "Sem esse financiamento, a companhia possivelmente não
abriria seu capital", diz o estudo. Para o investidor, essa prática representa
um enorme risco. Estudo dos acadêmicos da USP Rafael Santos, Alexandre Silveira
e Lucas Barros constatou que as empresas que utilizaram o pré-IPO financing para
chegar à bolsa entre 2004 e 2007 valiam, em média 64% menos um ano depois do
lançamento dos papéis.
Em alguns casos, esse tipo de financiamento vem acompanhado de outro
mecanismo, chamado equity kicker - um prêmio que o banco recolhe sobre
a variação do valor da companhia antes e depois do IPO, o que incentiva ainda
mais ofertas iniciais com valor elevado. Com esse mecanismo, o banco se
apropriaria da valorização da empresa no período pré-IPO. "Por misturar os
papéis do banco de intermediário e principal na mesma transação, esta é a mãe de
todos os conflitos de interesse", afirma o estudo da Rio Bravo.
Embora não tenha sido possível traçar uma relação consistente entre o mau
desempenho das ofertas iniciais de ações e o pre-IPO financing com
equity kicker devido ao tamanho reduzido da amostra, das seis companhias
que utilizaram esses mecanismos, apenas uma teve retorno acima do Ibovespa. De
acordo com Fernando Bevilacqua e Fanchin, a remuneração dos bancos por comissão
parece ser inevitável por falta de uma maneira melhor de recompensá-los. Mas o
investidor deve, ainda assim, ficar atento a esses outros mecanismos ao analisar
ofertas iniciais de ações.
"Esses conflitos de interesses já são bem conhecidos em outros países. Existe
uma influência negativa desse tipo de mecanismo no desempenho das ações, com uma
atuação provavelmente menos isenta do banco. A partir do momento em que o banco
está incentivado a ganhar de outras maneiras que não apenas com as comissões,
também fica incentivado a fazer ofertas caras, pouco interessando se aquele
ativo é bom ou não", diz o analista.
Empresas pré-operacionais
O terceiro motivo para ficar fora de um IPO não envolve os bancos de
investimento, mas a própria empresa vendedora dos papéis. A Rio Bravo constatou
que é necessária muita cautela quando o IPO é realizado por uma empresa
pré-operacional - isto é, que ainda não produziu resultados. O mais seguro
quando se aposta em um IPO é procurar uma empresa de longo e sólido histórico.
Embora o tamanho reduzido da amostra também não tenha permitido a formação de
uma estatística consistente nesse sentido, o estudo da Rio Bravo mostra que, das
sete empresas pré-operacionais que abriram o capital entre 2004 e 2008, apenas
duas - a MMX e a OGX, do empresário Eike Batista - tiveram retorno acima do
Ibovespa. O pior resultado da amostra total da pesquisa, aliás, foi de uma
empresa que era pré-operacional, a Ecodiesel, cujo retorno ficou 62% abaixo do
Ibovespa.
"Nós achamos inseguro investir numa empresa que não tem histórico, pois não
temos como saber se o projeto vai de fato acontecer ou se a empresa vai dar
certo ou não. Principalmente para o investidor pessoa física é um grande risco
investir em um negócio que ainda é apenas um plano", avalia o coordenador do
estudo. Para ele, receber o investimento de um fundo de private equity
seria o caminho mais natural para que essas empresas primeiro se tornassem aptas
a abrir o capital para só depois acessar a bolsa.
O quarto problema identificado pela Rio Bravo é o viés do relatório de início
de cobertura da empresa feito pela corretora do banco coordenador. A maioria dos
relatórios publicados poucas semanas depois dos IPOs de 2004 a 2007 recomendava
"compra" dos papéis da empresa que acabava de chegar à bolsa, com potencial
médio de valorização de 56% para as ações. "A maior parte dos analistas
equivocou-se sensivelmente em suas projeções de retorno", diz o relatório da Rio
Bravo.
"Parte desses equívocos pode ser explicada pela abrupta mudança nas condições
macroeconômicas provocadas pela crise financeira de 2007/2008. Poucos esperavam
uma desvalorização tão expressiva das bolsas mundiais. Este fato, porém, não é
suficiente para invalidar a seguinte conclusão: tomar decisões de investimento
com base em relatórios de início de cobertura não parece ser prudente", escreve
o analista Fernando Bevilacqua e Fanchin.
O último problema dos IPOs é um fenômeno conhecido como "underpricing"
- ou a diferença percentual entre o preço de fechamento da ação no primeiro dia
de negócios e o valor inicial da oferta. Em geral, o "underpricing" é
maior sempre que há muita demanda por determinadas ações. Nesses casos, para
conseguir todos os papéis que reserva no IPO, o investidor é obrigado a propor a
compra da ação por um preço bastante elevado. Nos primeiros dias de negócio, é
comum que a ação suba ainda mais e gere lucros para o investidor. Foi o que
aconteceu nas ofertas iniciais de BM&F, Bovespa e Redecard. No longo prazo, no
entanto, o mercado volta à racionalidade, e papéis que saíram caro acabam
oferecendo retornos pouco interessantes a quem os comprou.
Tantos problemas levaram a uma retração significativa no mercado de IPOs
neste ano. Diversas empresas já cancelaram ofertas planejadas. No entanto, ainda
parece cedo para dizer que os bancos de investimentos sacrificaram o crescimento
de longo prazo ao embolsar lucros gordos entre 2004 e 2008. Apesar de mais
seletivos, os próprios investidores precisam de mais opções de investimento. A
BM&FBovespa possui 452 empresas listadas, contra 3.650 companhias abertas na
Índia, 2.560 no Reino Unidos e 1.760 na China. Essa diferença precisa diminuir
para que os investidores brasileiros possam parar de "pescar em um lago
pequeno", diz a Rio Bravo.