O Brasil detém o título de país campeão em acidentes de trabalho. Todos os
anos, milhares de empregados perdem suas vidas ou ficam incapacitados em
decorrência de ocorrências indesejadas em suas atividades, que acabam trazendo
sofrimentos para o indivíduo e a sua família. Ao mesmo tempo, esforços são
despendidos pelas empresas e governo visando à redução desta estatística
alarmante, através de metodologias como treinamentos, campanhas de
conscientização, utilização de equipamentos de proteção e outros.
Entretanto, estas ações estão vinculadas à formação profissional dos
trabalhadores, chegando ao seu conhecimento somente quando adquirem o
conhecimento necessário à execução de suas atividades, nos cursos de formação,
ou então quando já estão inseridos no contexto das organizações. Ou seja, quando
o indivíduo já está praticamente formado em termos psicológicos, sociais morais,
fatores que influenciam na sua capacidade de julgamento.
Logo, este primeiro contato com os aspectos ligados à segurança ocorre de
forma muito tardia. Educadores relatam que verificamos o mundo conforme nossos
valores, crenças e atitudes que recebemos durante a nossa formação, desde
crianças. Sabemos que não podemos roubar, andar sem roupa na rua, que o fogo
queima, mas isto porque são valores e ideias que nos foram passados durante toda
nossa vida e que podemos ter tido experiências reais.
Para que o indivíduo possa assimilar de forma clara e efetiva os preceitos de
segurança do trabalho que lhe são passados quando da execução de suas atividades
laborais, o direcionamento para este tema deve fazer parte do seu
desenvolvimento educacional como ser humano, e que vai culminar no seu
desempenho como profissional.
Antigamente, se acreditava que bastavam somente as informações repassadas
pelo professor deveriam fazer parte do aprendizado das crianças. O professor
apresentava, ditava as lições e a criança ouvia, copiava, decorava e
supostamente iria aprender. Atualmente, este pensamento mudou. Simplesmente
receber informações de um professor não é suficiente para que o aluno aprenda
com compreensão, porque, nesse caso, a criança fica passiva, não pensa com por
si próprio.
O processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança apresenta grande
diversidade em função das diferentes vivências socioculturais, através da
observação e investigação do mundo. Quanto mais a criança explora suas
possibilidades e o ambiente que a cerca, mais ela é capaz de relacionar fatos e
ideias, tirar conclusões; ou seja, ela possui condições propícias de pensar e
compreender.
Vygotsky (1998) considera que o desenvolvimento ocorre ao longo da vida e que
as funções psicológicas superiores são construídas ao longo dela. Não existem
fases para explicar o desenvolvimento da criança e para ele o sujeito não é
ativo nem passivo: é interativo. A criança usa as interações sociais como formas
privilegiadas de acesso a informações: aprendem a regra do jogo, por exemplo,
através dos outros e não como o resultado de um engajamento individual na
solução de problemas.
Desta forma, verifica-se que o desenvolvimento do aprendizado deve estar
ligado também às situações presentes no cotidiano do indivíduo. Morin (2000)
descreve que existem duas linhas de educação: de um lado a escola, que divide o
conhecimento em partes, e do outro lado a vida, onde os problemas se apresentam
cada vez mais multidisciplinares.
O autor imagina que a educação corresponde a todas as influências e
interrelações que convergem para a formação de traços de personalidade social e
do caráter, implicando uma concepção do mundo, ideais, valores, modos de agir,
que se traduzem em convicções ideológicas, morais, políticas, e princípios de
ação frente a situações e desafios da vida prática. No contexto deste artigo,
estes desafios que podem estar ligados, no futuro, às situações de risco que a
pessoa vai encontrar e à sua reação aos processos de treinamento e
conscientização relativos à segurança do trabalho. Neste pensamento, fica a
pergunta:
Como podemos, então, querer que um indivíduo tenha uma reação favorável à
segurança no trabalho, se este fator nunca se fez presente no seu processo de
aprendizado?
A resposta a esta indagação deve ser trabalhada dentro das organizações.
Desde a sua admissão, a empresa deve preparar o empregado para atuar de forma
ativa no contexto da sua segurança e de seus companheiros de trabalho, através
principalmente do treinamento sobre as atividades executadas, reconhecimento do
ambiente que o cerca e as possibilidades de sua atuação de forma segura. Já que
a vida muitas vezes não o preparou para a prevenção, a companhia pode assumir
este papel.
Um novo contexto organizacional - As empresas têm buscado
diversas formas de planejar e criar modelos para melhorar o desempenho
organizacional, utilizando com frequência as técnicas baseadas em modelos que
privilegiam o planejamento, estabelecimento de metas e execução, adotando a
premissa de que é possível antecipar o futuro constituindo objetivos e tomando
decisões que irão garantir o melhor desempenho. Neste contexto podem-se citar
metodologias como o Planejamento Estratégico e o Balanced Scorecard.
Em campos específicos da organização, têm-se como exemplo os Sistemas de
Gestão da Qualidade (ISO 9000) e Sistemas de Gestão Ambiental (ISO 14000), que
visam respectivamente à melhoria dos processos e produtos e a busca por um
modelo de produção que não agrida o meio-ambiente, fatores estes considerados
relevantes e cobrados pela sociedade como um todo. Seguindo esta tendência, o
aumento do interesse das empresas dos mais variados segmentos em obter uma
ferramenta capaz de gerenciar a segurança do trabalho, estimulou a criação de
diferentes modelos e normas, criadas por organismos certificadores como, por
exemplo, a OHSAS 18001 - Occupational Health and Safety Assessment Series.
