Rápido. Tudo tem acontecido muito rápido e as mudanças impostas pelas
invisíveis leis do alto desempenho recaem cada vez mais intensas sob os ombros
de muitas famílias. Participar dos momentos familiares, educar os filhos para a
cidadania, praticar exercícios, sustentar hábitos saudáveis, destacar-se no
trabalho e ainda manter uma vida social satisfatória parecem atividades
impossíveis de serem realizadas de forma complementar. Para muitos, são mesmo.
A verdade é que ninguém gostaria que fosse assim, mas, ao mesmo tempo, poucos
desligam o piloto automático por alguns instantes e se concentram em avaliar sua
situação pessoal e profissional de forma séria, determinante. Prioridade. Esta é
a palavra-chave ignorada por muitos e que gera infindáveis discussões a respeito
de carreira, dinheiro e prosperidade. Tais debates, sempre desgastantes, trazem
a você meu desabafo.
Afinal de contas, é de se esperar que alguém equilibrado, coerente, afirme
que sua prioridade é a qualidade de vida, a família e seus filhos. Não é. Estes
são, cada vez mais, apenas pretextos para desafios profissionais cada vez
maiores, mais complicados e exigentes. Está claro que trabalhar é mais do que
uma opção, é um estilo de vida e uma necessidade. Trabalhar demais, no entanto,
é uma escolha.
O desafio de viver!
Confesso que abordar este assunto gera um certo desconforto. Tudo
porque temos como modelo de sucesso empreendedores, profissionais e celebridades
viciadas em trabalho, com famílias destroçadas, pouquíssimos amigos e muito
pouco tempo de lazer. Também porque certas famílias evitam tratar de tais
problemas, o que significaria mexer na sua zona de conforto.
Na era da comunicação, que ironia, presenciamos cada vez mais casamentos
"remotos". O marido aqui, a esposa e os filhos lá e um fim de semana para os
momentos familiares. Alguns casais amigos meus afirmam, categoricamente, que o
relacionamento só funciona com a semana os separando - ou, do contrário, a
saudade seria menor e as discussões maiores e mais perigosas. E o número de
separações/divórcios, que só tem aumentado? Que modelo de família queremos
construir? Queremos construir família?
Trabalhar demais é bom?
Na raiz da questão está o cada vez mais pesado fardo do trabalho.
Fardo? Pois é, muitos brasileiros têm no trabalho sua fonte de renda para o
consumo e realização de desejos. O dinheiro decorrente do trabalho serve, na
maioria dos casos, para comprar, gastar e envolver-se na aparente sensação de
liberdade e independência.
O resultado é que trabalha-se cada vez mais, com a certeza de que assim a
família terá melhores oportunidades, mais felicidade e condições de prosperar
como conjunto. E os pais dedicam-se ao trabalho durante 10, 12, 14 horas com
esse nobre objetivo. Está na moda ser viciado em trabalho, ser workaholic.
Aliás, parece que não está na moda ser "preguiçoso" segundo a visão do amigo
Eduardo Cupaiolo. Certo dia, os viciados descobrem que o filho cresceu, não os
respeita como gostariam e que os planos foram dando lugar aos gestos
consumistas.
Mas a justificativa está na ponta da língua: "Se não for assim, me mandam
embora e contratam outro", "Sem todo esse esforço, nossos concorrentes
vão ter mais destaque", "Minha família compreende esses sacrifícios
porque sabe que faço isso para que possamos ter mais qualidade de vida",
"Só cresce na empresa quem trabalha muito e se dedica aos jogos
corporativos" e por ai vai. Você e eu poderíamos preencher todo este espaço
com desculpas deste tipo. Sugiro que faça uma reflexão a partir das perguntas:
- Você fica mais excitado com o seu trabalho do que ao lado de sua família
e com os momentos ao lado de amigos?
- Leva trabalho para casa? Para a cama? E nos finais de semana?
- Sua família ou amigos desistem de esperá-lo quando sabem que você está
vindo do trabalho?
- Você fica impaciente e é pouco compreensivo com pessoas que tem outras
prioridades além do trabalho? Como é para você ouvir "As 17h não posso
me reunir porque preciso sair para fazer meu treino de corrida"?
- Você fica irritado quando alguém pede para você trabalhar menos ou
deixar de trabalhar por alguns instantes?
- Você trabalha ou lê durante refeições?
Qual o legado deixado?
Depois de muito trabalhar e se sacrificar, resta aceitar, já na hora de
se aposentar ou durante a terceira idade, que a vida passou rápido e que o
"possível" foi feito. O possível, que é bem diferente do importante, do
relevante. O resto fica como puro desejo. Desejo de ter economizado e investido
para ter mais durante a aposentadoria, de ter trabalhado menos para passar mais
tempo com a família ou de ter praticado exercícios para minimizar os problemas
de saúde, para ficar em poucos exemplos. Tudo isso já foi possível, mas não era
relevante. Prioridade, lembra?
Utopia?
Eu passei por tudo isso. Cheguei a achar que passar por privações,
experiências amargas de trabalho, ambientes corporativos recheados de tirania e
problemas de saúde eram passos obrigatórios para uma vida plena, com dinheiro em
caixa e possibilidades de realização pessoal/profissional. Fui na onda e acabei
literalmente destruído. Depois percebi que nada disso é necessário para quem
quer viver sua vida dentro dos limites do bom senso. De verdade.
Sem nenhuma vergonha, deixo aqui meu testemunho: morei cerca de 6 anos em São
Paulo, de onde viajava de quatro a cinco dias por semana. Lá, começava a
trabalhar às 8h e voltava depois de 20h para casa. Então tive um colapso no
trabalho e problemas sérios de saúde. Meu casamento ruiu e veio a separação.
Para alguns, eu tinha tudo (carreira promissora, reconhecimento, emprego, isso e
aquilo). Na verdade, eu não tinha nada.
Então voltei para o sul de Minas, onde hoje programo minha agenda para no
máximo dois dias fora de casa, acordo as 8h e trabalho das 9h às 17h, corro 50
km por semana e tenho uma alimentação balanceada. Finalmente estou vivo. Tenho
tempo para manias, família, amor, livros, amigos, viagens e o que mais você
imaginar.
Como vê, não sou demagogo. Babaquice por babaquice, prefiro a visão piegas de
gente comum que encontra na vida simples inúmeras razões para ser feliz. Essa
coisa de sucesso a qualquer custo, trabalho escravo e dedicação total ao
trabalho pode torná-lo alguém muito influente, até rico e com muito patrimônio,
está certo! Mas não inveje minha qualidade de vida e sossego. Prioridade, de
novo, lembra? Uai…