Entretanto, mesmo com a aplicação destas ferramentas, as organizações ainda
enfrentam dificuldades para se adaptar às exigências do ambiente competitivo em
que estão inseridas, sendo expostas às mais diversas influências, tanto internas
como externas. Não são raros os casos de empresas que aplicam as metodologias
mais modernas de gestão de negócios, e mesmo assim não conseguem atingir os
resultados desejados. Este fator pode estar ligado ao fato da administração das
corporações ainda estar atrelado aos conceitos mecanicistas, isto é, o
pensamento que liga o sucesso nos negócios com a estabilidade e controle sobre
os meios e fins.
Frequentemente as organizações são tratadas como se fossem máquinas
desenhadas para atingir fins e objetivos pré-determinados que devessem funcionar
tranquilamente e eficientemente. Neste pensamento, o comportamento humano não
pode mais ser considerado pelos administradores com a simplicidade mecanicista
dominante, definindo procedimentos e regras rígidas para a obtenção dos
resultados, sempre na busca por respostas práticas e rápidas.
A ideia de Morgan (1996), onde as companhias são interpretadas a partir de
metáforas, visa explicar de forma diferente os fenômenos corporativos através de
um pensamento baseado nas "imagens organizacionais". Duas abordagens propostas
por este autor podem exemplificar a mudança de pensamento em relação ao
gerenciamento das empresas: organização vista como máquina e como cérebro.
Ao tratar as organizações como máquinas, o autor retrata a
forma mecânica de pensar a qual estamos acostumados, que acabam criando
dificuldades para novas percepções corporativas. Mostra como os gerentes que
percebem a empresa desta forma tendem a gerenciá-la pensando que é uma máquina
feita de diversos componentes interligados, onde cada um desempenha um papel
totalmente definido no funcionamento do todo.
Segundo o autor, estas companhias somente funcionam bem sob quando existem
tarefas contínuas, onde o ambiente é estável, quando se produz sempre o mesmo
produto e quando as pessoas são submissas e comportam-se como foi planejado que
façam. Este tipo de comportamento pode gerar complicações ligadas, por exemplo,
ao surgimento de problemas que acabam por ser ignorados, porque não existem
respostas prontas.
O autor cita as consequências humanas, onde o enfoque mecanicista da empresa
tende a limitar, em lugar de ativar o desenvolvimento das capacidades humanas,
modelando os seres humanos a servirem aos requisitos da organização mecanicista
em lugar de construir a companhia em torno de seus pontos fortes e potenciais.
Por outro lado, ao considerar as organizações vistas como cérebros,
Morgan chama a atenção para a importância do processamento de informações,
aprendizagem e inteligência, destacando a existência de um conjunto de
princípios corporativos que potencializam esse processamento de informações tal
como um computador em permanente operação, funcionando como um sistema de
processamento de dados capazes de aprender.
Cita ainda quatro princípios chaves visando à comunicação e à aprendizagem
dos sistemas organizacionais. No primeiro, os sistemas devem ter a capacidade de
sentir, monitorar e explorar os aspectos significantes do seu ambiente; no
segundo, eles devem também ser capazes de relacionar essa informação com as
normas operacionais que guiam o sistema comportamental; no terceiro, eles devem
ser capazes de detectar desvios significativos destas normas; e finalmente devem
ser aptos a iniciar ação corretiva quando são detectadas discrepâncias.
Sendo assim, a busca por alternativas para melhorar o desempenho das empresas
passa pelo estudo deste tema, que diverge e questiona as correntes de pensamento
que acreditam que o conhecimento ocorre de forma linear e previsível,
considerando as influências recebidas do ambiente interno e externo e as
utilizando para enfrentar a incertezas e agir de forma a estimular o aprendizado
e a inovação.
O controle de uma organização através de uma forma linear e rigorosa é um
procedimento cercado de incertezas no contexto empresarial, sendo impossível
prever todas as ocorrências possíveis. Quando se trata da segurança do trabalho,
este contexto se fortalece, pois se tem a missão de atuar diretamente com o ser
humano, sua imprevisibilidade e dificuldade de controle.
As pessoas que compõem a organização são elementos ativos. Desta forma,
possuem autonomia para orientar suas ações, conforme sua interação com o
ambiente que o rodeia e com os outros agentes, colocando em prática sua
capacidade de aprendizado e adaptação. A formação de ideias nas empresas
necessita da experiência acumulada pelos agentes, conhecimentos específicos,
maturidade e confiança, orientando suas ações com base em sua própria capacidade
de julgamento.
Desta forma, o indivíduo se torna um tomador de decisão, tendo consciência de
que suas atitudes podem influenciar o ambiente em que está inserido.
Conhecimento, educação e comunicação são fatores essenciais presentes neste
conceito. Contato entre si e o ambiente, o tamanho da organização e a
comunicação devem ser considerados. Assim, a empresa deve criar condições para
que os colaboradores sejam estimulados a reconhecer melhor o seu ambiente e
melhorarem a capacidade de julgamento.